A Argentina de Néstor e Cristina Kirchner vinha sendo a maior conquista do bolivarianismo chavista, desde que o coronel Hugo Chávez chegou ao poder na Venezuela, pelo voto, em 1999, e começou a acenar para a América Latina com o “socialismo do século XXI”, um regime inspirado no stalinismo caribenho da Cuba dos irmãos Castro.
Depois de exportar o modelo para Bolívia, Equador e Nicarágua, Chávez soube usar os ainda fartos petrodólares para se aproximar dos Kirchner, por meio da compra de títulos da dívida argentina, cotados como “lixo” no mercado financeiro. Deu certo e o kirchnerismo, já um movimento autoritário, começou a enveredar pelo chavismo.
Pois este projeto de poder recebeu ontem um bem-vindo tranco do eleitorado argentino, com a maior derrota do kirchnerismo, representado pela Frente para a Vitória, desde que Néstor Kirchner assumiu a Casa Rosada, em 2003. As eleições renovam metade da Câmara e um terço do Senado.
O maior símbolo da derrota da presidente Cristina Kirchner, em repouso na mansão de Olivos, residência oficial, depois de cirurgia, é a ascensão de Sergio Massa, prefeito de Tigre, na Grande Buenos Aires, seu ex-chefe de gabinete. O resultado das urnas de domingo fora desenhado nas primárias de agosto, mas, em alguns casos, a vantagem dos adversários do kirchnerismo se ampliou.
Massa, também peronista, da Frente Renovadora, ultrapassou os 40% de votos nas eleições para a Câmara, na província de Buenos Aires, onde estão quase 40% dos eleitores argentinos. Massa ficou mais de dez pontos à frente de Martin Insaurralde, candidato de Cristina.
Como é da tradição argentina, o maior adversário de um peronista é outro peronista. Assim, Massa sai das eleições como forte candidato do Partido Justicialista às eleições de 2015, nas quais os kirchneristas pretendiam emplacar o terceiro mandato de Cristina, na falta de Néstor.
Mas os eleitores eliminaram esta possibilidade, porque, mesmo que a bancada kirchnerista continue forte na Câmara e no Senado, ela não tem maioria para alterar a Constituição e sacramentar o continuísmo.
A derrota é de grandes dimensões: Cristina se reelegera há dois anos com 54% dos votos; no domingo, obteve o apoio de apenas cerca de 30% dos eleitores. Neste período, pouco mais de vinte pontos percentuais viraram fumaça na esteira de um estilo agressivo e violento de fazer política, e também pulverizados por uma política econômica ruinosa que permitiu a inflação chegar a 25%, embora o índice oficial, maquiado, esteja tabelado em 10%.
As eleições ajudam a reforçar as instituições republicanas argentinas, sob cerco do kirchnerismo, assim como o jornalismo profissional. O resultado eleitoral pode ajudar na distensão no Cone Sul e a abrir um aperfeiçoamento negociado do Mercosul — tudo a depender das eleições presidenciais de 2015.
Brasília precisa decifrar sem erros a mensagem dos eleitores argentinos e saber qual a melhor alternativa interna no vizinho para a estabilidade diplomática e econômica da região.
29 de outubro de 2013
Editorial d'O Globo
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