As garantias e vantagens salariais e previdenciárias do funcionalismo público tornam impossível o ajuste das despesas dos Estados à rápida queda das receitas
A profunda crise em que o País foi lançado pela irresponsável política econômica e fiscal do governo Dilma Rousseff corroeu as receitas tributárias, mas a perda de arrecadação é apenas um dos fatores que levaram as contas dos Estados a passar de superávits nominais de R$ 16 bilhões em 2015 para um rombo de R$ 60 bilhões no ano passado. O que se conclui do levantamento feito a pedido do Estado pelo economista Raul Velloso, um dos mais respeitados especialistas em finanças do setor público, é que, em tempos de crise, as garantias e vantagens salariais e previdenciárias do funcionalismo público tornam impossível o ajuste das despesas à rápida queda das receitas.
Os gastos com o sistema previdenciário dos Estados, as despesas obrigatórias definidas pela legislação e os custos da folha de pessoal tornam o atual regime fiscal insustentável ao longo do tempo. Nesse regime, os gastos crescem sempre, independentemente da situação econômica do País, enquanto a receita – quando não há aumento deliberado da carga tributária – está condicionada à evolução da produção, da renda e do consumo.
Para mostrar o que aconteceu nos Estados, Velloso se baseou em dados do Tesouro Nacional. De 22 unidades da Federação cujas contas puderam ser comparadas, apenas 5 melhoraram seus resultados fiscais desde 2015. São os Estados de Alagoas, Paraná, Ceará, Maranhão e Piauí. A situação de São Paulo manteve-se praticamente a mesma no período. Em todos os demais Estados o desequilíbrio financeiro se acentuou.
Afetado por greves, inclusive de policiais – o que resultou em onda de violência no final do ano passado –, e protestos de servidores que não recebem os vencimentos em dia, o Rio Grande do Norte foi o Estado em que o quadro fiscal se agravou mais nos últimos três anos. De um superávit de R$ 4 bilhões que alcançou entre 2011 e 2014, o governo do Rio Grande do Norte passou a enfrentar sérias dificuldades financeiras, cujo resultado é um déficit de R$ 2,8 bilhões acumulado de 2015 a 2017 (até outubro).
Para comparar a evolução da situação fiscal dos Estados sem a distorção que poderia decorrer da disparidade dos valores de receitas e despesas entre eles, o economista Raul Velloso utilizou a relação entre déficit (ou superávit) e receita líquida. Para o Rio Grande do Norte, essa relação passou de 8,3 para -9,1 entre 2015 e 2017. Ou seja, a variação foi de -17,4 pontos no período, a pior de todas as unidades da Federação cujas contas puderam ser comparadas.
O que mais preocupa é o fato de que “há uma fila de Estados prontos para passarem por uma crise aguda (como a do Rio Grande do Norte)”, como disse ao Estado o consultor de Orçamento da Câmara dos Deputados Leonardo Rolim. Cite-se, por exemplo, o caso do Rio de Janeiro, cujo governo, como o do Rio Grande do Norte, viu-se obrigado a atrasar salários por falta de recursos em caixa. A lista é formada ainda por Minas Gerais, Goiás, Pernambuco e Sergipe, que estão entre os mal avaliados pelo Tesouro Nacional quanto à capacidade de pagamento.
Em todos eles, e também nos que não apresentam quadro fiscal tão preocupante, uma das principais fontes de desequilíbrio, talvez a principal, é a folha de pagamentos. De um lado, o custo do pessoal tem grande resistência a cortes, em razão das garantias de que dispõem os servidores e da relutância dos dirigentes políticos em reduzir o número de funcionários. De outro, está sujeito a constante crescimento, em razão de aumentos espontâneos ou de incorporação automática de vantagens aos vencimentos.
Além disso, o sistema previdenciário do setor público gera um número crescente de aposentados, em razão do envelhecimento da população, sem que o número de contribuintes cresça no mesmo ritmo.
A tudo isso se juntou a redução dos repasses de recursos da União, igualmente afetada pela crise. Mesmo cortando investimentos, com prejuízo para a população, o déficit continuou a crescer. Trata-se de um regime fiscal socialmente perverso, cujos desequilíbrios só serão corrigidos por meio de reformas, entre as quais as que tratem das regras para o funcionalismo público e de seu sistema previdenciário.
