Na coluna da semana passada, tratei dos custos da corrupção. Afirmei que combatê-la não tem potencial para fazer aparecer no caixa do Tesouro Nacional R$ 200 bilhões por ano, como tem sido divulgado. Terminei a coluna afirmando que a ligação mais forte entre receita do governo e corrupção é indireta, por meio do desestímulo da corrupção ao crescimento econômico e deste para o caixa do Tesouro.
Exemplifiquei com o caso da Petrobras. Dos R$ 44 bilhões de perdas documentadas com a construção das refinarias Abreu e Lima e Comperj, somente R$ 6 bilhões deviam-se à corrupção.
Diversos leitores apontaram que os R$ 38 bilhões restantes precisavam ser contabilizados também como custo da corrupção. Segundo esses leitores, seria muita ingenuidade minha atribuir esse desperdício "à incompetência pura e simples e problemas de gestão do Estado". Esses projetos foram desenhados com o objetivo de gerar oportunidade para corrupção.
O argumento dos leitores faz sentido. É possível que o desenho desses e outros projetos tivessem como objetivo aumentar as oportunidades de corrupção.
De fato, diversos autores que investigaram as atividades caçadoras de renda, "rent seeking", em inglês, notaram que as perdas que elas produzem são bem superiores à transferência de renda que promovem. No nosso exemplo, os R$ 38 bilhões ante os R$ 6 bilhões.
Atividades caçadoras de renda são atividades que geram ganho privado sem gerar nenhum ganho para a sociedade. Representam somente uma transferência de uns para outros sem justificativa econômica ou social.
Roubo, corrupção e excesso de burocracia (criar dificuldades para vender facilidades) são exemplos típicos.
Os estudiosos das atividades "rent seeking" notaram que, apesar de ser muito mais eficiente entregar R$ 6 bilhões diretamente aos corruptos, sem precisar executar a obra e perder os outros R$ 38 bilhões, não é possível implementar essa solução. A sociedade simplesmente não a aceita. O roubo fica explícito. Assim ele precisa ocorrer de forma disfarçada.
E o custo aumenta muito.
Concordando com meus leitores, portanto, é possível colocar na conta da corrupção os R$ 38 bilhões. Se fosse possível eliminar a corrupção, não haveria a transferência dos R$ 6 bilhões aos corruptos e a obra não seria executada -portanto, não ocorreria a má alocação de recursos produtivos, que custou R$ 38 bilhões.
No entanto, se não houvesse a corrupção, os R$ 38 bilhões não apareceriam imediatamente no caixa do Tesouro Nacional. A Petrobras empregaria esses recursos para fazer bons investimentos.
Ao longo do tempo, os investimentos maturariam e, em vez de eles se transformarem em baixas contábeis, como foi o caso, produziriam maiores lucros para a empresa. Lucros maiores geram maiores dividendos distribuídos aos acionistas da Petrobras, entre eles, evidentemente, o Tesouro Nacional.
Ou seja, o custo social da corrupção é superior ao seu impacto direto sobre o caixa do Tesouro Nacional. O maior impacto da corrupção é o seu efeito sobre a má alocação dos recursos produtivos da economia, e não seu efeito direto na arrecadação de impostos.
28 de janeiro de 2018
Samuel Pessoa, Folha de SP
Exemplifiquei com o caso da Petrobras. Dos R$ 44 bilhões de perdas documentadas com a construção das refinarias Abreu e Lima e Comperj, somente R$ 6 bilhões deviam-se à corrupção.
Diversos leitores apontaram que os R$ 38 bilhões restantes precisavam ser contabilizados também como custo da corrupção. Segundo esses leitores, seria muita ingenuidade minha atribuir esse desperdício "à incompetência pura e simples e problemas de gestão do Estado". Esses projetos foram desenhados com o objetivo de gerar oportunidade para corrupção.
O argumento dos leitores faz sentido. É possível que o desenho desses e outros projetos tivessem como objetivo aumentar as oportunidades de corrupção.
De fato, diversos autores que investigaram as atividades caçadoras de renda, "rent seeking", em inglês, notaram que as perdas que elas produzem são bem superiores à transferência de renda que promovem. No nosso exemplo, os R$ 38 bilhões ante os R$ 6 bilhões.
Atividades caçadoras de renda são atividades que geram ganho privado sem gerar nenhum ganho para a sociedade. Representam somente uma transferência de uns para outros sem justificativa econômica ou social.
Roubo, corrupção e excesso de burocracia (criar dificuldades para vender facilidades) são exemplos típicos.
Os estudiosos das atividades "rent seeking" notaram que, apesar de ser muito mais eficiente entregar R$ 6 bilhões diretamente aos corruptos, sem precisar executar a obra e perder os outros R$ 38 bilhões, não é possível implementar essa solução. A sociedade simplesmente não a aceita. O roubo fica explícito. Assim ele precisa ocorrer de forma disfarçada.
E o custo aumenta muito.
Concordando com meus leitores, portanto, é possível colocar na conta da corrupção os R$ 38 bilhões. Se fosse possível eliminar a corrupção, não haveria a transferência dos R$ 6 bilhões aos corruptos e a obra não seria executada -portanto, não ocorreria a má alocação de recursos produtivos, que custou R$ 38 bilhões.
No entanto, se não houvesse a corrupção, os R$ 38 bilhões não apareceriam imediatamente no caixa do Tesouro Nacional. A Petrobras empregaria esses recursos para fazer bons investimentos.
Ao longo do tempo, os investimentos maturariam e, em vez de eles se transformarem em baixas contábeis, como foi o caso, produziriam maiores lucros para a empresa. Lucros maiores geram maiores dividendos distribuídos aos acionistas da Petrobras, entre eles, evidentemente, o Tesouro Nacional.
Ou seja, o custo social da corrupção é superior ao seu impacto direto sobre o caixa do Tesouro Nacional. O maior impacto da corrupção é o seu efeito sobre a má alocação dos recursos produtivos da economia, e não seu efeito direto na arrecadação de impostos.
28 de janeiro de 2018
Samuel Pessoa, Folha de SP
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