"Sem a visão estratégica, o governo se limita ao curto prazo", diz o ex-ministro Velloso. Foto: João Laet
O ex-ministro João Paulo dos Reis Velloso afirma que a atribuição de sua pasta foi esvaziada porque o país deixou de pensar a longo prazo
O economista João Paulo dos Reis Velloso foi ministro do Planejamento de 1969 a 1979, nos governos dos generais Garrastazu Médici e Ernesto Geisel. À frente da pasta, viveu dois períodos marcantes da economia: o chamado milagre econômico e a crise internacional do petróleo, que pôs fim ao dito milagre. Era época de ditadura militar e, em consequência, o Estado também comandava a política econômica com mão forte, a partir de planos nacionais de desenvolvimento.
Em entrevista ao Brasil Econômico, Velloso, aos 82 anos, conta que, como prova da importância da função que exercia, ocupava um gabinete no Palácio do Planalto, ao lado do chefe da Casa Civil, general Golbery do Couto e Silva. E afirma que nos dias de hoje a atribuição de sua pasta foi esvaziada porque o país, a seu ver, deixou de pensar a longo prazo. “O Planejamento perdeu status no governo”, lamenta o exministro, que, há 25 anos, dedica-se a promover Fóruns Nacionais no BNDES para debater a realidade brasileira.
Para ele, mesmo o PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), que ajudou a eleger a presidente Dilma Rousseff, não é propriamente um plano de desenvolvimento, como os dos anos 70. “O PAC não é e não pretende ser um plano, é no máximo um programa de investimento”. O ex-ministro acredita que a taxa de crescimento do PIB é baixa pela falta de uma estratégia de desenvolvimento industrial. “Isso explica os seguidos ‘pibinhos’ de 1%, que não satisfazem a ninguém, nem ao governo, nem aos empresários e nem ao povo que vai se manifestar nas ruas”.
Como está o planejamento brasileiro, na atualidade?
O país precisa de uma visão estratégica. Para mim, planejamento é isso. Para chegar ao que Salvador de Madariaga chamou de planejamento para a liberdade. Não é ficar fazendo previsões. O futuro não está contido no passado. Tem que ter uma visão estratégica. Qual o tipo de país ou de economia desejados? A partir daí, é definida uma estratégia de desenvolvimento. Atualmente, estamos em uma armadilha do baixo crescimento. A armadilha desse "pibinho" de 1% ao ano. Em 1976, a economia, que vinha crescendo a 10% ao ano, chegou a 5%, por causa da crise do petróleo. Então, a Fundação Getúlio Vargas escreveu um trabalho afirmando que o Brasil estava em recessão de crescimento. Isso com 5%. Porque nós verificamos, quando houve a crise, que ela iria arrebentar o modelo de desenvolvimento que o Brasil estava seguindo naquele momento.
A solução foi elaborar o II Plano Nacional de Desenvolvimento, com a substituição de importações...
Em 74, a balança comercial, que estava equilibrada, de repente, deu um bruto déficit. Maior ainda, óbvio, na balança em conta corrente. Tivemos que montar uma estratégia para sair daquela situação. Continuamos expandindo exportações, mas verificamos que teríamos que ter um programa que desse ênfase de um lado ao petróleo, que era a causa da crise, depois a certas matérias-primas. Isso é o que chamo de o ovo da serpente. Isso tinha sido detectado quando fizemos um diagnóstico em 1965. Éramos altamente competitivos nos insumos básicos, mas estávamos importando. Produtos metalúrgicos, petroquímicos, papel e celulose e assim por diante.
Tinha que haver ênfase em energia, principalmente em petróleo, e continuar o programa que vinha sendo feito em hidreletricidade. Estávamos terminando a usina de Itaipu e fizemos Tucuruí e outras grandes hidrelétricas. Em 1984, outro ano de crise mundial, apareceu, de repente, um superávit comercial de US$ 13 bilhões e havíamos dominado o paradigma econômico da época, que era baseado na metalmecânica.
E por que hoje não há nada parecido? Não é adotado esse tipo de estratégia?
Naquele tempo, o planejamento funcionava na Presidência da República. O meu gabinete era no Palácio do Planalto. Eu ficava ao lado da sala do Golbery (do Couto e Silva, chefe da Casa Civil). O que nos separava era o toilette. Às vezes, ficávamos nós dois, cada um em sua cabine, discutindo o que fazer. Eu participava da reunião das 9h, que era com Casa Civil, Casa Militar, Serviço Nacional de Informações (SNI) e Planejamento. E eu era o secretáio-geral de dois conselhos: de Desenvolvimento Econômico e de Desenvolvimento Social, que só tinham ministros.
Houve então uma perda de espaço para o Planejamento?
Houve uma perda de status e de conteúdo. Cadê o plano? O PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) não é e não pretende ser um plano. É, no máximo, um programa. O PAC é um certo número de projetos que foram jogados numa mesma caixa. É isso o que existe atualmente.
A crença é que o investimento público irá atrair o privado...
