Cultivar a ideia da supressão do PT revela o impulso de amputar nossa história. O PT é parte do que somos
A prisão de João Vaccari simboliza a "prisão preventiva do próprio PT", declarou Aécio Neves, do PSDB, secundado pelo deputado Rubens Bueno, líder do PPS, para quem o episódio "representa o PT na cadeia". Mais prático, o senador Ronaldo Caiado, líder do DEM, sugeriu que os desdobramentos poderiam resultar na perda do registro partidário do PT. A ideia de eliminação do PT, evocada pioneiramente por Jorge Bornhausen, do antigo PFL, em 2005, encontra eco entre setores dos manifestantes do 15 de março e do 12 de abril. Nessas circunstâncias, o dever de ensinar aos exterministas como funciona uma democracia não pode ser terceirizado ao próprio PT.
As condenações de José Dirceu, José Genoino e Delúbio Soares, bem como a prisão preventiva de Vaccari, evidenciam que, no núcleo dirigente do PT, incrustou-se uma organização criminosa. A se julgar pelas receitas da empresa de consultoria de Dirceu e pelas movimentações bancárias da família Vaccari, a corrupção tradicional, essa "velha senhora" (Dilma Rousseff), está entre as atividades da quadrilha.
O seu foco, porém, é a corrupção de novo tipo, "netinha peralta da velha senhora" (Roberto Romano), destinada a cristalizar um bloco de poder. Mas nada disso autoriza a impressão de um carimbo policial na estrela do PT.
O PT não se confunde com a organização criminosa nele incrustada. O partido, semeado no chão da luta contra a ditadura militar, não é uma sigla de conveniência como as criadas por Gilberto Kassab, o despachante do Planalto para negócios cartoriais. É sua militância e sua base de filiados, responsável por eleições internas que mobilizam centenas de milhares de cidadãos. É, sobretudo, sua base eleitoral, constituída por vários milhões de brasileiros. O PT é parte do que somos.
Sibá Machado, líder petista no Senado, classificou como "política" a prisão de Vaccari. Os políticos presos do PT ergueram os punhos para declarar-se prisioneiros políticos. André Vargas repetiu o gesto no Congresso, diante de Joaquim Barbosa, para dizer que o PT não reconhece a legitimidade do STF.
O Partido cindiu o país em "nós" e "eles", reproduzindo no plano da linguagem o que fazem, por meios policiais, regimes autoritários de esquerda.
O Partido celebra tiranias, aplaude violações de direitos políticos em Cuba e na Venezuela, clama pela limitação da liberdade de imprensa no Brasil, fabrica listas negras de críticos, qualificando-os como "inimigos da pátria". Mas a aversão petista ao equilíbrio de poderes e à pluralidade política não justifica o erro simétrico, que é crismar o PT como "inimigo da pátria".
Na mensagem ao 5º Congresso Nacional do PT, a direção partidária interpreta o "sentimento antipetista" como reação conservadora "às ações políticas de inclusão social" dos governos Lula e Dilma.
Vendando os olhos dos militantes, embalando-os numa ilusão complacente, os dirigentes postergam uma difícil, mas inevitável, revisão crítica. De fato, o "sentimento antipetista" expressa a vontade de evitar a identificação entre Estado e Partido. Já a manipulação exterminista desse sentimento não passa de uma cópia invertida do desejo petista de anular o direito à divergência.
No Palácio, o PT perdeu o patrimônio moral indispensável para defender a democracia. Hoje, triste ironia, são os críticos do PT que podem desempenhar o papel de advogados da sua existência como ator legítimo. Pedir o impeachment da presidente, por bons ou maus motivos, não atenta contra a ordem democrática. Sobram razões para gritar por um governo sem o PT, algo que serviria tanto ao Brasil quanto ao PT, que só na planície será capaz de entender as virtudes do pluralismo político.
Por outro lado, cultivar a ideia da supressão do PT revela o impulso autoritário de amputar nossa história.
