Comento daqui a pouco. Após mais de dois anos e meio de trabalho, a Comissão Nacional da Verdade (CNV), que investigou os abusos do regime militar, divulgou nesta quarta-feira seu relatório final. O material entregue à imprensa tem cerca de 1.400 páginas e contabiliza 434 mortos e desaparecidos, principalmente no regime iniciado […]
Por Reinaldo Azevedo
access_time11 fev 2017, 16h59 - Publicado em 10 dez 2014, 15h03more_horiz
Por Gabriel Castro, na VEJA.com. Comento daqui a pouco.
Após mais de dois anos e meio de trabalho, a Comissão Nacional da Verdade (CNV), que investigou os abusos do regime militar, divulgou nesta quarta-feira seu relatório final. O material entregue à imprensa tem cerca de 1.400 páginas e contabiliza 434 mortos e desaparecidos, principalmente no regime iniciado em 1964 e encerrado em 1985. A prática de execuções, ocultações de cadáver, estupros e torturas por parte de agentes do governo é detalhada. A comissão responsabiliza os cinco presidentes do período militar por violações de direitos humanos e pede que a Lei de Anistia seja deixada de lado para que agentes públicos da época possam ser punidos. Crimes cometidos por grupos de esquerda, contudo, são ignorados pelo texto – que assim omite uma parte da história daqueles anos cinzentos.
O coordenador da comissão, Pedro Dallari, entregou o relatório à Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), na sede da entidade, em Brasília. Representantes de familiares das vítimas, de sindicatos e de entidades como a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil estavam presentes. Em todos os discursos, surgiram apelos para que os responsáveis pelos abusos sejam punidos apesar da Lei de Anistia. O presidente da OAB, Marcus Vinícius Coêlho, prometeu que a entidade vai “perseguir a responsabilização dos agentes do Estado que perpetraram crimes de lesa-humanidade”.
Durante a cerimônia, os membros da comissão foram constrangidos por um imprevisto: Joel Câmara, que afirma ter sido militante da Vanguarda Leninista em Pernambuco, subiu ao púlpito sem ser convidado e pediu que a comissão investigasse também os crimes cometidos por terroristas de esquerda. Ele foi vaiado e obrigado a deixar o auditório.
O relatório conclui que as violações aos direitos humanos eram uma prática sistemática durante a ditadura. “Ao debruçar-se sobre as graves violações de direitos humanos praticadas entre 1946 e 1988, a CNV não se deparou com atos isolados, mas, no curso do regime militar, com pratica disseminada em larga escala”, afirma. Entre as vítimas, está a presidente Dilma Rousseff – que, em depoimento à comissão, relatou ter sido colocada em um pau de arara.
Dilma recebeu o relatório na manhã desta quarta-feira. Ela parabenizou os integrantes do órgão pelo trabalho – e voltou a afirmar que as investigações não se tratam de “revanchismo”. Dilma afirmou que, da mesma forma que reverencia os que lutaram pela democracia, o país “reconhece e valoriza os pactos políticos que nos levaram à redemocratização”. “A verdade não significa a busca de revanche. A verdade não precisa ser motivo para ódio ou acerto de contas”, disse. “A verdade produz consciência, aprendizado, conhecimento e respeito”, afirmou. “A verdade significa, acima de tudo, a oportunidade de apaziguar cada indivíduo consigo mesmo e um povo com a sua história”, prosseguiu. “A verdade é uma homenagem a um Brasil que já trilha três décadas de um caminho democrático. E que lutaremos sempre e mais pata que assim persista”, finalizou.
Responsabilidades
O documento apresenta 377 nomes de figuras que, de acordo com a comissão, são responsáveis pelos crimes da ditadura, em sua concepção política ou na execução direta. Na lista estão os cinco presidentes militares, os ministros da Marinha, do Exército e da Aeronáutica do período e figuras poderosas como Golbery do Couto e Silva, que foi chefe do Serviço Nacional de Informações (SNI), assim como comandantes dos serviços reservados militares e de batalhões. Há ainda delegados de Polícia Civil, suboficiais e praças, médicos e legistas a quem se atribuiu a responsabilidade direta na autoria dos crimes. Este grupo soma ao menos 240 pessoas.
É a primeira vez que um órgão oficial responsabiliza os ditadores do período militar. “No âmbito de cadeias de comando solidamente estruturadas, esses agentes estiveram ordenados em escalões sucessivos, por vínculo de autoridade, até o comando máximo da Presidência da Republica e dos ministérios militares. É possível afirmar, desse modo, que as ações que resultaram em graves violações de direitos humanos estiveram sempre sob monitoramento e controle por parte dos dirigentes máximos do regime militar”, afirmam os integrantes da comissão.
Anistia
A CNV justifica a defesa da revogação da anistia aos 377 apontados com base em jurisprudências de cortes internacionais como a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), ligada à Organização dos Estados Americanos (OEA), que rejeita as disposições da legislação de auto-anistia em vigor no Brasil. Promulgada em 1979, a Lei da Anistia perdoou crimes políticos cometidos por militares e civis – ou seja, por agentes da ditadura e por guerrilheiros – durante o período de setembro de 1961 a agosto de 1979. A lei também restabeleceu os direitos políticos suspensos durante a ditadura militar e permitiu o retorno dos exilados. Em decisão de 2010, o Supremo rejeitou uma ação da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) que pedia a revisão do texto.
