Nem sempre se reconhece que tudo o que fazemos envolve risco, sacrifícios e perdas
Nos primeiros dias deste ano tomamos conhecimento de um fato inusitado: o presidente do Banco Central (BC) teve de enviar uma carta ao ministro da Fazenda para se explicar pelo fato de a inflação de 2017 ter ficado um pouco abaixo do piso da meta. Desde que o regime de metas de inflação foi adotado entre nós, é a primeira vez que isso se verifica. Deveria ser motivo de celebração, e não de explicações.
Depois de muitos anos de inflação elevada e crônica, a sociedade brasileira deveria ter horror à alta de preços, como a população alemã, que mesmo em tempos de recessão reluta em admitir qualquer flexibilização monetária. Mas somos um povo fascinado pelo presente e esquecemos, com facilidade, nossas piores experiências.
É sempre bom recordar que durante muito tempo houve entre nós uma clara divisão ideológica acerca do combate à inflação, o que explica, em parte, sua presença persistente em nossa História. As esquerdas “progressistas” denunciavam as políticas anti-inflacionárias como um programa conservador, contrário ao crescimento e a serviço do capitalismo internacional.
Muito recentemente vimos outra vez esses “progressistas” desdenharem as políticas de equilíbrio e deixarem a inflação ultrapassar os dois dígitos, mesmo diante da maior recessão de nossa História. Felizmente, esse tempo parece ter passado, se é que os encantos do populismo irresponsável não vão, mais uma vez, iludir o nosso povo nas eleições do final do ano.
A inflação de 2017 traz algumas lições. Como disse o presidente do BC, inflação baixa é boa, não ruim, e não há nada de errado em estar abaixo do piso prometido. Inflação de quase 3% não é nada fora da curva. A inflação norte-americana em 2017 estará em 2,1% e a da zona do euro, em 1,5%. Estamos só caminhando em direção a um ambiente civilizado e mais justo.
O desvio da inflação em relação ao centro da meta, de 4,5%, é quase totalmente explicado pelo comportamento dos preços dos alimentos, que tiveram durante o ano deflação de 4,85%. Se excluirmos do IPCA o subgrupo alimentação, a inflação de 2017 teria sido de 4,54%.
Mais uma vez a agropecuária brasileira é um fator virtuoso na economia do País. Primeiro, produziu os saldos comerciais que nos livraram das restrições históricas da nossa capacidade de importar. Agora, melhora a qualidade de vida das populações mais pobres e joga a inflação para baixo. Mas, tal como na história das “explicações” devidas pelo BC, estamos sempre precisando nos explicar. Somos acusados de ser um segmento privilegiado pelo governo e pelo Congresso, de sermos predadores do ambiente e fator de desigualdade e injustiça social, devendo, portanto, estar sempre pedindo desculpas aos setores “iluminados” da nossa elite política e intelectual.
Nem sempre se reconhece que tudo o que fazemos envolve risco, sacrifícios e, também, perdas. Atrás dos números frios da deflação dos alimentos há a realidade de numerosas atividades que não estão gerando retorno econômico e algumas em que as margens se tornaram negativas. Os custos da produção – salários, combustíveis, fertilizantes, defensivos – seguiram subindo e os preços declinantes dos produtos significam prejuízo para agricultores e pecuaristas.
Em 2017 os preços do feijão carioca caíram 46%, os do açúcar cristal, 22% e do arroz, 11%. De modo geral, seja no mercado doméstico, seja nas exportações, a maioria dos nossos preços caiu. No conjunto, o grupo dos cereais, legumes e oleaginosas teve, no ano, uma queda nos preços de 25% e as frutas, 16%. O mesmo na pecuária: o preço do leite para o produtor fechou 2017 com valor 6% menor que a média de 2016 e o da arroba do boi teve queda de 10%. Os consumidores ganharam, mas os produtores perderam.