Só que há, hoje, uma explosão de gastos do governo. Mas não é para investimentos, que representam menos de 6% do total de despesas do governo. O resto, ou seja, 94%, são despesas de custeio e a quase totalidade, tirando o Bolsa Família, são os gastos de pessoal para sustentar 40 ministérios. No meu tempo, eram 15 e eu achava que era demais. Isso significa que a carga tributária no Brasil está em 36% ou até um pouco mais. Que está no nível da carga tributária nos Estados Unidos ou na União Europeia, ou um pouco mais alto. Para quê? Para sustentar 40 ministérios, com o nosso dinheiro.
Naquele tempo do II Plano de Desenvolvimento o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) escolheu algumas empresas para produzir bens de capital e insumos básicos. Agora, o banco está sendo muito criticado por selecionar algumas empresas para alavancar o crescimento. Essa crítica faz sentido?
Não é bem uma seleção de empresas. São definidos os principais setores, o que vai mudando com o tempo. E, dentro daqueles setores, o BNDES elege, naturalmente, as melhores empresas. A opção básica é o setor. O resto vem por acréscimo.
Como explicar, então, o apoio dado às empresas de Eike Batista, que não tinham o fundamento técnico e econômico que se acreditava?
Não sou da diretoria do BNDES, logo, não tenho nada a ver com isso. Mas sou coordenador do Comitê de Auditoria do banco. Quando vi nos jornais as notícias sobre as empresas do Eike, convoquei uma reunião do comitê e avisei ao pessoal da presidência. A conclusão a que se chegou em reunião foi que havia risco mínimo. E, realmente, é o que está acontecendo. Ele teve que trazer novos sócios, está vendendo ativos industriais. Honestamente, tanto quanto se pode verificar, o risco foi reduzido ao mínimo. Como aconteceu o problema, não é da nossa alçada.
O governo está apostando muito nos leilões de concessões. O setor privado será atraído?
Desde que haja uma taxa de remuneração adequada. Caso contrário, não irá funcionar. O governo está lidando com o setor privado com grandes investimentos. No passado, quando eu era ministro, o Brasil contava com uma excelente infraestrutura, porque cada setor de infraestrutura tinha um imposto único financiador. Naquele setor havia um conglomerado estatal. A Constituição de 1988 extinguiu o imposto único, sob a alegação de que os estados, com o INSS, passariam a financiar a infraestrutura. Agora, eu pergunto: qual estado no Brasil financia infraestrutura? Quem propôs esse esquema de imposto foi o então ministro do Planejamento Roberto Campos, quando a economia estava sendo reconstruída. Hoje, a única saída é, realmente, fazer concessões. Mas, para que funcionem, têm que ter taxa de retorno adequada.
O governo, nos últimos dias, tem demonstrado que vai apoiar bastante as empresas, o que deve garantir a taxa de retorno.
Tomara, porque nossa infraestrutura, nos últimos 30 anos, foi destruída, porque tiraram as fontes de financiamento. O Estado de São Paulo cuidou de algumas rodovias. O resto ficou ao Deus dará.
Os leilões das concessões terão, realmente, o efeito esperado sobre a economia?
Se funcionarem, será muito bom, porque é uma solução para um problema que vem se deteriorando há décadas. A competitividade internacional do Brasil, principalmente na área industrial,vai melhorar bastante. Concessão não é plano de desenvolvimento, mas é uma parte essencial de um plano.
A ausência de um plano de desenvolvimento atrapalha o processo de concessões?
É claro que atrapalha, porque é como, em um corpo, cuidar só do coração. É preciso cuidar da saúde de todo o organismo. É preciso de um clínico geral. Não adianta ter só um especialista. Ele não vai resolver o problema da sua saúde.
Hoje, do grupo de ministérios, tomamos conhecimento apenas das ações do Ministério da Fazenda e do Banco Central. Como fica, então, o Ministério do Planejamento?
Ele cuida de orçamento. No meu tempo, além de ser órgão da Presidência da República, havia um sistema de planejamento, que incluía o planejamento propriamente, a execução, o acompanhamento da execução e a gestão do sistema.
Essas atribuições foram transferidas para a Casa Civil...
Se não há plano, o que será acompanhado?
O PAC foi encarado pelo governo, de certa forma, como um plano. Por que obras, como da Transnordestina, pararam?
Fui ao Nordeste para uma palestra e falei a eles: não há um Nordeste. Há vários Nordestes. A integração tem que ser feita pela Transnordestina e pela transposição das águas. Se esses dois projetos não forem cuidados, não há Nordeste. Não tem como levar os grãos do cerrado do Piauí para tal porto. Tudo isso tem que fazer parte de um sistema e tem de haver recursos. Porque outra coisa que tínhamos no orçamento eram fundos e os recursos eram distribuídos para os ministérios. Havia o fundo de programas e projetos prioritários. Se faltasse dinheiro para a Transnordestina, então, seria usado o fundo de programas e projetos prioritários. O recurso ficava à disposição do presidente da República, por meio do Planejamento. Ou eu pedi a autorização para o presidente, ou só eu autorizava.
O modelo de incentivo ao consumo, que sustentou a economia brasileira em um período de crise internacional, ainda funciona?
