PARIS – Naquela tarde, o aeroporto de Atenas era pequeno demais para uma multidão tão grande. A ditadura militar do coronel Georgios Papadopoulos, que dera o golpe em 1967, caíra de podre e violências, derrubada por ondas de protestos nas ruas no turbulento julho de 1974. Eu estava lá, escrevendo o meu livro “Socialismo com Liberdade”.
Os militares foram obrigados a chamar de volta do exílio, em Paris, devolvendo-lhe o governo, o ex-primeiro-ministro Konstantinos Karamanlis, da ND (“Nova Democracia”), partido de centro, que organizou um governo de transição, convocou eleições gerais e ganhou.
Mas aquela festa era de Andreas Papandreou, fundador e líder do Partido Socialista, o Pasok (“Movimento Socialista Pan-Helenico”), também exilado em Paris, que voltava para disputar as eleições.
Minha amiga grega já me havia levado para jantar com um grupo de dirigentes socialistas correligionários dela. Eu a conhecera dez anos antes, em 1963, eu eleito deputado na Bahia, ela ainda na Universidade, jovem, linda, rosto longo e fino de deusa grega, olhos bem negros, misteriosos, estudando português, apaixonada pelo Brasil.
MELINA MERCOURI
A caminho do aeroporto no carro de um dos secretários internacionais do partido, ele nos avisou:
– Vai haver muita gente na chegada. Guardem o numero deste carro e o nome do motorista. Se nos perdermos, entrem nele, porque vamos direto para o comício na praça do Parlamento e ele levará vocês até lá.
Papandreou apareceu na escada do avião, a multidão em delírio. Atrás dele, uma bonita e sorridente mulher, loura de olhos claros, cujo nome o povo gritava mas eu não entendia. Imaginei ser a mulher dele. Ele foi posto em cima de um carro tipo de bombeiros e fez-se o cortejo.
A bela mulher do avião entrou no nosso carro, deu um beijo em cada um, abriu a janela e passou a saudar a multidão. Era a divina Melina Mercouri, atriz de “Stela” “Fedra” e “Nunca aos Domingos”.
Os gregos ensinavam como derrubar uma ditadura. Com o povo.
TSIPRAS
Passados 40 anos, a Grécia voltou aos tumultuados dias de 1974. Ainda bem que sem ditadura, mas tendo que enfrentar nas ruas e praças a brutal ladroagem dos banqueiros internacionais acoitados em suas instituições cada dia mais poderosas e vorazes: Fundo Monetário Internacional, Banco Central Europeu e Bancos alemães e ingleses.
Mais uma vez a velha Grécia de Péricles, que há 2.500 anos construiu a democracia, reunindo o povo na praça e ensinando-o a votar, dá ao mundo lições de liberdade e união popular. Dois jovens em torno dos 40 anos comandam essa batalha que é uma festa de coragem.
Alexis Tsipras, fundador e líder do Syriza (Aliança Socialista Radical) e Vangelis Meimarakis, líder da “Nova Democracia”, honram os que vieram antes deles no Pasok e na “Nova Democracia”, com todas as diferenças que os novos tempos trouxeram para o mundo e para a Grécia.
BATALHA PARLAMENTAR
A Grécia é um regime parlamentar. Faz o governo com a maioria que saiu das eleições. A bravura política do Tsipras e seus companheiros mostrou mais uma lição grega. Saiu das anteriores eleições com maioria simples, teve dificuldade de compor um governo majoritário, foi encurralado pela insaciável gula dos banqueiros e devolveu a palavra ao povo: renunciou à chefia do governo, suspendeu o parlamento e convocou novas eleições para o país dar a palavra final.
As eleições de domingo premiaram-lhe a bravura: o Syriza elegeu 145 deputados, 5 a menos para completar a maioria absoluta de 150 (em um total de 300). O segundo mais votado, o velho Nova Democracia liderado por Meimarakis, fez 75. O neo-nazista Aurora Dourada 19. O antigo Pasok 17 e o KKE 14. O Syriza já garantiu maioria em aliança que esta sendo negociada com o Pasok (17) e o KKE (14).
ANGELA MERKEL
É uma pena que a esvoaçante Melina Mercouri, com sua coragem e fidelidade ao povo, e os Papandreous não possam estar ai celebrando a firmeza de seus discípulos, quaisquer que sejam as divergências de hoje.
A Grécia precisa estar forte para enfrentar os gangsters da agiotagem internacional, acoitados pela bênçãos melífluas da madre superiora alemã Angela Merkel. Apesar das sofridas concessões que a Grécia fez, o insuspeito jornal espanhol “El Pais” confessa:
“- Se a Gran Recesión foi a maneira de ensinar ao mundo um pouco de economia, a crise do euro obriga o gregos a aprenderem que, votem em quem votem, terão duros ajustes daqui por diante.”
O nome disso é chantagem.
28 de setembro de 2015
Sebastião Nery
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