Poucos judeus acham que Israel seja um país perfeito e imune a críticas. É a demonização seletiva que nos incomoda
Criticar Israel é ser antissemita? Até onde vai o limite do antissionismo (ódio a Israel) e começa o do antissemitismo (ódio aos judeus)? Nestes dois anos em que tive a honra de liderar a comunidade judaica do Rio de Janeiro, sempre que surgiu uma declaração violenta contra Israel, fomos cobrados a agir em nome do combate ao antissemitismo. Nessas horas, temos de deixar a indignação de lado e nos guiarmos por parâmetros claramente definidos.
Para iniciarmos esta discussão, precisamos esclarecer um ponto importante. Nenhum judeu acredita que você seja antissemita somente porque critica Israel. É exatamente o contrário. Apenas reconhecemos que, se você é antissemita, seu preconceito contra os judeus certamente influencia suas posições sobre Israel. Assim como, se você for racista, isto também afetará suas opiniões sobre a África. Simples assim.
Em seguida, precisamos identificar o que é uma crítica legítima a Israel e o que é um ódio ao país movido principalmente pela repulsa ao povo que majoritariamente o habita. Não é difícil. Um dos recursos que usamos é pesquisar em que medida este crítico tão ferrenho das ações israelenses e defensor tão apaixonado da causa palestina dedica-se a algum outro tema nas áreas da política internacional e dos direitos humanos.
Basta uma busca rápida na internet para obtermos a resposta. Em grande parte das vezes, vê-se que esta mesma pessoa, publicação ou instituição jamais perde seu precioso tempo denunciando as atrocidades na Síria, as mutilações genitais no Sudão ou os bombardeios a civis no Iêmen. Nem mesmo as desumanas condições nos presídios e hospitais no Brasil a sensibilizam. Mas quando o acontecimento envolve Israel, lá está ele, revoltado, vociferando contra a “opressão” do Estado Judeu.
Poucos judeus acham que Israel seja um país perfeito e imune a críticas. É a demonização seletiva que nos incomoda, que nos convence cada vez mais de que ela não é apenas fruto da observação dos fatos, mas de um sentimento mais profundo. Um sentimento tão ruim, responsável por tantas tragédias ao longo dos séculos, que acaba provocando um comportamento de negação naquele que o nutre.
“Não sou antissemita, sou antissionista” ou “não tenho nada contra os judeus, apenas contra Israel”, costumam justificar. A estes, temos um recado. Se você faz vista grossa a todas as injustiças do mundo, mas olha com lupa qualquer ação de Israel em seu conflito com os palestinos; se acha que a fonte dos problemas de mais de 20 países árabes é o único Estado judeu da região; se repete e compartilha qualquer denúncia macabra contra Israel sem sequer checar antes, você tem um problema. Ele se chama antissemitismo e negá-lo não irá mascará-lo.
21 de outubro de 2016
Paulo Maltz, O Globo
Criticar Israel é ser antissemita? Até onde vai o limite do antissionismo (ódio a Israel) e começa o do antissemitismo (ódio aos judeus)? Nestes dois anos em que tive a honra de liderar a comunidade judaica do Rio de Janeiro, sempre que surgiu uma declaração violenta contra Israel, fomos cobrados a agir em nome do combate ao antissemitismo. Nessas horas, temos de deixar a indignação de lado e nos guiarmos por parâmetros claramente definidos.
Para iniciarmos esta discussão, precisamos esclarecer um ponto importante. Nenhum judeu acredita que você seja antissemita somente porque critica Israel. É exatamente o contrário. Apenas reconhecemos que, se você é antissemita, seu preconceito contra os judeus certamente influencia suas posições sobre Israel. Assim como, se você for racista, isto também afetará suas opiniões sobre a África. Simples assim.
Em seguida, precisamos identificar o que é uma crítica legítima a Israel e o que é um ódio ao país movido principalmente pela repulsa ao povo que majoritariamente o habita. Não é difícil. Um dos recursos que usamos é pesquisar em que medida este crítico tão ferrenho das ações israelenses e defensor tão apaixonado da causa palestina dedica-se a algum outro tema nas áreas da política internacional e dos direitos humanos.
Basta uma busca rápida na internet para obtermos a resposta. Em grande parte das vezes, vê-se que esta mesma pessoa, publicação ou instituição jamais perde seu precioso tempo denunciando as atrocidades na Síria, as mutilações genitais no Sudão ou os bombardeios a civis no Iêmen. Nem mesmo as desumanas condições nos presídios e hospitais no Brasil a sensibilizam. Mas quando o acontecimento envolve Israel, lá está ele, revoltado, vociferando contra a “opressão” do Estado Judeu.
Poucos judeus acham que Israel seja um país perfeito e imune a críticas. É a demonização seletiva que nos incomoda, que nos convence cada vez mais de que ela não é apenas fruto da observação dos fatos, mas de um sentimento mais profundo. Um sentimento tão ruim, responsável por tantas tragédias ao longo dos séculos, que acaba provocando um comportamento de negação naquele que o nutre.
“Não sou antissemita, sou antissionista” ou “não tenho nada contra os judeus, apenas contra Israel”, costumam justificar. A estes, temos um recado. Se você faz vista grossa a todas as injustiças do mundo, mas olha com lupa qualquer ação de Israel em seu conflito com os palestinos; se acha que a fonte dos problemas de mais de 20 países árabes é o único Estado judeu da região; se repete e compartilha qualquer denúncia macabra contra Israel sem sequer checar antes, você tem um problema. Ele se chama antissemitismo e negá-lo não irá mascará-lo.
21 de outubro de 2016
Paulo Maltz, O Globo
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