A OCDE estima que a digitalização da economia reduza entre US$ 100 bilhões e US$ 240 bilhões a arrecadação global
Na Tailândia, um turista alemão usa os serviços de uma rede social dos Estados Unidos para compartilhar fotos das férias. No Brasil, itens de beleza sul-coreanos podem ser adquiridos num site chinês de vendas online. E, na França, um apartamento é alugado num aplicativo por casal de australianos em lua de mel.
Atividades comerciais pela internet seguem ritmo avassalador. Movimentam no mundo cerca de US$ 3 trilhões anuais e carregam tanto oportunidades quanto novos problemas.
Alguns desses problemas são fonte de preocupação de quem está à frente das finanças das principais economias do planeta. Desde 2012, a pedido dos países-membros do G 20 (grupo dos 20 mais poderosos países do mundo), a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) acompanha os efeitos da grande expansão dos serviços acoplados à digitalização pelo seu efeito devastador sobre a arrecadação de tributos. É fator que também vem transferindo empresas e lucros para paraísos fiscais e países com baixa carga tributária. A estimativa é de que esse fator reduza entre US$ 100 bilhões e US$ 240 bilhões a arrecadação global.
A versão mais recente do levantamento da OCDE deixa claro que o mundo em que os sistemas tributários ainda vigentes foram concebidos não existe mais e que é preciso encontrar novas formas de tributar as transações que já não obedecem mais às barreiras geográficas. Possíveis soluções, no entanto, só devem ser propostas em 2020, quando sairá o relatório final sobre o assunto.
De modo geral, as legislações fiscais em vigor têm por base três elementos de localização: a dos beneficiários, a dos fornecedores ou a de um bem imóvel. Mas esses elementos ficam difusos no ambiente digital, observa Rodrigo Brunelli, sócio do escritório Ulhoa Cantos Advogados e mestre em Direito Tributário Internacional pela Universidade de Leiden, Holanda. Exemplo: a Amazon, gigante de vendas online, mantém negócios em toda a Europa, mas sua sede regional está no pequeno Luxemburgo, onde as alíquotas são mais baixas do que nos países vizinhos.
Para enfrentar a fuga de receitas, a Comissão Europeia propôs que os países-membros tributem em 3% as receitas de empresas digitais que atuam em seus territórios, o que poderia gerar arrecadação de € 500 milhões por ano. As empresas a serem tributadas precisam ter receitas anuais globais de €750 milhões. Para ter ideia das proporções, somente em 2017, o Facebook registrou na Europa receitas da ordem de €32,5 bilhões.
A proposta é de que o imposto vigore apenas temporariamente até que seja encontrada a forma ideal de tributação. Ainda assim, a ideia traz mais problemas do que soluções. Além de ser abusivo, na medida em que tributaria receitas e não o lucro, ignora que a digitalização se estende a empresas tradicionais, nascidas no ambiente convencional, mas também atuantes no mundo virtual, como a Walmart. Como separar as coisas?
A preocupação não é só europeia. Pelo Twitter, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, tem mandado recados de que pretende apertar o cerco à Amazon, porque “paga pouco ou nenhum imposto” e provoca perdas ao correio nacional de US$ 1,50 a cada entrega.
Pesquisadora da Universidade de Oxford e professora da Universidade de Leeds, a especialista em tributação Rita de la Feria adverte que o problema vai bem além de Facebook, Spotify ou Alibaba. Atinge todo o sistema de arrecadação, nos âmbitos da renda, do trabalho e do consumo.
No âmbito do trabalho, as plataformas digitais, como Uber e Airbnb, se expandem e estimulam profissionais a migrarem para atividades “por conta própria”. A consultoria McKinsey reporta, por exemplo, que na Espanha os freelancers digitais são hoje 25% da força de trabalho. Ou seja, um quarto dos trabalhadores paga contribuição laboral baixa ou nula.
No caso do consumo, o problema é ainda maior, na medida em que essa é a principal fonte de receita de muitos países. Como tributar compras e vendas realizadas a partir de qualquer ponto cardeal, sem possibilidade de localização do vendedor, ou quando pago com criptomoedas, cujo movimento não identifica as partes?
Só haverá tributação quando realizada a importação? E quando o produto for um software: como definir onde o valor é gerado e como medi-lo para efeito de cálculo da base tributária?
A solução segue distante e esse buraco negro produz consequências: “Sem arrecadação, os serviços públicos e a estabilidade social ficam ameaçados”, avisa Rita de la Feria.
18 de abril de 2018
Celso Ming, Estadão
Nenhum comentário:
Postar um comentário