Quase um ano depois da prisão do ex-governador Sérgio Cabral, o coordenador da força-tarefa da Lava-Jato no Rio, procurador Eduardo El Hage, afirma, em entrevista exclusiva, que nova etapa da investigação revelará outros tentáculos da fraude na Saúde. E diz que Ministério Público Federal vai aprofundar análise de contratos de diferentes órgãos da prefeitura, na gestão do PMDB.
Em um ano, o que mais surpreendeu o senhor nas investigações?O tamanho e extensão da organização criminosa chocaram bastante. O fato inicial era uma corrupção na reforma do Maracanã, em que executivos da Andrade Gutierrez relataram uma cobrança de propina de 5%. Ao longo do tempo, vimos que a organização criminosa se espraiou para todos os setores do governo do estado do Rio, não só na Secretaria de Obras.
Inclusive em setores que ainda não vieram à tona?Sim. A força-tarefa da Lava-Jato no Rio não está nem perto de chegar ao fim. A gente só fez um arranhão na superfície da organização criminosa.
Dá para saber o tamanho dos desvios até agora?É difícil, porque o saque aos cofres públicos foi monstruoso. O mínimo seria o que foi devolvido pelos irmãos Chebar (delatores): US$ 100 milhões. Mas, antes da devolução, enquanto o ex-governador estava solto, muito já tinha sido gasto, então esse valor (desviado) é bem superior. A gente viu que ele (Cabral) tinha um gasto mensal de R$ 4 milhões com despesas pessoais. O desvio que foi feito na Secretaria de Saúde é algo que ainda vamos revelar com mais detalhes. Envolve grandes multinacionais do setor de Saúde, que fizeram importações fraudulentas com o governo do estado do Rio. Causaram um dano que a gente ainda vai revelar em próximas fases.
São empresas que vendem os equipamentos?É algo que não foi restrito ao estado do Rio. Esse é um esquema de corrupção internacional, que é bastante grave, e a gente está investigando com bastante cautela e profundidade. Esperamos em breve ter mais detalhes. Esse esquema na área da Saúde vai levar a investigação para um patamar internacional, uma vez que envolve diversas multinacionais de renome no mercado, que atuaram em conluio com a organização criminosa do Sérgio Cabral.
A Lava-Jato prendeu Alexandre Pinto, ex-secretário de Obras da prefeitura do Rio. A investigação avançou?Em breve, teremos novos desdobramentos no caso da Rio 40 Graus (que prendeu o ex-secretário, já solto) e avanços significativos nas investigações.
Na área de Obras da prefeitura?Não posso especificar a área, mas vai haver avanços significativos.
Também em outras áreas?Sim.
O que faltou para que os EUA colaborassem com a investigação sobre um dos elos mais importantes do esquema, o “Rei Arthur”?A gente está em contato direto com as autoridades americanas. Estive em Washington em reuniões com o Departamento de Justiça. A gente espera que no futuro próximo ele seja extraditado.
Onde ele está?Nos Estados Unidos. As autoridades americanas sabem (a localização exata).
Houve falha para identificar o esquema, já que funciona desde 2007?Várias questões favoreceram esse quadro, como o foro privilegiado. Talvez o maior erro de Sérgio Cabral foi não ter sido candidato em 2014. Se ele tivesse sido eleito, com certeza absoluta não estaríamos onde estamos hoje. Outros fatores que não existiam antes e ajudaram foram a lei das organizações criminosas e da colaboração premiada, que foram passos decisivos para que investigações avançassem. A população também começou a ver a corrupção como um dos maiores problemas no país.
Como o senhor vê a notícia de que Cabral fez um dossiê contra procuradores e o juiz Marcelo Bretas?Ainda que houvesse uma investigação, ela seria sigilosa, e eu não poderia comentar.
A Operação Lava-Jato é um caminho sem volta?Espero que sim, mas talvez não seja. Se as organizações criminosas se fecharem e adotarem medidas de retaliação contra membros do Ministério Público e do Poder Judiciário, pode ter volta. Se a sociedade não ficar vigilante quanto a projetos de lei que estão em tramitação no Congresso Nacional hoje em dia, pode voltar para pior.
Cabral recebeu a maior pena da Lava-Jato. Significa que o esquema do Rio é o maior apurado?Não tenho dúvida que Brasil afora esquemas de corrupção desse nível também existem. É ingenuidade acreditar que só no Rio existem desvios de forma sistemática na área da Saúde, Obras… Isso é algo que o Brasil ainda não venceu, e o Rio, a meu ver, encontra-se na vanguarda da investigação.
A demora na homologação de delações nos tribunais superiores é a maior dificuldade?Sim. Enquanto as colaborações premiadas na primeira instância têm sido homologadas em poucos dias, nos tribunais superiores as homologações têm levado meses para acontecer. Isso tem sido um obstáculo enorme, porque a colaboração premiada é o início da investigação. E se uma colaboração premiada demora seis meses para ser homologada, a gente tem que esperar seis meses para iniciar uma investigação que vai durar outros tantos meses. E, quando a gente está falando em dinheiro em espécie, destruição de provas, uso de mensagens que se autodestroem, a demora traz um prejuízo irreparável às nossas investigações.
A corrupção é maior do que a capacidade de investigar?É algo desesperador, porque a gente não consegue dar conta do volume de trabalho. Pessoalmente, isso tem sido bastante sacrificante, porque a quantidade de informação é superior ao que a gente consegue processar, e a quantidade de corrupção que a gente tem revelado é muito maior do que a gente imaginava. Os próprios colaboradores falam: “Olha, tenho pena de vocês, porque o trabalho de vocês é infinito”.
O que o Ministério Público Federal pode fazer em relação às denúncias de regalias que o ex-governador teria na prisão?Estamos em estreito contato com o Ministério Público do Estado do Rio nessa questão, para fazer a fiscalização do estabelecimento prisional onde estão custodiados os presos da Lava-Jato do Rio. A própria força-tarefa (do MPF) já fez visitas tanto a Bangu (onde Cabral já esteve preso) quanto a Benfica (onde está atualmente) para fiscalizar as condições em que os réus estão sendo custodias. Caso sejam de fato constatadas outras irregularidades, a gente vai se manifestar e fazer a aplicação da lei. A gente tem o justoreceio de que, em razão da proximidade que ele tem com membros do (governo do) estado do Rio, haja algum tipo de favorecimento.
Como o senhor viu a decisão do STF que deu a palavra final às casas legislativas sobre medidas cautelares a parlamentares? É um golpe em quem está investigando?É um golpe bastante forte às investigações e à própria vontade popular. Acho que o Supremo Tribunal Federal optou por privilegiar o voto popular, em razão dos investigados terem sido eleitos pela vontade popular, mas esqueceu de um ponto muito importante: em várias dessas investigações, os fatos foram revelados após essas pessoas terem sido eleitas. É algo que espero que o Supremo Tribunal federal reavalie num futuro próximo, porque acho que as consequências não foram muito bem calculadas nesse caso.
A CPI da JBS é uma forma de intimidar o Ministério Público?Com certeza. A CPI adotou dois pesos e duas medidas. Para advogados que estão sendo investigados, permitiram que pudessem se manifestar por escrito. Para membros do Ministério Público, eles exigiram a presença nas sessões sob pena de condução coercitiva e na condução de testemunha. Até o deputado Carlos Marun (PMDB-MS) afirmou de forma explícita: “Nós vamos investigar quem está nos investigando”. Se isso não é retaliação, eu não sei mais o que é.
13 de novembro de 2017
Juliana Castro e Marco Grillo
O Globo
Nenhum comentário:
Postar um comentário