Vaccari é caso de polícia; o PT, não. A estrela fica.
19 de abril de 2015
Demétrio Magnoli, Folha de SP
NOTA AO PÉ DO TEXTO
Um texto estranho, desusado, inusitado. Confesso que não consigo distinguir o PT, o partido, de sua cúpula, de seus quadros mais destacados, e principalmente de sua "estrela" maior, o sindicalista Lula, hoje milionário, esquecido da Ética que assinalou a fundação do partido, da luta contra o regime militar, e segundo consta de sua "biografia", uma figura nascida das mãos do general Golbery do Couto e Silva.
Nascido para controlar as greves do ABC... Para tramar às ocultas com empresários entregando "companheiros"... Hoje, abandonando-os a própria sorte.
O partido é, e representa, a ideologia de seus mentores, intelectuais de esquerda, dirigentes que deveriam pautar suas ações pela orientação de um programa partidário.
O que seria então, um partido, senão a expressão de sua liderança, de seu programa, de sua ideologia? Diga-se de paisagem, que visto por esse ângulo, o Brasil não tem partidos. Tem associações de interesses, ambição de poder.
Mas não foi isso que aconteceu, quando o PT alcançou o estrelato.
Não estavam preparados para governar, senão apenas para perpetuar-se no poder. Lambuzaram-se na ganância, locupletaram-se, privatizaram o país e o usaram a seu bel prazer, esquecidos de que havia uma nação confiante nas promessas de transformação. Como diz o velho ditado, "quem nunca comeu melado, quando come se lambuza". E aconteceu mais ou menos isso...
Vinculado ao Foro de São Paulo, o partido cumpriu as diretrizes básicas idealizadas pelo Forum, cujo objetivo muito claro, dado suas estreitas relações com paises e organizações extremistas de esquerda, articulava transformar o país no modelo autoritário bolivariano.
Mas o Brasil não é um país linear. O Brasil, além de ser um país continental, é complexo em suas relações com o poder central. Uma federação de feições próprias, flutuante, que se move através de regras pouco convencionais.
Não entendo que o partido não seja expressamente a sua cúpula dirigente, norteadora das ações. Seus militantes não participam de decisões. Seus militantes apenas seguem o pastor, como bom rebanho. Cegos, obedientes, prontos para o sacrifício. Para dizer numa palavra tudo, seus militantes acreditam em suas lideranças, e não acreditam nos escândalos e corrupções denunciados toda semana. Julgam que não passam de calúnias políticas, de arranjos para destruir o partido, o partido totêmico que alimenta sonhos ocultos e esperanças.
Convenções partidárias não expressam sentimentos da militância. Nada ou nenhuma ação de natureza política expressa ou permite a convergência de interesses coletivos ou de seus membros, que divirjam da orientação central da liderança mor. Simulação de uma espécie de "democracia", velha falácia que embala e ilude fanáticos e cegos.
A "estrela fica"? Talvez fique, talvez não... Certo, porém, é que se resistir a ser cadente, carregará em sua história, a permanente mancha dos tempos em que abusou, embalada pela ambição de um guia despreparado, apenas "carismático", sem atribuições de qualquer graça divina, mas em seu sentido pejorativo, identificado como manipulação, habilidade de enganar, linguagem popular, imitando e fazendo valer a figura do "homem do povo" redesenhado com a ascensão ao poder, com discurseiras. firulas, calões e baboseiras, que o diferenciam da figura tradicional do político arrumadinho, bem preparado, excelente discurso, mas que ao cabo e ao fim, mentem tanto quanto...
O retrato do oportunismo, que inaugurou uma nova dimensão do discurso e da criminalidade política. Mas de um novo oportunismo, nascido da ambição ressentida, do ódio classista, do "narcisismo" torto.
Criminalizar seus quadros, distinguindo-os do partido, parece-me difícil, diria meio esquizofrênico.
