O senador Roberto Requião foi o mais empenhado entre todos os parlamentares na aprovação do projeto de lei do abuso de autoridade. Demonstrou um ânimo colossal para dotar o País de um instrumento capaz de coibir comportamentos de autoridades que não conhecem limites para o arbítrio e que se valem de sua prerrogativa para deliberadamente prejudicar e perseguir cidadãos indefesos diante da força esmagadora do Estado.
Uma das cláusulas que mais pareciam motivá-lo era o parágrafo segundo do artigo primeiro, introduzido por ele no texto originalmente subscrito pelo senador Randolfe Rodrigues para tipificar crime de hermenêutica. Requião queria obrigar os magistrados a fazer a interpretação literal das leis, como se isso fosse plausível. A pena para quem insistisse no contrário iria da demissão à prisão.
Outra norma que ele defendeu com unhas e dentes foi a possibilidade de qualquer cidadão processar juízes, promotores ou delegados de polícia quando se sentir ofendido por condutas que considere abusivas.
As duas propostas foram derrotadas preliminarmente, antes que a Comissão de Constituição e Justiça iniciasse a votação do projeto. E somente graças a isso a discussão do assunto pode prosseguir, com a consequente aprovação do texto no âmbito da CCJe posteriormente do plenário por uma expressiva maioria. Ou seja: a capitulação de Requião, o mais aguerrido dos algozes da Justiça e do Ministério Público, foi que criou a condição para que o País viesse a ser dotado de uma lei para coibir abusos praticados por autoridades.
Curiosa e paradoxalmente, abuso de prerrogativas não é algo raro na vida do senador Roberto Requião. Seu temperamento explosivo, somado à arrogância que lhe é peculiar, fazem com que Requião não se enquadre na forma do político educado, respeitador dos limites do decoro e das normas de civilidade.
Há exatos seis anos, confrontado por uma pergunta da qual não gostou, Requião tomou na marra o gravador da mão de um repórter da Rádio Bandeirantes. O jornalista era Victor Boyadjian. O senador conduziu, digamos, coercitivamente o equipamento até seu gabinete e “surrupiou” o cartão de memória. Pressionado, acabou devolvendo o gravador e, mais tarde, publicou, por sua conta, toda a entrevista, inclusive o trecho em que ele ameaça bater no repórter.
Uma queixa contra o comportamento indecoroso do parlamentar foi protocolada no Senado, mas o presidente de então, José Sarney, mandou arquivá-la por não ter sido apresentada formalmente por um partido ou bancada.
Na semana passada, Requião voltou a repetir suas grosserias habituais. Desta vez o alvo foram dois apresentadores de um programa da Rádio Gaúcha, de Porto Alegre. Ao ser questionado sobre se o objetivo de uma viagem que fazia ao Uruguai era comprar carne, o destemperado senador chamou o entrevistador de moleque e disse que lhe daria um tapa no focinho se estivesse no estúdio da emissora.
Não se sabe o que está por trás da atitude do senador, mas sabe-se exatamente o que estava por trás da pergunta que lhe for formulada. Os jornalistas da emissora se referiam a um hábito dos gaúchos, que sempre trazem do Uruguai carne de gado de matriz europeia, muito mais macia e barata do que a que é produzida no Brasil de gado indiano.
Os maus modos de Requião já lhe valeram ao menos uma admoestação judicial. Em 2008, ele foi proibido de usar a rede estatal de rádios do Paraná para atacar seus adversários políticos. Em vez de se dobrar à decisão do juiz federal Edgard Lippmann Júnior, passou a atacar o magistrado acusando-o de vender sentenças que beneficiavam uma rede de bingos clandestinos. Proibido de usar a TV Educativa como feudo midiático, Requião ordenou seu fechamento.
A ojeriza de Roberto Requião pela justiça e pelo Ministério Público pode ser explicada pela extensa lista de problemas judiciais motivados por sua índole agressiva e por seus surtos de destempero. De acordo com o Movimento Ficha Limpa, ele teve também problemas decorrentes da contratação de parentes quando era governador do Paraná e foi obrigado a indenizar o adversário Jaime Lerner por tê-lo caluniado.
Não se sabe, no entanto, o motivo de sua repulsa pela imprensa, visto que o parlamentar é jornalista por formação. Presume-se que seja apenas aversão à crítica, o que implica necessariamente falta de apego a certos valores democráticos, como a liberdade de expressão e opinião.
Ao final do processo de discussão do projeto de lei do abuso de autoridade, a derrota de Requião terminou por dotar o País de um instrumento útil para que cidadãos indefesos não sejam mais afrontados por políticos mal-educados como ele. Os exageros que ele tentou introduzir no texto à guisa de vingança de seus problemas pessoas foram expurgados pelo bom-senso dos colegas de plenário.
Ao final, o resultado não foi de todo ruim. Sua derrota acabou se transformando numa vitória dos que repelem comportamentos antissociais de políticos como ele.
Alvíssaras, senador!
28 de abril de 2017
fábio pannunzio
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