Os vexames em eleições e referendos são consequência do desapego a fatos, lógica e rigor |
Uma característica quase universal de nossos intelectuais de esquerda é seu horror à matemática. Sabemos que “esquerda” e “povo de Humanas” são praticamente sinônimos no Brasil, já que as escolas e universidades têm Partido. Também sabemos que esses esquerdistas, vez ou outra, fazem piada de si mesmos com seu horror à matemática (“miga, não sei fazer conta, sou de Humanas”).
Não é difícil entender essa rejeição. A matemática oferece respostas claras, cristalinas, inegociáveis e independentes de contexto cultural. É o exato oposto da esquerda intelectual, que cultiva um vocabulário pedante, vive de “relativizações” e acredita na verdade absoluta de que não existem verdades absolutas, e sim diferentes “verdades”, “estéticas” e “narrativas” (salvo, é claro, a verdade absoluta de que o adversário é racista, machista, xenofóbico, homofóbico, etc. etc.).
O artigo Hábitos das pessoas altamente matemáticas, de Jeremy Kun, ajuda a entender que as habilidades praticadas na matemática têm enorme valor prático fora dela. A matemática nos ensina a:
1. Discutir definições
2. Produzir contra-exemplos
3. Errar com frequência e admitir
4. Avaliar várias consequências possíveis de uma afirmação
5. Desembaraçar as premissas que sustentam um argumento
6. Subir a escada da abstração
Com esta lista fica fácil concluir o seguinte: o horror à matemática é na verdade um horror aos fatos. Vamos retomar a lista acima com alguns exemplos de burradas recentes da esquerda brasileira.
1. Discutir definições – você conhece algum peteba capaz de definir o que ele entende por “elites”? Ele jamais poderia fazê-lo, porque seria difícil excluir dela gente como Marilena Chaui, Gregorio Duvivier, Chico Buarque e Gleisi Hoffman. O mesmo vale para todas as palavras ditas com o fígado, como “golpe” – se Dilma foi golpeada, Collor também foi? Naturalmente, sem definir claramente seus conceitos você não pode enxergar a realidade direito; no máximo pode agir para transformá-la sem entender o que está fazendo, o que é precisamente a natureza da invasão de escolas e de toda ação revolucionária.
2. Produzir contra-exemplos – pergunte a um esquerdista o seguinte: se fosse um grupo de pessoas vestindo a camisa da Seleção invadindo e ocupando escolas em nome de uma causa de direita (digamos, a redução da maioridade penal), ele ainda apoiaria as invasões? Um peteba sequer consegue conceber este cenário, e por isso não se pode dizer que avaliou a ideia plenamente antes de decidir se “concorda”. O mesmo vale para a brilhante tese: “se Cunha for preso, é bandido e portanto o impeachment foi golpe; se Cunha não for preso, é porque ele fez o impeachment para se salvar e portanto foi golpe”.
3. Errar com frequência e admitir – em matemática a gente erra bastante até acertar, e às vezes não acertamos. Mas um peteba não erra nunca, e por isso repete suas teses sempre. Exemplo: até meados deste ano, petebas clamavam por “eleições diretas”. Como o povo espancou o PT nas eleições municipais, conclui-se que o povo está errado, mas não a tese do “volta Lula”. Ou ainda: os partidos que insistiram na “narrativa” do “golpe” foram massacrados nas urnas, já que o impeachment teve enorme apoio popular. O que os esquerdistas propõem? Mais radicalização e uma nova “guinada à esquerda”. O PT não monopoliza a cabeça-dura, claro. O senador Aécio Neves, por exemplo, achou que poderia eleger João Leite da mesma forma que não elegeu Pimenta da Veiga…
4. Avaliar várias consequências possíveis de uma afirmação – este é certamente o hábito menos praticado pelos intelectuais que dominam as colunas de opinião e as seções de comentários no rádio e na TV. Para alguns exemplos, veja Sete vexames que a imprensa passou em 2016 por tratar os próprios desejos como fatos. Notem o seguinte: desmoralizados repetidas vezes pelos acontecimentos, os mesmos “especialistas” de sempre continuam falando nos jornais e TVs como se nada tivesse acontecido…
5. Desembaraçar as premissas que sustentam um argumento – outro hábito sempre ignorado pelo “povo de Humanas”. A cada eleição perdida pelo PT em São Paulo, por exemplo, sai a tese “o eleitor paulistano é muito conservador”. Lembro disso ter ocorrido já em 2008, na vitória de Kassab. O engraçado é que nunca ocorre ao intelectual a ideia de que o eleitorado é praticamente o mesmo e pouco muda em quatro anos. A cidade que elegeu Doria é a mesma que elegeu Haddad. O Estado que elegeu Serra para o Senado é o mesmo que manteve Suplicy por lá durante 24 anos. Conservador onde?
6. Subir a escada da abstração – até que os esquerdistas não são ruins de abstração. Só que em vez de usar o que aprenderam em um campo para resolver problemas análogos em outras áreas, eles usam as mesmas palavras-de-ordem – “opressão”, “desigualdade”, etc. para absolutamente tudo, desprezando qualquer necessidade de enxergar melhor o objeto de cada questão. O resultado mais claro disso é viver na própria cabeça, no confronto puramente de ideias, e ignorar a realidade. Um exemplo: Haddad e as ciclovias. Como Haddad é da turma do bem e as ciclofaixas são uma boa “causa”, tudo “a favor” das ciclovias é bom e ponto final. A implementação da ideia na prática não importa: se as ciclovias estão sob calçadas estreitas, se as calçadas estão em mau estado, se foram dispostas em ruas perigosas, etc. A ideia basta por si, e é ridículo – na verdade, inconcebível – que alguém possa ser ao mesmo tempo favorável à ideia mas crítico de sua execução. Outro exemplo: a ideia absurda (mas que eu já li) de que o “projeto” de Haddad foi rejeitado nas urnas. Qualquer pessoa razoável entende que o paulistano aprovou sim o projeto de Haddad – em 2012, quando o prefeito passou na entrevista de emprego e recebeu uma chance. Em 2016, esse mesmo povo rejeitou a execução, não o projeto. Mas isso é “abstrato” demais para nossos intelectuais de esquerda, e por isso eles seguem condenados a repetir os mesmos erros.
Não fiz na carreira na área, mas tenho gostado cada vez mais de matemática. Recomendo o curso online Effective Thinking Through Mathematics, que acabo de concluir. O amor à matemática é amor à verdade. E vocês conhecem a frase: a verdade nos libertará….
11 de novembro de 2016
Cedê Silva é jornalista.
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