"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

quarta-feira, 24 de janeiro de 2018

LULA, 2a. INSTÂNCIA

A esta altura dos acontecimentos, seria ingenuidade pedir equilíbrio, comedimento ou tolerância aos grupos mobilizados em torno do julgamento do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região, em Porto Alegre.

Ainda que natural em alguma medida, dadas as dimensões do personagem, a politização do processo rompeu os limites do razoável –com o impulso decisivo do próprio réu, claro, mas não só dele.

Sentenciado em primeira instância a nove anos e seis meses de prisão, por corrupção e lavagem de dinheiro, Lula tem todo o direito de se dizer inocente e criticar a decisão da Justiça. Sua pregação, porém, é de outra natureza.

O líder petista, que misturou a defesa de sua biografia e a pretensão de candidatar-se novamente à Presidência, insufla a militância com a tese tresloucada de que é vítima de uma conspiração tramada pelas instituições jurídico-policiais e pela imprensa.

Aliados equiparam a eventual inelegibilidade a um "golpe", associando-a, por meio do surrado artifício retórico, ao impeachment de Dilma Rousseff. Chega-se, assim, à antessala da incitação ao confronto –e a cúpula do PT, a começar pela presidente da sigla, não mostra preocupação em evitar o tom beligerante.

Do lado oposto, há decerto um sentimento antilulista, por vezes radicalizado, que se fortaleceu nos anos de desastre econômico e investigações da Lava Jato.

Ademais, ampla parcela da opinião pública, movida por justa indignação com os desmandos, pede punições severas e imediatas aos políticos sob suspeita, nem sempre com a devida atenção a trâmites jurídicos e garantias legais.

Seja qual for a decisão do TRF-4, resta esperar que o tempo depure o evento da dramaticidade hoje exacerbada. Não está em jogo a democracia do país, como querem uns, nem o combate à corrupção na política, como temem outros.

A ação referente ao famigerado apartamento em Guarujá envolve, sem dúvida, boa dose de complexidade na interpretação das provas colhidas. O processo, não por acaso, passa por um segundo exame, que não será o último.

Se as somas do caso não parecem vultosas diante dos desvios bilionários na Petrobras, o ex-presidente tampouco encena com credibilidade o papel de vítima. Sobram evidências de que suas relações com as grandes empreiteiras feriram, na hipótese mais branda, a ética republicana.

Ainda mais inegável é o gigantesco esquema criminoso que operou em seu governo –e desafia a credulidade imaginar que tudo se passava sem o conhecimento do chefe do partido e do Executivo.

Réu em outra meia dúzia de ações, Lula conta com a intenção de voto de um terço dos eleitores, o que o torna, absolvido ou não, ator central na disputa pelo Planalto. Nem isso nem a preferência dos que querem vê-lo preso afetam, porém, a legitimidade da sentença que se aguarda nesta quarta (24).


24 de janeiro de 2018
Editorial O Estadão

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