Inflação baixa, reservas internacionais altas e déficit externo confortável indicam que são baixos os riscos de contágio da crise argentina por aqui
Até recentemente, as crises na Argentina repercutiam no Brasil. Os mercados financeiros chamam isso de contágio, mas se falava em “efeito Orloff””. Um comercial de TV de uma vodca exibia um homem sóbrio que dizia: “eu sou você amanhã” (sem ressaca no dia seguinte), mas uma Argentina bêbada pressagiava um Brasil trôpego depois.
Naqueles tempos, a Argentina e o Brasil padeciam dos mesmos problemas: inflação alta, déficit público elevado, desequilíbrio no balanço de pagamentos e escassas reservas internacionais. Logo, uma crise de confiança se reproduzia imediatamente por aqui.
A situação mudou. A Argentina voltou a ter os mesmos problemas. Maurício Macri herdou uma economia em pior estado do que a recebida por Michel Temer. A inflação passa de 25%; o déficit em conta-corrente do balanço de pagamentos é de 5% do PIB. No Brasil a inflação é baixa: menos de 3% em doze meses. O déficit em conta-corrente é 0,5% do PIB. As reservas internacionais estão em US$ 382 bilhões. Não há contágio.
A Argentina precisava de uma terapia de choque, mas Macri preferiu o gradualismo. A estratégia deu certo enquanto a taxa anual de juros americana era baixa. Agora, os sinais são de alta: já atingiu 3%, depois de anos abaixo de 1%. As aplicações em títulos públicos americanos, os mais seguros do mundo, ficam mais atrativas. Nesse contexto, presta-se mais atenção aos fundamentos dos mercados emergentes.
Foi o que aconteceu com a Argentina. Percebeu-se que havia riscos de descontrole inflacionário e de uma insolvência externa, que pioraram com a seca que reduziu substancialmente as exportações de soja.
Como sempre acontece nesses casos, os mercados azedaram subitamente. Saídas de capital agravaram os riscos externos, que provocaram novas saídas de capital e assim por diante. A taxa de câmbio subiu muito, aumentando os riscos inflacionários. Para enfrentar a situação, o Banco Central aumentou a taxa básica anual de juros para mais de 30%.
A Argentina gastou US$ 5 bilhões de reservas, mas adiantou pouco. Os investidores sabem que o país não tem muito poder de fogo. As reservas baixaram para as proximidades dos US$ 30 bilhões. A saída foi recorrer ao FMI, o qual foi criado exatamente para socorrer países a braços com crises cambiais.
O apoio do FMI pode estancar a crise, mas exigirá um duro programa para atacar os desequilíbrios da economia. Como nossos vizinhos odeiam o FMI mais do que os brasileiros, Macri pode perder popularidade, inclusive pelos efeitos da austeridade fiscal e dos juros altos na atividade econômica e no emprego.
Macri corre o risco de não se reeleger em 2019. Antes de curar seus problemas, os argentinos podem ter que enfrentar as incertezas de uma eleição presidencial e os riscos de retorno de Cristina Kirchner ao poder. Nesse campo, o “efeito Orloff” se inverte. Torçamos para não haver uma ressaca nem lá nem aqui.
15 de maio de 2018
Mailson da Nóbrega, VEJA
Até recentemente, as crises na Argentina repercutiam no Brasil. Os mercados financeiros chamam isso de contágio, mas se falava em “efeito Orloff””. Um comercial de TV de uma vodca exibia um homem sóbrio que dizia: “eu sou você amanhã” (sem ressaca no dia seguinte), mas uma Argentina bêbada pressagiava um Brasil trôpego depois.
Naqueles tempos, a Argentina e o Brasil padeciam dos mesmos problemas: inflação alta, déficit público elevado, desequilíbrio no balanço de pagamentos e escassas reservas internacionais. Logo, uma crise de confiança se reproduzia imediatamente por aqui.
A situação mudou. A Argentina voltou a ter os mesmos problemas. Maurício Macri herdou uma economia em pior estado do que a recebida por Michel Temer. A inflação passa de 25%; o déficit em conta-corrente do balanço de pagamentos é de 5% do PIB. No Brasil a inflação é baixa: menos de 3% em doze meses. O déficit em conta-corrente é 0,5% do PIB. As reservas internacionais estão em US$ 382 bilhões. Não há contágio.
A Argentina precisava de uma terapia de choque, mas Macri preferiu o gradualismo. A estratégia deu certo enquanto a taxa anual de juros americana era baixa. Agora, os sinais são de alta: já atingiu 3%, depois de anos abaixo de 1%. As aplicações em títulos públicos americanos, os mais seguros do mundo, ficam mais atrativas. Nesse contexto, presta-se mais atenção aos fundamentos dos mercados emergentes.
Foi o que aconteceu com a Argentina. Percebeu-se que havia riscos de descontrole inflacionário e de uma insolvência externa, que pioraram com a seca que reduziu substancialmente as exportações de soja.
Como sempre acontece nesses casos, os mercados azedaram subitamente. Saídas de capital agravaram os riscos externos, que provocaram novas saídas de capital e assim por diante. A taxa de câmbio subiu muito, aumentando os riscos inflacionários. Para enfrentar a situação, o Banco Central aumentou a taxa básica anual de juros para mais de 30%.
A Argentina gastou US$ 5 bilhões de reservas, mas adiantou pouco. Os investidores sabem que o país não tem muito poder de fogo. As reservas baixaram para as proximidades dos US$ 30 bilhões. A saída foi recorrer ao FMI, o qual foi criado exatamente para socorrer países a braços com crises cambiais.
O apoio do FMI pode estancar a crise, mas exigirá um duro programa para atacar os desequilíbrios da economia. Como nossos vizinhos odeiam o FMI mais do que os brasileiros, Macri pode perder popularidade, inclusive pelos efeitos da austeridade fiscal e dos juros altos na atividade econômica e no emprego.
Macri corre o risco de não se reeleger em 2019. Antes de curar seus problemas, os argentinos podem ter que enfrentar as incertezas de uma eleição presidencial e os riscos de retorno de Cristina Kirchner ao poder. Nesse campo, o “efeito Orloff” se inverte. Torçamos para não haver uma ressaca nem lá nem aqui.
15 de maio de 2018
Mailson da Nóbrega, VEJA
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