Querida tia
Continuo neste maravilhoso emprego na Terra da Fantasia. Trabalho no máximo quatro vezes por semana. O salário está sempre em dia, e, quando eu e meus colegas queremos aumento, a união é completa, mesmo entre rivais. Decidimos, sem a menor dificuldade, quanto será nossa remuneração.
Tenho várias secretárias, assessores e motorista. Não gasto um tostão com eles, que inclusive ajudam na caixinha do gabinete, doando parte do salário. Não pago nada de aluguel e ainda reformaram novamente todo o apartamento. Não gastei um tostão. Também não pago correio, internet e passagens aéreas. Meu plano de saúde é o melhor do Brasil, e o carro, claro, também é totalmente grátis, incluindo manutenção e combustível.
Tem umas tais de emendas, que negocio com uns empresários – gente fina –, bastando apresentar uns projetos de obras, e lá vem dinheiro vivo. O chato é que em algumas vezes tenho que abrir conta bancária em nome de outra pessoa, numas ilhas de que nunca havia ouvido falar. Dizem que lá tem menos fraude. Dá muito trabalho, por isso há uns profissionais, os operadores, que resolvem tudo e cobram apenas uma percentagem, serviço muito bem organizado que existe há décadas. Um orgulho para todos nós!
Tenho horror em lembrar do tempo em que tinha que bater ponto, pagar aluguel e conta de luz e as férias eram só de 30 dias. Aqui é muito diferente. Tem um recesso sem nada e um tal de recesso branco, o que dá um tempão de folga extra. Acho estranho esse recesso branco, parece discriminação racial. Nem questiono, pois vejo uns bobos que querem mudar tudo. Isso é falta de coleguismo – antiético. Afinal, a vaca deles é que vai pro brejo.
O melhor de tudo é que posso ficar por aqui pelo resto da vida. Eta emprego bom! O único perigo é cometer uma tal de falta de decoro, que sinceramente ainda não sei o que é. Aí o bicho pega!
Deus me livre de ter que trabalhar 35 anos para me aposentar, possivelmente velho e doente, e ainda não receber o salário integral. Aqui não tem essa não. O pessoal fez um regulamento bem legal, e ninguém pode mudar essas coisas. Somos nós que regulamentamos tudo no país.
Por tudo isso estou te escrevendo para pedir ajuda. Têm falado muito mal de mim e de meus colegas. No meu caso, acho que é discriminação pelo meu sobrenome. Tia, a diferença entre nós dois está apenas pelo lado materno: Honesto e Desonesto. Implicam sempre com o lado do paizão Silva.
Sei que a senhora continua pobre, na fila do SUS, mas confie em mim e continue firme, pois sabe que estou aqui, na Terra da Fantasia, lutando para ajudar meus amigos, em especial as famílias dos Honestos e Esquecidos que me deixaram conseguir este empregão.
Mande em mensagem para o meu patrão, Eleitorelson Brazuca, o que a senhora e nossos amigos, os Honestos e os Indiferentes, pensam de mim. Nas redes sociais, divulguem o que faço e quem eu sou!
Um beijo.
Deputilson Desonesto da Silva
29 de abril de 2015
Alfredo Guarischi
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