”A extensão da anistia a agentes públicos que deram causa a detenções ilegais e arbitrárias, tortura, execuções, desaparecimentos forçados e ocultação de cadáveres é incompatível com o direito brasileiro e a ordem jurídica internacional, pois tais ilícitos, dadas a escala e a sistematicidade com que foram cometidos, constituem crimes contra a humanidade, imprescritíveis e não passiveis de anistia”, escrevem.
A CNV faz, contudo, uma ilação difícil de comprovar: a de que a anistia tem relação causal com violações, prisões arbitrárias, torturas e mortes ainda hoje cometidas no país.
Recomendações
A primeira das 29 recomendações da CNV é que as Forças Armadas reconheçam, institucionalmente, a responsabilidade pelos crimes na ditadura militar. Também desejam a desmilitarização das PMs, a revogação da Lei de Segurança Nacional e a proibição de comemorações oficiais do Golpe de 1964. A comissão sugere que o governo federal cobre dos torturadores, na Justiça, o ressarcimento de indenizações pagas a familiares e vítimas de perseguição política praticada por agentes públicos. E recomenda que seja criado um órgão permanente para dar seguimento aos trabalhos iniciados.
A comissão indicou no texto 230 instalações usadas para tortura, prisões de inimigos do regime – 25 delas, unidades policiais ou militares. O relatório final também lista locais cedidos por civis usados como cativeiros e centros clandestinos de tortura e repressão, a exemplo da Casa da Morte, casarão em Petrópolis, Região Serrana do Rio de Janeiro. Esses espaços funcionavam como uma estrutura paralela às unidades militares e policiais, e até navios-prisões, onde ocorreram violações.
Os trabalhos da comissão foram iniciados em março de 2012. O grupo colheu 1.116 depoimentos, dos quais 633 se deram a portas fechadas. Em sua composição final, a CNV tinha como membros o ex-ministro da Justiça José Carlos Dias, a psicanalista Maria Rita Kehl, o embaixador Paulo Sérgio Pinheiro e os juristas Pedro Dallari, Rosa Maria da Cunha e José Paulo Cavalcanti Filho. O ex-ministro do STJ Gilson Dipp participou da formação inicial, mas afastou-se por motivos de saúde. O ex-procurador da República Claudio Fonteles pediu afastamento da comissão no ano passado por divergências com o grupo.
Instalada em 2012 para apurar “graves violações de direitos humanos entre 1946 e 1988”, a Comissão Nacional da Verdade concentrou-se no período do regime militar, de 1964 a 1985. Apesar de a presidente Dilma Rousseff ter declarado que a CNV não era movida por “ódio”, “revanchismo” ou “desejo de reescrever a história”, fica claro que inclinações ideológicas pesaram na seleção de quais episódios seriam objeto de investigação. Embora o texto da lei que criou a CNV sugerisse que todas as violações deveriam ser apuradas, tanto as cometidas por militares quanto as cometidas por grupos de extrema esquerda, os casos protagonizados pelos grupos guerrilheiros foram deixados de lado.
Guerrilhas
?Os assassinatos, atentados, sequestros e assaltos promovidos por grupos guerrilheiros de esquerda são ignorados. Dessa forma, líderes democráticos, cidadãos comuns e integrantes de grupos armados são tratados da mesma forma, apesar de uns terem lutado pela democracia e outros desejarem também uma ditadura – muito embora, comunista. Assim, o Grupo dos Onze, entidade liderada por Leonel Brizola e que planejava ataques violentos ainda antes do golpe, é chamado apenas de “um esforço de organização e mobilização popular”. Outras entidades que faziam uso da violência, como a Aliança Libertadora Nacional (ALN) e o VAR-Palmares, são chamadas apenas de “organizações políticas”.
Eufemismos como esses não deveriam ter lugar no documento de uma comissão instituída, por batismo, para buscar a verdade. Isso em nada enfraqueceria ou relativizaria as informações acumuladas nas muitas páginas do relatório. Ao relembrar o Golpe de 64 às vésperas de seus cinquenta anos, VEJA observou: “No regime de 64, os radicais, sob o apoio ou o silêncio de comandantes militares, endureceram o regime a ponto de implantar o terrorismo de Estado para combater o terrorismo de esquerda. Explodiram bombas e colocaram presos no pau de arara. (…) A força bruta descarnou o regime. Até hoje, meio século depois do golpe, num Brasil em quase tudo diferente do de 1964, os comandantes militares não admitem que ‘fugitivos’, ‘desaparecidos’ e ‘suicidas’ foram, na verdade, assassinados. Sendo uma instituição baseada na ética, na honra e na lealdade, as Forças Armadas ainda precisam reconhecer para a sociedade que esse passado é condenado também pelos militares.”
14 de maio de 2018
Por Gabriel Castro, na VEJA.com.
reinaldo azevedo
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