O fortalecimento do Ministério Público nos últimos anos, gerado pela Constituição de 1988, que já provocara controvérsias em situações pontuais como a atuação dos procuradores Luiz Francisco Fernandes de Souza durante o governo Fernando Henrique, considerado um petista disposto a encontrar crimes no governo tucano, e José Roberto Figueiredo Santoro, ligado ao senador José Serra e tido como um tucano de carteirinha, vem ganhando destaque a partir de uma ação mais estruturada do órgão, explicitada de maneira vigorosa a partir do processo do mensalão.
Há um grupo de ministros no Supremo, capitaneados pelo ministro Gilmar Mendes, que se incomoda com esse empoderamento e vê nele o germe de um estado policial. O choque prossegue com a visão do Direito que vem sendo adotada por outros colegas seus, que se permitem interpretar a Constituição, às vezes para alargar seu alcance.
MENSALÃO – O ex-presidente do Supremo, Ayres Brito, acha que o ponto de inflexão foi o julgamento do mensalão, que ele presidiu. A partir dali teria sido aberto um caminho para concretizar a máxima de que todos são iguais perante a lei.
O ex-presidente do Supremo tem uma visão otimista do futuro do país, garantindo que é possível encontrar-se no texto constitucional a solução para todos os problemas que afligem nossa democracia. Um exemplo de como a interpretação da Constituição pode levar a soluções criativas foi a proibição do nepotismo. O ideal é que houvesse uma lei que proibisse a nomeação de parentes até o terceiro grau para cargo em comissão nos Três Poderes.
Na falta da lei, o ministro Ayres Brito interpretou a Constituição para dizer que os princípios da moralidade administrativa e da impessoalidade, que estão na Constituição, impedem o nepotismo. É uma visão que utiliza um pouco mais os princípios constitucionais para produzir os resultados que a sociedade demanda.
HÁ CONTROVÉRSIAS – Os que são contrários a essa visão consideram que os procuradores de Curitiba e o Juiz Sérgio Moro estão se excedendo, precisam ser contidos, e o lugar ideal para contê-los é o Supremo Tribunal Federal. E que a interpretação constitucional leva a soluções ilegítimas e transformam o Supremo em legislador, papel que é do Congresso.
Alegam eles que os direitos individuais dos cidadãos dependem da manutenção dessas proteções jurídicas que hoje estariam sendo ultrapassadas pela ação da Operação Lava Jato em seus diversos aspectos. Há outra disputa mais política, que não tem a ver com partidos, mas com um aliança tácita de grupos sociais.
Quando a Operação Lava Jato começou a atingir indiscriminadamente todos os partidos, houve uma reação dos políticos do centro-direita como PSDB, MDB, PP, e outros partidos menores que começaram a tentar se resguardar de possíveis penalizações. E ministros do Supremo como Gilmar Mendes viram nesse avanço da Lava Jato uma criminalização da política.
VISÕES OPOSTAS – Esse embate de visões opostas, num momento em que o país vive situação anômala que tanto pode levá-lo a uma refundação como a uma crise ainda mais profunda, faz com que queiram mudar a maneira de investigar da Lava Jato, como o Juiz Sérgio Moro interpreta a Constituição, como os procuradores de Curitiba perseguem agressivamente os que cometeram crimes de corrupção.
O ministro Gilmar Mendes chegou a se exaltar na semana passada dizendo que ninguém poderia lhe dar lições de combate à corrupção. Mas suas atitudes garantistas, além da explícita amizade com o presidente Michel Temer e com caciques políticos, o tornaram um dos ministros preferidos do PT, no momento em que os interesses confluem.
Essa preferência existe à sua revelia, diga-se de passagem. Recentemente ele criticou o PT, dizendo que o partido está sendo vítima de sua própria obra, ao ter feito, entre outras coisas, más indicações para o Supremo.
CRÍTICAS AOS MINISTROS – “Foram péssimas indicações para o Supremo. Pessoas que não tinham formação, não tinham pedigree. Privilegiou-se a escolha de pessoas ligadas aos movimentos LGBT, ao MST, de causas, de grupo afro, sem respeitar a institucionalização do País”.
Referências que podem ser vistas como indiretas em direção aos ministros Edson Fachin, acusado de ser ligado a movimentos sociais, especialmente ao MST; ao ministro Luis Roberto Barroso, que aprovou como advogado as uniões homoafetivas e o aborto de anencéfalos, e a Joaquim Barbosa, ex-presidente do Supremo hoje pré-candidato do PSB à presidência da República.
16 de abril de 2018
Merval Pereira
O Globo
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