Os dois anos de recessão e encolhimento da renda por habitante provocaram forte diminuição da demanda de consumo das famílias, principalmente as de renda mais baixa, e a agropecuária brasileira, apesar de ser uma máquina exportadora muito eficiente, destina a maior parte de sua produção ao mercado interno. Quando a economia vai mal, nós vamos pelo mesmo caminho.
Vivemos um paradoxo. Os níveis de produção e produtividade de nossa agropecuária crescem a cada ano, salvo algum desvio causado por condições climáticas. Os investimentos para aumentar a produção, introduzir novas tecnologias e assegurar maior sustentabilidade ambiental têm se mantido sem interrupções, apesar das incertezas da economia. Mas a situação econômica dos produtores rurais está longe de ser brilhante. Se a agropecuária vai muito bem, o mesmo não se pode dizer da maioria desses produtores.
As margens de retorno econômico para o produtor são influenciadas por fatores que estão fora do seu controle, em especial os custos logísticos, que oneram a produção e capturam boa parte dos preços finais de venda aos consumidores. São investimentos que o País não realizou e cujo impacto afeta desproporcionalmente os produtores rurais, que tiveram a audácia de ocupar nosso imenso território, colonizando-o com grandes sacrifícios, para proveito de toda a sociedade.
Organizações internacionais atestaram, recentemente, que a produção rural no Brasil era a menos subsidiada entre as grandes nações produtoras. Agora, com a queda da Selic, os juros do crédito rural não envolvem mais custos de equalização para o Tesouro.
Tudo isso somado, penso ter passado da hora de certas elites urbanas fazerem as pazes com a verdade e abandonarem representações mentais da economia rural brasileira que já não correspondem ao mundo real, mas continuam sobrevivendo nas mentalidades, como uma cortina que não deixa passar a luz.
O começo do ano é sempre um tempo de esperanças. Espero que daqui para a frente nem o presidente do BC precise mais pedir desculpas pela inflação baixa nem os produtores rurais precisem pedir desculpas pelo bem que realizam.
20 de janeiro de 2018
João Martins da Silva Junior
*Presidente da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA)
Nos primeiros dias deste ano tomamos conhecimento de um fato inusitado: o presidente do Banco Central (BC) teve de enviar uma carta ao ministro da Fazenda para se explicar pelo fato de a inflação de 2017 ter ficado um pouco abaixo do piso da meta. Desde que o regime de metas de inflação foi adotado entre nós, é a primeira vez que isso se verifica. Deveria ser motivo de celebração, e não de explicações.
Depois de muitos anos de inflação elevada e crônica, a sociedade brasileira deveria ter horror à alta de preços, como a população alemã, que mesmo em tempos de recessão reluta em admitir qualquer flexibilização monetária. Mas somos um povo fascinado pelo presente e esquecemos, com facilidade, nossas piores experiências.
É sempre bom recordar que durante muito tempo houve entre nós uma clara divisão ideológica acerca do combate à inflação, o que explica, em parte, sua presença persistente em nossa História. As esquerdas “progressistas” denunciavam as políticas anti-inflacionárias como um programa conservador, contrário ao crescimento e a serviço do capitalismo internacional.
Muito recentemente vimos outra vez esses “progressistas” desdenharem as políticas de equilíbrio e deixarem a inflação ultrapassar os dois dígitos, mesmo diante da maior recessão de nossa História. Felizmente, esse tempo parece ter passado, se é que os encantos do populismo irresponsável não vão, mais uma vez, iludir o nosso povo nas eleições do final do ano.
A inflação de 2017 traz algumas lições. Como disse o presidente do BC, inflação baixa é boa, não ruim, e não há nada de errado em estar abaixo do piso prometido. Inflação de quase 3% não é nada fora da curva. A inflação norte-americana em 2017 estará em 2,1% e a da zona do euro, em 1,5%. Estamos só caminhando em direção a um ambiente civilizado e mais justo.
