Incluímos Sócrates entre eles, porque em “O Evangelho segundo o Espiritismo”, o doutrinador francês Allan Kardec afirmou que a doutrina cristã “foi pressentida muitos séculos antes de Jesus e dos essênios, tendo por principais precursores Sócrates e Platão”. Essa questão realmente é fora de dúvida, diante dos registros feitos por dois discípulos, Platão e Xenofonte, a respeito da religiosidade e da espiritualidade de Sócrates.
SÓCRATES E DEUS – Em sua magnífica obra, Kardec resumiu os pontos de maior relevo do pensamento socrático, para mostrar que foram absorvidos pelo Cristianismo e depois pelo Espiritismo os princípios difundidos pelo filósofo ateniense 400 anos antes do nascimento de Jesus Cristo.
Em verdade, Sócrates era religioso, combatia o paganismo e o politeísmo. Além disso, acreditava no juízo final, conforme Xenofonte registrou na obra “Memoráveis”, ao reproduzir a seguinte frase do filósofo grego, quando condenado à morte: “Mas eis a hora de partimos, eu para morte, vós para a vida. Quem de nós segue o melhor rumo, ninguém o sabe, exceto Deus”.
“Se Sócrates e Platão pressentiram a ideia cristã, em seus escritos também se encontram os princípios fundamentais do Espiritismo”, escreveu Kardec, que citou em seu “Evangelho” os ensinamentos de Sócrates que Platão registrou em suas obras, especialmente em “Fédon” e “Apologia”, além de algumas outras citações feitas por Xenofonte.
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CONFIRA A DOUTRINA DE SÓCRATES E PLATÃO
Eis parte do resumo da doutrina de Sócrates e de Platão, na visão de Allan Kardec, pseudônimo do educador, escritor e tradutor francês Hippolyte Léon Denizard Rivail (1804/1869) que se notabilizou como codificador do Espiritismo (neologismo por ele criado), também denominado de Doutrina Espírita.
I. O homem é uma alma encarnada. Antes da sua encarnação, a alma existia unida aos tipos primordiais, às ideias do verdadeiro, do bem e do belo; separa-se deles, encarnando, e, recordando o seu passado, é mais ou menos atormentada pelo desejo de voltar a ele.
Segundo Kardec, nesse pensamento de Sócrates se desenha a base da crença na preexistência da alma, assim como o germe da chamada doutrina dos Anjos Caídos, no Cristianismo.
II. A alma se transvia e perturba, quando se serve do corpo para considerar qualquer objeto; tem vertigem, como se estivesse ébria, porque se prende a coisas que estão, por sua natureza, sujeitas a mudanças; ao passo que, quando contempla a sua própria essência, dirige-se para o que é puro, eterno, imortal, e, sendo ela desta natureza, permanece aí ligada, por tanto tempo quanto passa. Cessam então os seus transviamentos, pois está unida ao que é imutável, e a esse estado da alma é que se chama sabedoria.
Assim, como ensina o Espiritismo, dizia Kardec que Sócrates já destacava que, para se ter a posse da verdadeira sabedoria, seria preciso isolar do corpo a alma, para conseguir enxergar com os olhos do Espírito.
III. Enquanto tivermos o corpo e a alma mergulhados nessa corrupção, nunca possuiremos o objeto dos nossos desejos: a verdade. Com efeito, o corpo nos suscita mil obstáculos pela necessidade de cuidar dele. Ademais, ele nos enche de desejos, de apetites, de temores, de mil quimeras e de mil tolices, de maneira que pode se tornar impossível sermos ajuizados, sequer por um instante. Mas, se não nos é possível conhecer puramente coisa alguma, enquanto a alma está ligada ao corpo, de duas uma: ou jamais conheceremos a verdade, ou só a conheceremos após a morte. Libertos da loucura do corpo, então conversaremos – lícito é esperá-lo – com homens igualmente libertos e conheceremos, por nós mesmos, a essência das coisas. Essa a razão por que os verdadeiros filósofos aceitam morrer, pois a morte não se lhes afigura, de modo nenhum, temível.
Ainda segundo Kardec, este ensinamento de Sócrates traça o princípio das faculdades da alma que são obscurecidas pelos anseios do corpo, com a expansão dessas faculdades depois da morte.
IV. A alma impura, nesse estado, se encontra oprimida e se vê de novo arrastada para o mundo visível, pelo horror do que é invisível e imaterial. Erra, então, diz-se, em torno dos monumentos e dos túmulos, junto aos quais já se têm visto tenebrosos fantasmas, quais devem ser as imagens das almas que deixaram o corpo sem estarem ainda inteiramente puras, que ainda conservam alguma coisa da forma material, o que faz que a vista humana possa percebê-las. Não são as almas dos bons; porém, as dos maus, que se veem forçadas a vagar por esses lugares, onde arrastam consigo a pena do primeira vida que tiveram e onde continuam a vagar até que os apetites inerentes à forma material de que se revestiram as reconduzam a um corpo. Então, sem dúvida, retomam os mesmos costumes que durante a primeira vida constituíam objeto de suas predileções.
