No domingo que passou, o programa Fantástico deu sequência à viagem que Fernanda Montenegro realiza com Nelson Rodrigues para a eternidade da obra do maior teatrólogo brasileiro, ao mesmo tempo memorialista, cronista apaixonado por futebol. Além disso, romancista. A série preparada por Fernanda Montenegro, domingo passado, estacionou a viagem no cronista esportivo. Apaixonado pela Seleção brasileira e pelo Fluminense, tem com parte de sua bagagem literária a coluna no O Globo “À Sombra das Chuteiras Imortais”.
A atriz abordou frases suas e, sobretudo, a descoberta do que ele chamava complexo de vira-lata, que pesava na alma de parte substancial da população. O Campeonato do Mundo conquistado em 1958 foi uma resposta à frustração de 1950, quando, segundo o próprio Nelson Rodrigues, fomos derrotados por um homem só: Obdulio Varela. A conquista histórica de oito anos depois na Suécia começou a mudar o complexo que o escritor identificava. Vibrou como poucos no bicampeonato de 62 e guardou tristezas para a derrota de 66.
BELA PREVISÃO – Em 70, apaixonadamente escreveu no início da Copa que o Brasil seria novamente campeão do mundo. O jornalismo esportivo se dividiu entre a euforia de Nelson e a isenção de Armando Nogueira, este na coluna diária do Jornal do Brasil. O impacto da certeza de Nelson e da dúvida de Armando deu margem ao surgimento de personagens de ficção como o “Sobrenatural de Almeida”, o “Gravatinha” e o “Palhares”. Sobrenatural de Almeida era a imagem da derrota e do derrotismo. Uma variante do complexo de vira-lata.
O destino levou a confirmação do que previa Nelson Rodrigues: na final do México, derrotamos a Itália. O êxito foi mais uma consagração passageira do cronista, já consagrado plenamente por suas múltiplas criações. Dentro e fora da realidade.
Hoje, olhando-se o passado com a lente da memória, concluímos que a diferença essencial entre Nelson Rodrigues e Armando Nogueira estava na arte do primeiro e no estilo do segundo. O artista não tem limites para si próprio. Ele flutua, voa na imaginação e usa a realidade para construir tanto a fantasia quanto o que considera no fundo da alma a sua própria realidade.
A ARTE É UM DOM – A busca da ruptura, da criação, do encontro entre o fascínio criativo e a imaginação projetada no papel e agora nas telas da televisão e da internet, são características da arte que, como disse Noel Rosa, não se aprende no colégio. É um dom, um impulso com o uso das palavras e das imagens, e isso diferencia os artistas e as demais pessoas, que mesmo inteligentes não conseguem escapar dos limites em torno de si.
Para falar de limites desejo sugerir a Fernanda Montenegro que dedique um capítulo de sua série à peça “Vestido de noiva”, que está para o teatro brasileiro assim como o “Cidadão Kane”, de Orson Welles, está para o cinema internacional.
Deve ser esta talvez a última escala da viagem de Nelson Rodrigues, conduzida por Fernanda, em busca da eternidade do escritor e da eternidade de sua própria obra.
12 de setembro de 2017
Pedro do Coutto
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