O desvio da inflação em relação ao centro da meta, de 4,5%, é quase totalmente explicado pelo comportamento dos preços dos alimentos, que tiveram durante o ano deflação de 4,85%. Se excluirmos do IPCA o subgrupo alimentação, a inflação de 2017 teria sido de 4,54%.
Mais uma vez a agropecuária brasileira é um fator virtuoso na economia do País. Primeiro, produziu os saldos comerciais que nos livraram das restrições históricas da nossa capacidade de importar. Agora, melhora a qualidade de vida das populações mais pobres e joga a inflação para baixo. Mas, tal como na história das “explicações” devidas pelo BC, estamos sempre precisando nos explicar. Somos acusados de ser um segmento privilegiado pelo governo e pelo Congresso, de sermos predadores do ambiente e fator de desigualdade e injustiça social, devendo, portanto, estar sempre pedindo desculpas aos setores “iluminados” da nossa elite política e intelectual.
Nem sempre se reconhece que tudo o que fazemos envolve risco, sacrifícios e, também, perdas. Atrás dos números frios da deflação dos alimentos há a realidade de numerosas atividades que não estão gerando retorno econômico e algumas em que as margens se tornaram negativas. Os custos da produção – salários, combustíveis, fertilizantes, defensivos – seguiram subindo e os preços declinantes dos produtos significam prejuízo para agricultores e pecuaristas.
Em 2017 os preços do feijão carioca caíram 46%, os do açúcar cristal, 22% e do arroz, 11%. De modo geral, seja no mercado doméstico, seja nas exportações, a maioria dos nossos preços caiu. No conjunto, o grupo dos cereais, legumes e oleaginosas teve, no ano, uma queda nos preços de 25% e as frutas, 16%. O mesmo na pecuária: o preço do leite para o produtor fechou 2017 com valor 6% menor que a média de 2016 e o da arroba do boi teve queda de 10%. Os consumidores ganharam, mas os produtores perderam.
Os dois anos de recessão e encolhimento da renda por habitante provocaram forte diminuição da demanda de consumo das famílias, principalmente as de renda mais baixa, e a agropecuária brasileira, apesar de ser uma máquina exportadora muito eficiente, destina a maior parte de sua produção ao mercado interno. Quando a economia vai mal, nós vamos pelo mesmo caminho.
Vivemos um paradoxo. Os níveis de produção e produtividade de nossa agropecuária crescem a cada ano, salvo algum desvio causado por condições climáticas. Os investimentos para aumentar a produção, introduzir novas tecnologias e assegurar maior sustentabilidade ambiental têm se mantido sem interrupções, apesar das incertezas da economia. Mas a situação econômica dos produtores rurais está longe de ser brilhante. Se a agropecuária vai muito bem, o mesmo não se pode dizer da maioria desses produtores.
As margens de retorno econômico para o produtor são influenciadas por fatores que estão fora do seu controle, em especial os custos logísticos, que oneram a produção e capturam boa parte dos preços finais de venda aos consumidores. São investimentos que o País não realizou e cujo impacto afeta desproporcionalmente os produtores rurais, que tiveram a audácia de ocupar nosso imenso território, colonizando-o com grandes sacrifícios, para proveito de toda a sociedade.
Organizações internacionais atestaram, recentemente, que a produção rural no Brasil era a menos subsidiada entre as grandes nações produtoras. Agora, com a queda da Selic, os juros do crédito rural não envolvem mais custos de equalização para o Tesouro.
Tudo isso somado, penso ter passado da hora de certas elites urbanas fazerem as pazes com a verdade e abandonarem representações mentais da economia rural brasileira que já não correspondem ao mundo real, mas continuam sobrevivendo nas mentalidades, como uma cortina que não deixa passar a luz.
O começo do ano é sempre um tempo de esperanças. Espero que daqui para a frente nem o presidente do BC precise mais pedir desculpas pela inflação baixa nem os produtores rurais precisem pedir desculpas pelo bem que realizam.
20 de janeiro de 2018
João Martins da Silva Junior
*Presidente da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA)
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