“É impossível não sentir vergonha pelo que aconteceu no Brasil”. Essa foi uma das primeiras frases do ministro Luís Roberto Barroso, do Superior Tribunal Federal (STF), em evento realizado nesta sexta-feira, na PUC-Rio. Durante a palestra, Barroso fez críticas ao foro privilegiado, ao direito penal e ao sistema político, os quais, mantidos como estão, funcionam como incentivo à corrupção, segundo ele.
“O STF leva, em média, um ano e meio para receber uma denúncia; um juiz de 1º grau leva, em média, 48 horas. O sistema, creiam em mim, é feito para não funcionar; é feito para produzir prescrições. E ele produz. Claro que pontualmente alguém é punido aqui e ali. Mas, desde que o Supremo passou a julgar parlamentares, já prescreveram mais de seis dezenas de casos” — denunciou.
AÇÕES EM EXCESSO – Barroso sublinhou a facilidade de driblar a Justiça e mostrou como o trabalho e o prestígio do Supremo acabam ameaçados pelo excesso de processos criminais que lá estão. Há cerca de 500 ações penais e inquéritos no STF, sendo quase todos contra parlamentares, de acordo com o ministro.
“A manipulação da jurisdição é muito fácil. O sujeito vira deputado e o processo sobe para o Supremo; passa a ser prefeito e desce para o Tribunal de Justiça; se descompatibiliza a concorrer a outro cargo (público) e desce para o 1º grau; depois se elege deputado e volta ao Supremo. Portanto, o processo sobe e desce, e não dá para obter um fluxo natural”, explicou.
FORO LIMITADO – Uma alternativa que o ministro Barroso tem proposto é o foro privilegiado apenas para atos praticados no exercício do cargo e que também estejam relacionados ao cargo. Segundo ele, se imposta essa restrição, mais de 90% dos processos deixariam de ir ao Supremo.
“Boa parte dos casos (que estão no STF) foram delitos cometidos pelo parlamentar quando era prefeito ou que nada tenham a ver com exercício de parlamentar. Basta uma interpretação que diga que o foro se aplica para proteger o parlamentar dos atos que pratica nessa qualidade” — explicou.
Além do privilégio do foro, que leva à impunidade de uma elite política, Barroso também destacou a falha do direito penal “no único papel que lhe cabe”, o de “prevenção geral”, isto é, de inibir atos criminosos. Para ele, uma soma de fatores leva à impunidade e faz com que os benefícios da corrupção sejam grandes, enquanto os riscos, baixos.
RICOS DELINQUENTES – “Não sou dessas pessoas que acreditam que se muda o mundo com direito penal. Porém, um direito penal absolutamente ineficiente e incapaz de atingir qualquer pessoa que ganhe mais de cinco salários mínimos fez com que construíssemos um país de ricos delinquentes — disse ele.
Na avaliação de Barroso, outro fator que permite que a corrupção se perpetue é o sistema político-eleitoral, apontado pelo ministro como o possível maior problema a enfrentar.
“O processo civilizatório existe para proteger o bem e reprimir o mal. Já o sistema político brasileiro faz o contrário. O modelo de eleição para Câmara é proporcional, em lista aberta, com possibilidade de coligações. É a combinação do pior dos mundos” — criticou.
CAMPANHAS CARAS – De acordo com o ministro, um candidato a deputado federal em São Paulo disputa 30 milhões de votos num estado de grande extensão territorial. A eleição, para ser ganha, custa milhões de reais, quantia que o deputado não ganha em quatro anos de mandato. “O dinheiro tem que ser buscado num lugar que não é o trabalho parlamentar”, diagnostica.
Mais grave ainda é o sistema proporcional, que provoca um descolamento entre a classe política e a classe civil, na avaliação do ministro. Neste sistema, o partido faz um número de parlamentares que corresponde ao número de votos totais que seus candidatos receberam nas urnas. Ou seja, o eleitor vota numa lista aberta de candidatos, o voto vai para o partido e, cada vez que este partido preenche o quociente eleitoral, faz um parlamentar — sem que, necessariamente, este parlamentar tenha sido aquele escolhido pelo eleitor.
“O que acontece: menos de 10% dos deputados federais são eleitos com votação própria. Mais de 90% são eleitos por essa transferência interna de votos. Portanto, na prática, o eleitor não sabe quem elegeu. E o eleito não sabe por quem foi votado. Temos um sistema em que eleitor não tem de quem cobrar e parlamentar não tem a quem prestar contas” — afirmou.
VOTO DISTRITAL MISTO – A saída, para ele, está num sistema distrital misto “como o da Alemanha”, em que se fazem “ajustes de proporcionalidade”. Na prática, cada eleitor passaria a ter dois votos: parte da Câmara seria preenchida pelo voto distrital e parte pelo voto proporcional. No voto distrital, cada partido teria um candidato no distrito, o que reduziria os custos da eleição, já que esta seria feita numa extensão territorial menor. E o segundo voto seria no partido, numa lista pré-ordenada.
Quanto ao sistema partidário, Barroso atacou a criação de “legendas de aluguel”. Ele acredita que seja necessário acabar com as coligações em eleições proporcionais — “é isso que mantém os partidos pequenos vivos” — e instituir uma cláusula de barreira.
“Pessoas criam partidos, vendem o tempo de TV e se apropriam do fundo partidário. A política vira um negócio privado. Ninguém pode achar isso bom” — afirmou.
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NOTA DA REDAÇÃO DO BLOG – A grande maioria dos ministros do Supremo se omite e não discute a inaceitável inoperância to tribunal. Barroso é o único ministro que coloca o explosivo tema em discussão, fala a verdade sem metáforas e sem filtro, vai direto ao ponto. Cármen Lúcia está quase sempre contida, diz que as coisas precisam ser estudadas, fica amaciando, enquanto Barroso aponta logo o que está errado e revela como se deve corrigir. Parodiando a velha lenda alemã, podemos dizer que Barroso mostra que ainda há juízes em Berlim, digo, em Brasília. (C.N.)
NOTA DA REDAÇÃO DO BLOG – A grande maioria dos ministros do Supremo se omite e não discute a inaceitável inoperância to tribunal. Barroso é o único ministro que coloca o explosivo tema em discussão, fala a verdade sem metáforas e sem filtro, vai direto ao ponto. Cármen Lúcia está quase sempre contida, diz que as coisas precisam ser estudadas, fica amaciando, enquanto Barroso aponta logo o que está errado e revela como se deve corrigir. Parodiando a velha lenda alemã, podemos dizer que Barroso mostra que ainda há juízes em Berlim, digo, em Brasília. (C.N.)
19 de março de 2017
Maurício Ferro
O Globo
Porque não desmascarar os mantenedores de todo esse sistema inoperante e enfrentar a moralização através da sugestão direta e honesta do Ministro Barroso? Justifiquem, se é que ha JUSTIFICATIVA DECENTE>
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