No livro "A Estratégia do Desenvolvimento Econômico", Albert Hirschman afirma: com o estímulo ao investimento e com o investimento acontecendo, são contratados empregados. Há renda nas mãos da população e da renda surge o consumo. E, se há consumo, há demanda por investimento, então o ciclo começa assim. Agora, se as cartas são jogadas no consumo, como está acontecendo, o investimento desaparece.
O incentivo deveria então ser para o investimento, e não para o consumo?
Sim.
Em uma situação de crise, uma política, por exemplo, de abatimento de IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados), não é necessária?
Em uma situação de crise, é feito o necessário. Mas o Brasil adotou um modelo baseado em estímulo ao consumo mesmo quando não havia crise.
O consumo atrai o investimento também. Tendo mais demanda, a produção tem que crescer para atender a essa demanda...
Se a política se concentra em consumo, a vaca vai para o brejo, porque o ciclo não fecha. Isso foi, exatamente, o que o Hirschman disse. Veja o título desse livro: "Solidão do Corredor de Longa Distância". Esqueça, por enquanto, a solidão. Corredor de longa distância. O desenvolvimento é uma corrida de longa distância. Não adianta ser o melhor corredor do mundo, se ele, com dez minutos, cair. Ele tem que ter capacidade de dar 20 voltas. Existe o corredor de longa distância e o de curta distância. Entre 1900 e 1980, o Brasil foi o país que mais cresceu. Só que, de 1980 a 2002, houve a geração que nunca viu o país crescer em termos de renda per capita. Ou seja, foi a época dos "pibinhos", dos voos de galinha. Aí entra o elemento da solidão. Tem coisas que só o corredor pode resolver.
O Brasil, hoje, está sem fôlego?
Perdemos o fôlego há muito tempo, nos anos 80, quando o crescimento foi inexpressivo.
Há, atualmente, uma política industrial?
Não há política de coisa nenhuma. Não há visão estratégica, que é o começo de tudo. É como o sujeito que não sabe para onde vai, onde quer chegar.
Isso torna a economia mais vulnerável?
Sem a visão estratégica, o governo se limita ao curto prazo. Não morre de fome, mas não é construída a casa, a estrada de ferro, não faz uma reforma.
Nesse contexto, a reforma política seria importante?
É o mais importante. Não precisamos de 28 partidos. Se tivermos cinco partidos que tenham compromisso com a política de desenvolvimento, a reforma, o ajuste fiscal permanente, com três ou quatro coisas fundamentais, como o controle da inflação... basta isso. Esse é o problema mais sério do Brasil, porque os outros aleijam, esse mata.
O sr. citou o problema fiscal como uma das prioridades de governo. Mas concorda também que é preciso gastar dinheiro público para incentivar as concessões. Como resolver essa equação?
Quem vai fazer o investimento é o setor privado.
Mas com o respaldo do governo, principalmente do BNDES...
O BNDES financia. Ele não doa. O que acontece é uma tentativa de realizar as concessões. Sei que estou chovendo no molhado, mas tiraram uma fonte de financiamento garantido, como tiraram os recursos do BNDES. O banco tinha 100% do PIS/Pasep. Na Constituição de 1988, inventaram que esse dinheiro teria que ser para o seguro-desemprego. De modo que o BNDES não tem mais aquela fonte garantida. Aí, todo mundo xinga a mãe do BNDES. O banco, às vezes, vai lá com o pires na mão e pede emprestado para o PIS/Pasep.
Como é possível retomar a estratégia do desenvolvimento?
A ideia é ter duas integrações. A primeira é uma maior inserção internacional. A segunda é uma integração dos pilares do desenvolvimento, ou seja, o setor industrial, o agronegócio e o setor de serviços - principalmente porque há um grande número de empresas de serviços que atendem à indústria. A indústria vai para um lado, os serviços vão para outro. Nosso agronegócio é muito bom, inclusive usa tecnologia de precisão. É o uso de ciências aeroespaciais. Mas temos que construir todo um complexo de serviços em torno da agricultura.
A falta disso explica a gangorra da produção industrial?
Em grande medida, sim, porque o Brasil deveria exportar muito mais.
Qual a sua previsão para a economia neste e no próximo ano?
Não faço previsão. Só os economistas acreditam em previsão.
A elevação dos juros terá impacto na expectativa de investimento dos empresários?
Elevação de juros sempre tem impacto. O que deveria subir é a taxa de câmbio, não a de juros, que é algo que você precisa para fazer essa inserção internacional.
Não há motivo, então, para o Banco Central ir ao mercado para sustentar o câmbio?
A taxa de câmbio era de R$ 3 em 2002. Hoje, estamos preocupados porque está em R$ 2,30.
E a elevação dos juros também não é necessária?
Por enquanto, não.
O Banco Central deve elevar os juros na próxima reunião...
Deve ser para se divertir.
Para concluir, a falta de uma estratégia industrial prejudica o crescimento?
Isso explica os seguidos "pibinhos" de 1%, que não satisfazem a ninguém, nem ao governo, nem aos empresários e nem ao povo que vai se manifestar nas ruas.
09 de setembro de 2013
Fernanda Nunes e Octávio Costa - Brasil Econômico
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