Na noite de 11 de março de 1996, o Palácio do Buriti, sede do governo do Distrito Federal, sofreu um atentado. Duas balas foram atiradas contra o gabinete do governador. As vidraças foram quebradas, as balas atingiram paredes, mas ninguém foi ferido. O grave acidente nunca foi apurado de forma conclusiva pela polícia, mas diversos suspeitos tiveram seus nomes considerados, todos eles opositores ao meu governo naquele momento.
Quase 20 anos depois, em uma entrevista por telefone ao jornal “Correio Braziliense” sobre a política local, afirmei que, na época, falava-se que o atentado fora perpetrado por conhecidos personagens da cidade, contra os quais pesavam outras suspeitas. Por causa dessa entrevista, um destes senhores abriu um processo contra mim, por danos morais, pedindo indenização de R$ 500 mil. Argumentei na Justiça que na entrevista eu não fiz acusações, apenas disse que “falavam” sobre suspeitos autores do atentado. Apresentei nomes de algumas testemunhas que teriam escutado os rumores que sugeriam o envolvimento destas pessoas citadas como participantes.
O juiz encarregado do caso não ouviu qualquer testemunha e pela simples leitura dos autos considerou ter razões suficientes para me condenar por danos morais.
RECURSO À JUSTIÇA – Alguns amigos e o advogado me aconselharam a pagar o valor estipulado pelo juiz e dar o caso por encerrado, ou recorrer ao foro privilegiado como parlamentar, já que hoje sou senador da República, mas preferi apelar para a instância superior da Justiça, onde o processo se encontra.
Tenho plena consciência da minha inocência, da mesma forma acredito que o juiz errou ao não ouvir as testemunhas. Nem por isso, agora como senador, votaria a favor da “Lei de Abuso de Autoridade”, que poderá ser usada no futuro para criminalizar juízes, procuradores e policiais por erros que eventualmente tenham cometido nas suas ações.
Neste momento, apesar de emendas que amenizam o projeto inicial, a aprovação desta lei na quarta-feira significa tentativa de dificultar os trabalhos da Lava-Jato. No futuro, poderá servir para inibir o trabalho das polícias, do Ministério Público e da Justiça contra assassinos, traficantes e estupradores, não apenas contra agentes públicos suspeitos ou condenados por corrupção ou, como no meu caso, por dano moral que não acho que cometi.
CONSEQUÊNCIAS GRAVES – Além do perigo de aprovar uma lei que terá consequências graves na luta contra a criminalidade, por deixar autoridades judiciais sujeitas a processos inibidores de suas ações, esta lei terá efeito negativo sobre a democracia. Além de dificultar a luta contra a corrupção, passará ao povo a ideia de que estamos votando no Parlamento para nos proteger, em causa própria.
Nenhum de nós eleitos nas últimas eleições está livre de ser suspeito do uso de recursos não declarados na prestação de contas. Votar por esta lei nos deixa sob suspeição de um voto em causa própria, amordaçando e amarrando a Justiça para não levar adiante a luta brasileira contra a corrupção, o tráfico, a violência e os crimes que assolam nosso país.
(artigo enviado por Mário Assis Causanilhas)
(artigo enviado por Mário Assis Causanilhas)
05 de maio de 2017
Cristovam Buarque
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