Por aqui, há grande apreço por título, cargo, crachá, além da mania de opinar sobre tudo. É comum ver alguém opinando sobre o que não conhece, não estudou e não pesquisou
Diante de projetos absurdos apresentados por parlamentares no Congresso Nacional, Roberto Campos afirmou certa vez: “O mal do parlamento é que todos que vêm para cá querem fazer alguma coisa”. Em campanhas eleitorais no Brasil, é comum os candidatos à reeleição elogiarem a si mesmos em função da quantidade de projetos de lei por eles apresentados. Também é comum criticar os adversários que, durante o mandato, não tenham apresentado nem um projeto. Como ninguém é cobrado sobre a qualidade e a viabilidade das propostas, fica a impressão de que parlamentar bom é aquele que apresenta muitos projetos de lei.
Atualmente, há muitas propostas paradas nas gavetas do parlamento, as quais vão do absurdo ao ridículo, do inviável ao desnecessário, do jocoso ao trágico. Até aí, se não andarem nem forem aprovadas, não há maiores problemas, além de desperdício de tempo e dinheiro público para sustentar uma máquina de fabricar bobagens. O problema fica sério quando algum projeto de lei absurdo escapa do hospício propositório e vira lei.
O que salva o Brasil de aprovar leis ruins são as gavetas do Congresso, onde morre a maior parte das bobagens
Vale relembrar alguns projetos apresentados na Câmara dos Deputados, dignos de serem esquecidos. Heráclito Fortes (PSB-PI) propôs que os ventos sejam patrimônio da União, para esta cobrar royalties sobre a geração de energia eólica. Silvio Costa (PSC-PE) propõe que todo ciclista seja obrigado a emplacar sua bicicleta e pagar licenciamento. Pastor Franklin (PTdoB-MG) quer que mulher ou marido traído possam pedir indenização em caso de violação de deveres conjugais – uma espécie de bolsa-adultério.
O povo latino tem enorme disposição para emitir opinião e verdadeiro desprezo pelo conhecimento. Por aqui, há grande apreço por título, cargo, crachá, além da mania de opinar sobre tudo. É comum ver alguém opinando sobre o que não conhece, não estudou e não pesquisou, mesmo que o assunto seja complexo e fora de sua área de conhecimento. São pessoas que falam com a certeza e a convicção que a ignorância confere. É como dizia Will Rogers: “Todos somos ignorantes, apenas em assuntos diferentes”.
Lendo os debates e entrevistas sobre temas como a reforma tributária, reforma da Previdência, tratados internacionais de comércio e regulação do sistema bancário, é assustador o grau de desconhecimento que muitos parlamentares apresentam. Se fosse conversa de boteco, seria apenas perda de tempo sem consequências. O problema é que esses senhores vão tomar decisões e votar as matérias. O que salva o Brasil de aprovar leis ruins são as gavetas do Congresso, onde morre a maior parte das bobagens.
Um ex-presidente, em entrevista quando no exercício do mandato, disse: “Eu não consigo ler muitas páginas por dia, dá sono. Vejo televisão, e quanto mais bobagem, melhor”. Quem chega a presidente de uma nação de 208,5 milhões de habitantes deveria no mínimo se envergonhar de dizer que não lê e não gosta de ler. Mas não: isso é dito sem constrangimento, como se fosse um hábito exótico (ressalva: não importa a que partido pertença, qualquer presidente que diga isso merece reprovação).
Para alguém intelectualmente honesto, a ignorância sobre um assunto deveria levar a duas consequências: uma, a humildade para dizer “não sei” e abster-se de opinar; outra, dar-se ao trabalho de consultar, pesquisar e adquirir conhecimento, principalmente sobre matéria que tenha de votar e impor seus ônus sobre a sociedade. A leitura, a educação e a cultura não existem apenas para fins utilitários, como arrumar emprego ou ganhar dinheiro, mas como meio de o ser humano se elevar acima dos animais e fazer jus à linguagem, consciência e inteligência.
