Lançado por Dilma Rousseff em dezembro de 2011 com pompa, o programa ‘Crack, é possível vencer’ tropeça nas circunstâncias. Prometera-se um investimento de R$ 4 bilhões em três anos –de 2012 a 2014. A quatro meses do fechamento do segundo ano, o governo diz ter aplicado apenas 34,6% do total: R$ 1,38 bilhão. A lentidão não se deve à falta de dinheiro, mas à ineficiência do Estado.
Tome-se o exemplo das “comunidades terapêuticas”. São geridas por ONGs que se dispõem a acolher dependentes do crack em processo de desintoxicação. O programa federal prevê o “acolhimento” de 10 mil pessoas. O Orçamento da União de 2012 reservara R$ 131,9 milhões para essa finalidade. Aplicou-se zero. Repetindo: nada, nem um mísero centavo.
Para 2013, a rubrica das “comunidades terapêuticas” soma R$ 148,9 milhões. Até a semana passada haviam sido “empenhados” R$ 31,2 milhões (21% do total), dos quais apenas R$ 34 mil (0,02%) saíram efetivamente do cofre. Somente em maio o governo firmou as primeiras parcerias com ONGs. Até a última sexta-feira, havia 80 contratos rubricados. Resultarão na abertura de 1.943 das 10 mil vagas prometidas.
Presidente da Comissão de Segurança Pública da Câmara, o deputado Otávio Leite (PSDB-RJ), acha que “chegou a hora de fazer um balanço” do programa federal de combate ao crack. “Esse assunto é explorado em palanques eleitorais com uma volúpia que não condiz com a execução orçamentária, sempre muito baixa”, diz ele. Com o “intuito de colaborar”, o deputado promoverá uma audiência pública na comissão que dirige. Vai requerer, de resto, uma auditoria do TCU. Quer saber: 1) por que o dinheiro demora a ser aplicado?. 2) como são fiscalizados os gastos e a qualidade dos serviços?
O plano ‘Crack, é possível vencer’ está assentado em três verbos: prevenir, cuidar e reprimir. Sua implementação envolve os ministérios da Saúde, do Desenvolvimento Social e da Justiça. Coube à Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas (Senad), órgão da pasta da Justiça, gerir o pedaço do programa que trata da prevenção. É a Senad que cuida também dos contratos com as ONGs que gerem as “comunidades terapêuticas”.
Chama-se Vitore André Maximiano o chefe da Senad. Nomeado há cinco meses, pegou o bonde do combate ao crack andando. Em conversa com o blog, Vitore explicou que o programa, por prioritário, está a salvo dos cortes orçamentários. Disse que a verba destinada em 2012 às “comunidades terapêuticas” não foi aplicada porque o edital para a seleção das ONGs só foi publicado em dezembro daquele ano.
“As inscrições permaneceram abertas até março de 2013”, acrescentou Vitore. “Só então começamos a analisar as 482 propostas que chegaram. O processo agora será mais rápido. Nós começamos a semana com aproximadamente 70 contratos, e fechamos com 80. Nesse momento estamos em condições de celebrar uma média de 10 a 20 contratos por semana.”
O Orçamento total da Senad para este ano soma R$ 374 milhões. Em pleno mês de setembro, foram aplicados apenas R$ 45,1 milhões –ou 12,1% do total. Só em emendas de parlamentares, há R$ 145,1 milhões, dos quais o Planalto liberou escassos R$ 7,3 milhões. Por ora, nada saiu do cofre. “Os processos relativos às emendas estão sendo analisados quanto à viabilidade técnica”, disse Vitore.
Ele atribui parte do atraso na execução do orçamento de sua secretaria a fatos que lhe fogem ao controle. Citou como exemplo os cursos previstos no programa anticrack. São cursos à distância, ministrados por universidades públicas que se associam ao projeto. A clientela é composta majoritariamente de lideranças comunitárias e conselheiros municipais.
“Estamos sofrendo agora os efeitos da greve nas universidades em 2012”, afirmou o secretário Vitore. Graças à paralisação, parte do Orçamento de 2012 invadiu 2013, na forma de “restos a pagar.” O secretário lamentou: “Estamos correndo contra o tempo. Só agora começamos a executar o Orçamento de 2013. Estimamos que até meados do primeiro semestre de 2014 conseguiremos encerrar 2013 e começar a execução do orçamento previsto para 2014.”
Assim caminha, em descompasso com o calendário gregoriano, a execução do Orçamento da União. Vitore não se atormenta. Declara que a implementação do Orçamento da União costuma ganhar velocidade no segundo semestre. “Em 2012, chegamos ao final do ano com mais de 90% das dotações empenhadas”.
A quatro meses da virada do ano, a Senad contratou, em agosto, um curso para 40 mil pessoas que irão lidar com dependentes de crack nos municípios. Será ministrado à distância pela Universidade Federal de Santa Catarina. Nesse caso, utilizou-se verba do orçamento de 2013, que continuará bancando o curso em 2014.
Dois meses antes, encerrara-se outro curso. Organizara-o a Universidade de Brasília (UnB). Dirigido a 70 mil educadores, foi bancado com verbas que “migraram” do orçamento de 2012.
As parcerias da Senad com universidades públicas não se limitam aos cursos. Alcançam, entre outras atividades, um programa de teleatendimento a dependentes de crack. Chama-se ‘Viva Voz’. É tocado pela Universidade Federal de Ciência da Saúde de Porto Alegre.
“As pessoas ligam para um número de utilidade pública, o 132, e são atendidas por 80 profissionais”, explica o secretário Vitore. “Não é gente de empresa de telemarketing. São alunos de graduação e pós-graduação na área de saúde. Esses atendentes ficam fisicamente localizados em Porto Alegre. Mas atendem a ligações de todo país. O serviço funciona 24 horas por dia, inclusive nos finais de semana.”
A iniciativa custa ao contribuinte R$ 4 milhões anuais. Entre 21h30 de domingo e 6h30 desta segunda-feira, o repórter tocou cinco vezes para o 132. Em todos os telefonemas, ouviu uma mensagem eletrônica informando que o atendente viria a seguir. E ficou nisso. As ligações caíram sem que nenhum personagem de carne e osso entrasse na linha. Um viciado em crack teria saído da experiência à procura de um cachimbo.
09 de setembro de 2013
Josias de Souza - UOL
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