20 de janeiro de 2018
Esditorial Estadão
A profunda crise em que o País foi lançado pela irresponsável política econômica e fiscal do governo Dilma Rousseff corroeu as receitas tributárias, mas a perda de arrecadação é apenas um dos fatores que levaram as contas dos Estados a passar de superávits nominais de R$ 16 bilhões em 2015 para um rombo de R$ 60 bilhões no ano passado. O que se conclui do levantamento feito a pedido do Estado pelo economista Raul Velloso, um dos mais respeitados especialistas em finanças do setor público, é que, em tempos de crise, as garantias e vantagens salariais e previdenciárias do funcionalismo público tornam impossível o ajuste das despesas à rápida queda das receitas.
Os gastos com o sistema previdenciário dos Estados, as despesas obrigatórias definidas pela legislação e os custos da folha de pessoal tornam o atual regime fiscal insustentável ao longo do tempo. Nesse regime, os gastos crescem sempre, independentemente da situação econômica do País, enquanto a receita – quando não há aumento deliberado da carga tributária – está condicionada à evolução da produção, da renda e do consumo.
Para mostrar o que aconteceu nos Estados, Velloso se baseou em dados do Tesouro Nacional. De 22 unidades da Federação cujas contas puderam ser comparadas, apenas 5 melhoraram seus resultados fiscais desde 2015. São os Estados de Alagoas, Paraná, Ceará, Maranhão e Piauí. A situação de São Paulo manteve-se praticamente a mesma no período. Em todos os demais Estados o desequilíbrio financeiro se acentuou.
Afetado por greves, inclusive de policiais – o que resultou em onda de violência no final do ano passado –, e protestos de servidores que não recebem os vencimentos em dia, o Rio Grande do Norte foi o Estado em que o quadro fiscal se agravou mais nos últimos três anos. De um superávit de R$ 4 bilhões que alcançou entre 2011 e 2014, o governo do Rio Grande do Norte passou a enfrentar sérias dificuldades financeiras, cujo resultado é um déficit de R$ 2,8 bilhões acumulado de 2015 a 2017 (até outubro).
Para comparar a evolução da situação fiscal dos Estados sem a distorção que poderia decorrer da disparidade dos valores de receitas e despesas entre eles, o economista Raul Velloso utilizou a relação entre déficit (ou superávit) e receita líquida. Para o Rio Grande do Norte, essa relação passou de 8,3 para -9,1 entre 2015 e 2017. Ou seja, a variação foi de -17,4 pontos no período, a pior de todas as unidades da Federação cujas contas puderam ser comparadas.
O que mais preocupa é o fato de que “há uma fila de Estados prontos para passarem por uma crise aguda (como a do Rio Grande do Norte)”, como disse ao Estado o consultor de Orçamento da Câmara dos Deputados Leonardo Rolim. Cite-se, por exemplo, o caso do Rio de Janeiro, cujo governo, como o do Rio Grande do Norte, viu-se obrigado a atrasar salários por falta de recursos em caixa. A lista é formada ainda por Minas Gerais, Goiás, Pernambuco e Sergipe, que estão entre os mal avaliados pelo Tesouro Nacional quanto à capacidade de pagamento.
Em todos eles, e também nos que não apresentam quadro fiscal tão preocupante, uma das principais fontes de desequilíbrio, talvez a principal, é a folha de pagamentos. De um lado, o custo do pessoal tem grande resistência a cortes, em razão das garantias de que dispõem os servidores e da relutância dos dirigentes políticos em reduzir o número de funcionários. De outro, está sujeito a constante crescimento, em razão de aumentos espontâneos ou de incorporação automática de vantagens aos vencimentos.
Além disso, o sistema previdenciário do setor público gera um número crescente de aposentados, em razão do envelhecimento da população, sem que o número de contribuintes cresça no mesmo ritmo.
A tudo isso se juntou a redução dos repasses de recursos da União, igualmente afetada pela crise. Mesmo cortando investimentos, com prejuízo para a população, o déficit continuou a crescer. Trata-se de um regime fiscal socialmente perverso, cujos desequilíbrios só serão corrigidos por meio de reformas, entre as quais as que tratem das regras para o funcionalismo público e de seu sistema previdenciário.
20 de janeiro de 2018
Esditorial Estadão
Nenhum comentário:
Postar um comentário