"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

domingo, 19 de março de 2017

"AINDA NOS REATAM AS PEQUENAS UTOPIAS QUE NOS AJUDAM A VIVER O COTITIDANO"

armandinho_utopia
Charge baseada no pensamento do cineasta Fernando Birri
Trump provoca os jornais: “As pessoas já não acreditam neles”. Poucos filósofos contemporâneos conhecem tanto quanto Francisco Jarauta, catedrático de filosofia da Universidade de Múrcia, antropólogo e especialista em História da Arte, os desafios e as complexidades de uma sociedade globalizada em que, diz ele, “todas as certezas do passado voaram pelos ares ao mesmo tempo”.
Ele considera que, se as grandes utopias morreram, ainda nos restam “as pequenas utopias, as que nos ajudam a viver o cotidiano”, como a de poder morar em um bairro onde todos se conheçam e sejam solidários uns com os outros, ou a da busca pelo tempo livre e pelo silêncio criativo. A pequena utopia da amizade, ou aquela capaz de transformar nosso trabalho e nossos sonhos em fruição, em vez de pesadelos e escravidão.
LABORATÓRIO – Para o filósofo, a emergência do Outro está se transformando em um laboratório onde “nossos modelos políticos, éticos e morais precisam ser repensados”.
Como diretor do Conselho Científico do Instituto Europeu de Design (IED) da Espanha, e membro do Conselho Internacional do Grupo IED, hoje presente também no Brasil, com unidades no Rio e em São Paulo, Jarauta, que ensina em várias instituições universitárias do mundo, se nutre da experiência desses milhares de estudantes que formam um caleidoscópio cosmopolita das tendências que estão forjando a nova civilização.
A esses jovens, que estão se graduando em design industrial e gráfico, e como novos estilistas de moda, Jarauta surpreende e estimula com suas metáforas e paradoxos. Como quando lhes diz que “somos nossas próprias perguntas”, para acrescentar em seguida que “a intensidade dos fatos condena essas perguntas ao silêncio”.
TOMAR O PULSO – Escrutinador do caminho por onde vai a nova civilização, Jarauta é também um intelectual que gosta de tomar o pulso da humanidade. Depois de uma viagem recente a um campo de refugiados na Grécia, declarou ao jornal O Globo que o mais urgente hoje é “reconstruir o coração da humanidade”.
Para isso, afirma, “é preciso caminhar pela viagem da vida”, onde existe a dor, a crueldade, a cegueira ante as tragédias como as dos refugiados e imigrantes, “esses novos párias da história”.
Em sua conversa, que tínhamos interrompido durante muitos anos, desde nossos encontros no IED de Madri, ressalta que “estamos na era do ‘pós’: a pós-verdade, a pós-democracia, a pós-política, a pós-modernidade a pós-identidade. Nada é mais como ontem”.
JANELA DO MUNDO – Diz “que temos de nos debruçar na janela do mundo para ver o que se está passando e o que está chegando”. Vivemos não só no mundo da velocidade, mas naquele em que “as geografias se deslocaram e os espaços e as distâncias desapareceram”. Um jovem estudante de Cingapura se encontra em poucas horas com um do Rio e é como se fossem do mesmo bairro. A globalização os transforma em contemporâneos.
Isso leva a um “inevitável processo de miscigenação cultural”, à nova “sociedade da rede”, onde todos nos comunicamos, misturamos, contagiamos e recriamos. Aí reside o verdadeiro futuro.
VELHAS DEFINIÇÕES – O que chamamos de crise na realidade significa que todas as velhas definições do saber e da cultura estão morrendo, assim como as velhas profissões. A neociência já está sendo criada fora das universidades clássicas, muitas delas ainda de “formato medieval”.
Nada mais está petrificado nem prefigurado. Saltam pelos ares as definições do passado. O que é a filosofia hoje, a política, a arte? O que é o design em uma sociedade pós-industrial? “Já não é a pura fabricação de objetos para o consumo e o mercado”, diz o filósofo.
É muito mais: “O design se transformou, por exemplo, em um dos instrumentos básicos na hora de definir as novas formas da cultura. Pertence, por direito próprio, ao mundo do projeto, capaz de transformar os gostos, as formas de percepção das coisas e as novas necessidades das pessoas”.
DETECTAR AS TENDÊNCIAS – Para tentar apreender o mundo em ebulição, torna-se cada vez mais atual, diz Jarauta, o estudo das tendências. É preciso saber, como os antigos radioestesistas, detectar os mananciais que correm sob nossos pés. Temos que ser “mergulhadores do novo”.
Os jovens, mais que ninguém, necessitam hoje, segundo o filósofo, nutrir-se da certeza de que o mundo novo que os espera não só não lhes será hostil, mas lhes “permitirá participar para dar-lhe nome e sentido”.  (artigo enviado por Mário Assis Causanilhas)

19 de março de 2017
Juan Arias
El Pais

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