Debate sobre fim do voto secreto é contumaz resposta a escândalos; Congresso precisa levar proposta adiante, sem manobras
A situação é recorrente. Sempre que um de seus integrantes se vê embrenhado em escândalo, o Congresso oferece à sociedade um emplastro universal que tem à disposição: a extinção do voto secreto.
Em vez de curar os males dos representantes da população, o fim do anonimato nas decisões legislativas tem funcionado como mero engodo. A proposta sacia por um tempo a ânsia de lisura manifestada pelos eleitores, mas é logo abandonada nos escaninhos de Brasília --pronta para ser retomada em caso de novo desvio.
É repleta de episódios desse gênero a história recente do Legislativo. Surgiu em maio de 2001 a proposta de emenda constitucional 349, de autoria do então deputado federal Luiz Antonio Fleury, sob a seguinte justificativa: "(...) pela repercussão na opinião pública, urgente e inadiável a abolição do voto secreto (...)".
A Comissão de Ética do Senado concluía, naquele mês, apuração sobre envolvimento de José Roberto Arruda (ex-PSDB-DF) e Antonio Carlos Magalhães (PFL-BA) na violação do sigilo dos votos na sessão que cassara Luiz Estevão (PMDB-DF), em 2000. Os dois senadores depois renunciaram.
Cinco anos mais tarde, em setembro de 2006, a PEC 349 foi aprovada pela Câmara em primeira votação. O escândalo da estação era a "Máfia dos Sanguessugas" --fraude em licitações para a compra de ambulâncias. Ao fim de uma investigação parlamentar, recomendou-se tirar o mandato de 72 congressistas. Nenhum foi cassado.
Em 2007, investigado pelo Ministério Público Federal, Renan Calheiros (PMDB-AL) renunciou à presidência do Senado para evitar a perda de seu mandato. Ganhou voz, mas logo se calou, a ideia de encerrar o sigilo de votações relativas à cassação de congressistas.
A sugestão voltou nos escândalos do senador Demóstenes Torres (ex-DEM-GO) --cassado em 2012-- e da deputada federal Jacqueline Roriz (PMN-DF), absolvida em 2011.
Passaram-se, desde 2006, mais de 130 sessões legislativas até que enfim fosse aprovada pela Câmara a proposta de extinção do anonimato em todas as votações.
Desta vez, os parlamentares viram-se constrangidos pela infame preservação do mandato de Natan Donadon (ex-PMDB-RO), o deputado presidiário condenado por desvio de recursos públicos.
A proposta, agora, segue para o Senado. Esta Casa, porém, dificilmente aprovará a PEC tal como a recebeu. Há, entre os senadores, preocupações quanto à amplitude da publicidade de atos legislativos. Defende-se que o sigilo seja mantido em alguns casos, como na análise de vetos presidenciais e na aprovação de autoridades para o Executivo e o Judiciário.
São ponderações razoáveis e que merecem discussão aprofundada. Não podem servir de pretexto, porém, para o fim do voto secreto ser de novo jogado para as calendas.
06 de setembro de 2013
Editorial Folha S.Paulo
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