20 de janeiro de 2018
José Pio Martins, economista, é reitor da Universidade Positivo.
Gazeta do Povo, PR
Diante de projetos absurdos apresentados por parlamentares no Congresso Nacional, Roberto Campos afirmou certa vez: “O mal do parlamento é que todos que vêm para cá querem fazer alguma coisa”. Em campanhas eleitorais no Brasil, é comum os candidatos à reeleição elogiarem a si mesmos em função da quantidade de projetos de lei por eles apresentados. Também é comum criticar os adversários que, durante o mandato, não tenham apresentado nem um projeto. Como ninguém é cobrado sobre a qualidade e a viabilidade das propostas, fica a impressão de que parlamentar bom é aquele que apresenta muitos projetos de lei.
Atualmente, há muitas propostas paradas nas gavetas do parlamento, as quais vão do absurdo ao ridículo, do inviável ao desnecessário, do jocoso ao trágico. Até aí, se não andarem nem forem aprovadas, não há maiores problemas, além de desperdício de tempo e dinheiro público para sustentar uma máquina de fabricar bobagens. O problema fica sério quando algum projeto de lei absurdo escapa do hospício propositório e vira lei.
O que salva o Brasil de aprovar leis ruins são as gavetas do Congresso, onde morre a maior parte das bobagens
Vale relembrar alguns projetos apresentados na Câmara dos Deputados, dignos de serem esquecidos. Heráclito Fortes (PSB-PI) propôs que os ventos sejam patrimônio da União, para esta cobrar royalties sobre a geração de energia eólica. Silvio Costa (PSC-PE) propõe que todo ciclista seja obrigado a emplacar sua bicicleta e pagar licenciamento. Pastor Franklin (PTdoB-MG) quer que mulher ou marido traído possam pedir indenização em caso de violação de deveres conjugais – uma espécie de bolsa-adultério.
O povo latino tem enorme disposição para emitir opinião e verdadeiro desprezo pelo conhecimento. Por aqui, há grande apreço por título, cargo, crachá, além da mania de opinar sobre tudo. É comum ver alguém opinando sobre o que não conhece, não estudou e não pesquisou, mesmo que o assunto seja complexo e fora de sua área de conhecimento. São pessoas que falam com a certeza e a convicção que a ignorância confere. É como dizia Will Rogers: “Todos somos ignorantes, apenas em assuntos diferentes”.
Lendo os debates e entrevistas sobre temas como a reforma tributária, reforma da Previdência, tratados internacionais de comércio e regulação do sistema bancário, é assustador o grau de desconhecimento que muitos parlamentares apresentam. Se fosse conversa de boteco, seria apenas perda de tempo sem consequências. O problema é que esses senhores vão tomar decisões e votar as matérias. O que salva o Brasil de aprovar leis ruins são as gavetas do Congresso, onde morre a maior parte das bobagens.
Um ex-presidente, em entrevista quando no exercício do mandato, disse: “Eu não consigo ler muitas páginas por dia, dá sono. Vejo televisão, e quanto mais bobagem, melhor”. Quem chega a presidente de uma nação de 208,5 milhões de habitantes deveria no mínimo se envergonhar de dizer que não lê e não gosta de ler. Mas não: isso é dito sem constrangimento, como se fosse um hábito exótico (ressalva: não importa a que partido pertença, qualquer presidente que diga isso merece reprovação).
Para alguém intelectualmente honesto, a ignorância sobre um assunto deveria levar a duas consequências: uma, a humildade para dizer “não sei” e abster-se de opinar; outra, dar-se ao trabalho de consultar, pesquisar e adquirir conhecimento, principalmente sobre matéria que tenha de votar e impor seus ônus sobre a sociedade. A leitura, a educação e a cultura não existem apenas para fins utilitários, como arrumar emprego ou ganhar dinheiro, mas como meio de o ser humano se elevar acima dos animais e fazer jus à linguagem, consciência e inteligência.
20 de janeiro de 2018
José Pio Martins, economista, é reitor da Universidade Positivo.
Gazeta do Povo, PR
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