"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

domingo, 17 de setembro de 2017

ATACAR O ARQUEIRO, O TRUQUE PARA ESCAPAR DAS FLECHAS


Charge do Chico Caruso (O Globo)
A newsletter do excelente jornal português “Expresso” queixou-se, outro dia, de que “no Brasil começa a ficar difícil acompanhar todas as diligências da polícia e todos os casos em que surge o nome do presidente Temer”. Tem razão, ainda mais depois da nova denúncia do procurador-geral Rodrigo Janot contra o presidente e quase todos os seus homens de confiança e/ou ministros.
Como tenho uma dívida de gratidão com o “Expresso”, pela ajuda que seus jornalistas me deram na cobertura da Revolução dos Cravos (1974), proponho-me a ajudá-los a ver o quadro.
Não vou entrar nos meandros jurídicos, já muito bem analisados, no que se refere à denúncia mais recente, pelos professores da FGV Eloísa Machado e Rubens Glezer, em texto desta sexta-feira (15) para a Folha. No geral da Operação Lava Jato, Marcelo Coelho tem feito um relato indispensável, com o seu inexcedível talento habitual.
DESVIAR A ATENÇÃO  Prendo-me, pois, ao quadro político mais amplo e mais imediato: o que está em curso é uma indecente tentativa, em especial do mundo político, mas não só, de atingir o “arqueiro” Rodrigo Janot, para desviar a atenção das flechas que ele dispara.
Na verdade, não é correto fulanizar a ofensiva e restringi-la a Janot. Trata-se, mais amplamente, de procurar atingir o Ministério Público, a Polícia Federal e o juiz Sergio Moro (este no caso específico das flechas contra Luiz Inácio Lula da Silva).
Claro que Janot, Moro e a PF não são deuses e, como mortais, cometem erros. Porém, mais relevante que os erros dos “arqueiros” é discutir a qualidade das flechas disparadas. E, nesse caso, os fatos –não meras opiniões contra ou a favor – são definitivos. A eles, portanto:
1 – Corruptores, como a Odebrecht, a OAS e a JBS, confessaram. Cometeram crimes e, em alguns casos, estão devolvendo dinheiro ou pagando as multas devidas.
2 – Corruptos, caso de alguns ex-diretores da Petrobras, também confessaram, também estão devolvendo dinheiro.
3 – Do lado político do balcão de negócios em que se transformou a política brasileira, tem-se, agora, a confissão de Antonio Palocci. Com ela, fecha-se o círculo: a Odebrecht confessa que corrompeu e um dos corrompidos (Palocci) admite os “ilícitos”, para usar a expressão de Lula no seu depoimento a Sergio Moro.
Tudo somado, têm-se, portanto, flechas da mais alta qualidade, seja qual for o juízo que se faça do “arqueiro”.
FATOS INEGÁVEIS – No caso Temer, se Janot errou ou acertou, não mudam alguns fatos inegáveis, a saber:
1 – Rodrigo Rocha Loures tinha tanto prestígio junto ao presidente que agendou uma conversa noturna e sem registro oficial em pleno Palácio do Jaburu entre Temer e Joesley Batista. O encontro foi confirmado pelo próprio presidente.
2 – Rocha Loures foi flagrado com uma mala de dinheiro, fato igualmente não desmentido, até porque a mala e o dinheiro foram entregues pelo próprio Loures à Polícia Federal.
3 – Por que um empresário daria tanto dinheiro a uma figura em tese secundária como Rocha Loures? Só pode ser para comprar facilidades junto ao governo Temer.
Ou, mais amplamente, como está no já citado texto de Eloísa Machado e Rubens Glezer: “A presença (da organização criminosa) na Petrobras, em Furnas, no Ministério da Integração Nacional, no Ministério da Agricultura, na Caixa Econômica Federal e até na própria Câmara era um meio para o esquema de arrecadação de propinas. A história é conhecida: empresas que queriam ser contratadas ou ter uma lei em seu benefício repassavam propina a Temer e seus aliados”. Nem é preciso mencionar outro fato indesmentível: as malas e caixas de dinheiro apreendidas com as digitais de Geddel Vieira Lima, homem de confiança de Temer.
SEM RENÚNCIA – Em qualquer país decente, um presidente que está cercado de pessoas denunciadas seguidamente se vê compelido a renunciar. Já no Brasil, prefere atacar o arqueiro. Não é nem original. Na Operação Mãos Limpas na Itália, aconteceu a mesma coisa, conforme o relato de Maria Cristina Pinotti:
“Avolumaram-se as denúncias na imprensa sobre abuso de poder nas investigações e foi iniciada uma verdadeira indústria de dossiês, sobretudo contra a figura principal da Operação, o juiz Di Pietro. Em meados de 1994 o conselho de ministros do novo governo aprovou um decreto lei que ficou conhecido com o nome do novo ministro da justiça [Decreto Biondi] ou, popularmente, como decreto ‘salva ladrões’ [salva ladri], que impedia prisão cautelar para a maioria dos crimes de corrupção. Com isso, a maior parte dos presos na Mãos Limpas foi solta, indo para prisão domiciliar, provocando um enorme dano nas investigações”.
É o que se busca fazer no Brasil, atacando o “arqueiro” para escapar de suas certeiras flechas. Por ser o Brasil como é, sou capaz de apostar que a indecente manobra acabará dando certo – e a lama continuará escorrendo em abundância no esgoto político.

17 de setembro de 2017
Clóvis Rossi
Folha

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