Dizia Kardec que não somente o princípio da reencarnação se acha claramente expresso neste pensamento de Sócrates, mas também o estado das almas que se mantêm sob o jugo da matéria é descrito tal qual o mostra o Espiritismo nas evocações.
V. Após a nossa morte, o daimon (espírito), que nos fora designado durante a vida, leva-nos a um lugar onde se reúnem todos os que têm de ser conduzidas ao Hades, para serem julgados. As almas, depois de haverem estado no Hades o tempo necessário, são reconduzidas a esta vida em múltiplos e longos períodos.
Na visão de Kardec, eis a doutrina dos Anjos Guardiães, ou Espíritos Protetores, e das reencarnações sucessivas, em seguida a intervalos mais ou menos longos de erraticidade.
VI. Os daimons ocupam o espaço que separa o céu da Terra; constituem o laço que une o Grande Todo a si mesmo. Não entrando nunca a divindade em comunicação direta com o homem, é por intermédio dos daimons que os deuses entram em contato e se entretêm com ele, quer durante a vigília, quer durante o sono.
Explicava Kardec que a palavra daimon, usada por Sócrates e da qual derivou o termo demônio, não designava exclusivamente seres malfazejos, mas todos os Espíritos, em geral, dentre os quais se destacavam os Espíritos superiores, chamados deuses, e os menos elevados, ou demônios propriamente ditos, que se comunicavam diretamente com os homens.
“Também o Espiritismo diz que os Espíritos povoam o espaço; que Deus só se comunica com os homens por intermédio dos Espíritos puros, que são os incumbidos de lhe transmitir as vontades; que os Espíritos se comunicam com eles durante a vigília e durante o sono. Ao invés da palavra demônio, se usarmos a palavra Espírito, teremos a doutrina espírita; se usarmos a palavra Anjo, teremos a doutrina cristã”, dizia Kardec.
VII. Se a alma é imaterial, tem de passar, após essa vida, a um mundo igualmente invisível e imaterial, do mesmo modo que o corpo, decompondo-se, volta à matéria. Muito importa, no entanto, distinguir bem a alma pura, verdadeiramente imaterial, que se alimente, como Deus, de ciência e pensamentos, da alma mais ou menos maculada de impurezas materiais, que a impedem de elevar-se para o divino e a retêm nos lugares da sua estada na Terra.
“Sócrates e Platão, como se vê, compreendiam perfeitamente os diferentes graus de desmaterialização das almas. Insistiam na diversidade de situações que resulta para elas da sua maior ou menor pureza. O que eles diziam, por intuição, o Espiritismo agora o prova”, assinalava Kardec.
VIII. Se a morte fosse a dissolução completa do homem, muito ganhariam com a morte os maus, pois se veriam livres, ao mesmo tempo, do corpo, da alma e dos vícios. Aquele que guarnecer a alma, não de ornatos estranhos, mas com os que lhe são próprios, só esse poderá aguardar tranquilamente a hora da sua partida para o outro mundo.
Para Kardec, essa citação de Sócrates equivale a dizer que o somente o homem que se despojou dos vícios e se enriqueceu de virtudes, pode esperar com tranquilidade o despertar na outra vida, como pregam o Cristianismo e o Espiritismo.
IX. O corpo conserva bem impressos os vestígios dos cuidados de que foi objeto e dos acidentes que sofreu. Dá-se o mesmo com a alma. Quando despida do corpo, ela guarda, evidentes, os traços do seu caráter, de suas afeições e as marcas que lhe deixaram todos os atos de sua visa. Assim, a maior desgraça que pode acontecer ao homem é ir para o outro mundo com a alma carregada de crimes.
“Deparamos aqui com outro ponto capital, confirmado hoje pela experiência – o de que a alma não depurada conserva as ideias, as tendências, o caráter e as paixões que teve na Terra. Não é inteiramente cristã esta máxima: Mais vale receber do que cometer uma injustiça?”, escreveu Kardec, sobre este pensamento de Sócrates.
E na introdução de sua principal obra, Allan Kardec segue analisando muitos outros pensamentos de Sócrates que inspiraram o Cristianismo e o Espiritismo.
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P.S. – O assunto é verdadeiramente intrigante. Amanhã voltaremos a ele, falando um pouco mais sobre os pensamentos de Sócrates acerca da reencarnação, tese adotada pelos espíritas e diversas religiões. (C.N.)
24 de dezembro de 2018
Carlos Newton
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