Como moro bem perto do Palácio Guanabara, onde se concentram os protestos, tenho visão privilegiada, estou bem no meio da confusão, independentemente de minha vontade.
Meu ponto é o Mercadinho São José, na Rua das Laranjeiras, onde meu filho tem um estúdio musical e eu uso o escritório dele para editar o Blog. A rotina é sempre igual. Primeiro, a gente ouve o barulho dos helicópteros da polícia e das emissoras de TV. Depois os manifestantes vem subindo a rua, com o trânsito interrompido.
Na trajetória, as lojas e bares vão fechando, porque ainda se veem as marcas da manifestação anterior, que quebrou todas as agências bancárias e até abrigos para passageiros que esperam ônibus. Há calçadas em péssimo estado, as pedras portuguesas são usadas nos enfrentamentos com a polícia.
SEM MÁSCARAS
A maioria dos manifestantes vem de cara limpa, muitos deles são funcionários públicos, especialmente professores, que trazem faixas e cartazes contra o governo de Sérgio Cabral. Mas a imensa maioria é formada de jovens, inclusive ainda adolescentes, usando camisetas negras, mas tem de tudo – neste Sete de Setembro, apareceu até um baixinho de terno preto e gravata vermelha, sobressaindo na multidão.
Ando no meio dos manifestantes, fico observando. Não parecem ameaçadores e não há lideranças aparentes. Apenas um deles, com o rosto pintado como palhaço, tenta mostrar serviço, gritando palavras de ordem, mas dá para notar que ninguém o conhece nem liga para ele.
Fica parecendo que vai ser apenas mais uma manifestação contra Cabral, um governador de merda, conforme classificação na escala Richter de corrupção e incompetência deste Blog.
BLACK BLOCS
Mas é só aparência. Quando chegam os Black Blocs, tudo muda. A multidão vai ficando cada vez mais furiosa, começam os xingamentos aos policiais, os confrontos, as pedras e garrafas, as bombas de gás lacrimogêneo, os sprays de gás pimenta, os cassetetes, as pistolas de choque elétrico e as balas de borracha.
As bombas explodem na porta do Mercadinho. O gás lacrimogêneo invade o local. corro para o estúdio, mas não adianta, a fumaça me intoxica. Os olhos ardem demais, começo a tossir. É uma sensação horrorosa. Lavo os olhos na pia. E depois fico lá dentro, trancado no escritório, observando pelo vidro da janela as pessoas correndo na Rua das Laranjeiras.
Nas outras grandes cidades, tumultos e confusões semelhantes. Aonde isso vai nos levar? Lembro dos protestos estudantis na década de 60, tomando cerveja com os amigos do célebre edifício Zacatecas antes de participar da Passeata dos 100 Mil. Quanta esperança e empolgação. Tudo jogado fora, por falta de habilidade política. Agora a gente vê a cena se repetindo, com o desvirtuamento progressivo das manifestações populares iniciadas em junho, quando não havia Black Blocs, Anonymous nem vandalismo.
Respondam: aonde isso vai nos levar? Acham que desta maneira, fazendo quebra-quebra, mudaremos o governo, a política e a justiça deste país? Se é isso que acham, nem precisam atirar a primeira pedra. Os Black Blocs já se encarregaram de fazê-lo.
08 de setembro de 2013
Carlos Newton
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