Quando me bate a confusão mental, eu ligo para o Nelson Rodrigues. Ele me atende lá do céu de papelão azul, com estrelas de purpurina e nuvens de algodão, como um cenário de teatro de revistas.
– Rapaz... você me ligando como um telefonista de si mesmo? Achei que você tinha me esquecido.
– Você está sempre presente, Nelson... Mas é que entrei em parafuso com a história humana...
– Para com isso, rapaz; a História não existe, ela não flui... A História está sempre recomeçando. Há um momento de esperança... Depois, tudo se degrada em dramas, e chega, então, a tragédia... Depois, nos acostumamos à desgraça, e aí vem nova esperança... Esse é o ciclo... Não existe vida sem tragédia.
A História com H maiúsculo nunca existiu. Ela foi uma invenção daquele alemão, o tal do Hegel, que achava que o mundo marchava para uma grande realização do Espírito e, de repente, descobre que meia dúzia de malucos cheirando a banha de camelo está transformando a vida humana num sinistro pesadelo humorístico. Aliás, ele está sentado numa nuvem aqui perto, chorando lágrimas de esguicho, exalando uma cava depressão.
– Mas, Nelson, alguma lógica deve haver...
– Você também achava que a vida era movida pelas “relações de produção” e coisa e tal... Mas a única coisa que existe mesmo é a loucura humana... O homem não é superior aos outros animais. Ele é inferior, ele veio com defeito de fábrica... O Nietzsche, aquele cara esquisito que também anda por aqui, bigodudo, muito sério, falando sozinho, escreveu que na Terra os animais inteligentes inventaram o Conhecimento. Foi o instante mais arrogante e mentiroso do universo...
Aliás, ele me disse que aquele papo do Hegel tem de se inverter e ficar assim: “Tudo que achamos que é real é irracional, tudo que achamos irracional é real”. O Nietzsche é um craque... Sempre que eu posso, tomo um cafezinho com ele.
– Mas a loucura humana não pode vencer... E a Razão?
– A Razão é um luxo dos franceses...
– Você está culto, hein, Nelson?
– Aqui tenho tempo para ler, mas a eternidade é chata...
– Nunca vimos tanta crueldade...
– Rapaz, o problema é o seguinte: o sujeito vive no deserto, passando fome, é analfabeto, vê Paris, Londres, Nova York e enlouquece de inveja e parte para o terror...
O mundo nunca foi feliz; esse negócio de paz e felicidade global é invenção do comércio norte-americano... Os terroristas jogaram a gente de volta para dentro da tal “história”. Isso tinha de acontecer... Como eles iam suportar aquela “paz norte-americana”, com tudo arrumadinho como um supermercado?
A loucura é a revolta do animal domesticado. Esse papo da humanidade dando milho para os pombos é lero-lero. Deus não quer isso. Deus é violento. Vai olhar a Bíblia, a Torá; é tudo no “olho por olho”. Lembra-se da Inquisição? (Estou falando baixo porque Ele está aqui perto consolando o Hegel).
– Mas como chegamos a isso?
– Ao contrário, como isso chegou a nós? Os esquerdofrênicos esculhambaram aquele livro “Choque de Civilizações” e querem sempre botar a culpa no Ocidente. “Ah... fomos cruéis no passado, imperialistas etc...”. Mas não é só isso. Há um choque, sim. Grande parte do islã apoia, sim, os assassinos. Na Turquia, num jogo de futebol, vaiaram até o minuto de silêncio em homenagem aos mortos...
– Mas precisamos fazer alguma coisa...
– Esse negócio de “precisamos” é outra ilusão. Não há quem faça o que “precisamos”. O Ocidente achava que estava tudo certinho, confortável, tudo resolvido. E surgiram os homens-bomba... Como evitar terremotos? Temos de aceitar o “insolúvel”. É isso...
– Mas é a barbárie total!
– Rapaz, nunca saímos da barbárie: duas guerras mundiais num século, holocausto, sem contar Vietnã e coisa e tal... Se os alemães fizeram aquilo tudo, se os norte-americanos derreteram 150 mil em 30 segundos em Hiroshima, imagine aqueles cretinos... Ficamos chocados porque eles descobriram o “indivíduo”, o nosso orgulho renascentista... O Stálin lá do inferno disse: “A morte de milhões é uma estatística. A morte de um indivíduo é uma tragédia”. Aí, a gente fica com medo... Reparou que os islamitas parecem um homem só? Todos calmos, com a certeza da verdade a lhes iluminar a fisionomia... A loucura é calma, o louco não tem dúvidas... Por isso, eles vão ganhar sempre...
– Como assim? – pergunto como nos filmes de mau diálogo.
– O negócio é que eles estão gozando de um prazer incrível. Eles não estão se vingando mais de ninguém... Eles têm a paixão do mal, de fazer o inominável... Eles querem conhecer o Mal absoluto. É um desejo de horror, é a volúpia do crime. A delícia da impiedade. O Hitler gostava de olhar por um buraco a câmara de gás matando os judeus. É o mal sublime... Isso. Esses caras querem desmoralizar o demônio que, me disseram, está humilhadíssimo lá em baixo.
– Eles acham que o martírio leva ao paraíso... Aliás, você viu algum por aí?
– Olha, a gente vai para o céu em que acredita. Os árabes não vêm para cá; se bem que o paraíso deles não é longe... Outro dia, eu resolvi dar uma espiadinha... Parecia o baile do “Bola Preta”, rapaz.
Vi os terroristas dando autógrafos, cheios de macacas de auditório em volta.
O Muhammed Atta, aquele chefe do 11 de Setembro, estava deitado numa cama de ouro, com odaliscas do Catumbi rebolando a dança do ventre – tudo que eles não tinham no deserto têm aqui, em cima...
Pois agora, rapaz, vou te dizer uma coisa política séria: os reis da Arábia Saudita, Catar, estão dando grana para eles e ficam felicíssimos que os inimigos sejam a Europa e a América, porque vivem em seus palácios com cascatinhas artificiais e filhotes de jacaré nadando dentro, enquanto os miseráveis batem cabeça para Alá. São os otários de Maomé. Isso é que é o haxixe do povo!
– Nelson, você ficou marxista aí, no céu?
– O Marx me chama de reacionário, mas me ouve muito. E ele anda chateadíssimo com as bobagens que escrevem sobre ele na academia. Aí, eu disse para ele: “Olha, Marx, a burrice é uma força da natureza, feito o maremoto”. Ele vive repetindo isso. Achou uma graça infinita... Bom sujeito, o Marx...
25 de novembro de 2015
Arnaldo Jabor
Nenhum comentário:
Postar um comentário