A "estrela fica"? Pouco importa... Agora, com seu brilho já em extinção, será apenas uma referência do mau uso do poder, uma referência da enorme arte de corromper, uma referência do mal e da perversidade política, uma referência que aglutinou à sua volta, o que havia de pior em recursos humanos.
m.americo
A prisão de João Vaccari simboliza a "prisão preventiva do próprio PT", declarou Aécio Neves, do PSDB, secundado pelo deputado Rubens Bueno, líder do PPS, para quem o episódio "representa o PT na cadeia". Mais prático, o senador Ronaldo Caiado, líder do DEM, sugeriu que os desdobramentos poderiam resultar na perda do registro partidário do PT. A ideia de eliminação do PT, evocada pioneiramente por Jorge Bornhausen, do antigo PFL, em 2005, encontra eco entre setores dos manifestantes do 15 de março e do 12 de abril. Nessas circunstâncias, o dever de ensinar aos exterministas como funciona uma democracia não pode ser terceirizado ao próprio PT.
As condenações de José Dirceu, José Genoino e Delúbio Soares, bem como a prisão preventiva de Vaccari, evidenciam que, no núcleo dirigente do PT, incrustou-se uma organização criminosa. A se julgar pelas receitas da empresa de consultoria de Dirceu e pelas movimentações bancárias da família Vaccari, a corrupção tradicional, essa "velha senhora" (Dilma Rousseff), está entre as atividades da quadrilha.
O seu foco, porém, é a corrupção de novo tipo, "netinha peralta da velha senhora" (Roberto Romano), destinada a cristalizar um bloco de poder. Mas nada disso autoriza a impressão de um carimbo policial na estrela do PT.
O PT não se confunde com a organização criminosa nele incrustada. O partido, semeado no chão da luta contra a ditadura militar, não é uma sigla de conveniência como as criadas por Gilberto Kassab, o despachante do Planalto para negócios cartoriais. É sua militância e sua base de filiados, responsável por eleições internas que mobilizam centenas de milhares de cidadãos. É, sobretudo, sua base eleitoral, constituída por vários milhões de brasileiros. O PT é parte do que somos.
Sibá Machado, líder petista no Senado, classificou como "política" a prisão de Vaccari. Os políticos presos do PT ergueram os punhos para declarar-se prisioneiros políticos. André Vargas repetiu o gesto no Congresso, diante de Joaquim Barbosa, para dizer que o PT não reconhece a legitimidade do STF.
O Partido cindiu o país em "nós" e "eles", reproduzindo no plano da linguagem o que fazem, por meios policiais, regimes autoritários de esquerda.
O Partido celebra tiranias, aplaude violações de direitos políticos em Cuba e na Venezuela, clama pela limitação da liberdade de imprensa no Brasil, fabrica listas negras de críticos, qualificando-os como "inimigos da pátria". Mas a aversão petista ao equilíbrio de poderes e à pluralidade política não justifica o erro simétrico, que é crismar o PT como "inimigo da pátria".
Na mensagem ao 5º Congresso Nacional do PT, a direção partidária interpreta o "sentimento antipetista" como reação conservadora "às ações políticas de inclusão social" dos governos Lula e Dilma.
Vendando os olhos dos militantes, embalando-os numa ilusão complacente, os dirigentes postergam uma difícil, mas inevitável, revisão crítica. De fato, o "sentimento antipetista" expressa a vontade de evitar a identificação entre Estado e Partido. Já a manipulação exterminista desse sentimento não passa de uma cópia invertida do desejo petista de anular o direito à divergência.
No Palácio, o PT perdeu o patrimônio moral indispensável para defender a democracia. Hoje, triste ironia, são os críticos do PT que podem desempenhar o papel de advogados da sua existência como ator legítimo. Pedir o impeachment da presidente, por bons ou maus motivos, não atenta contra a ordem democrática. Sobram razões para gritar por um governo sem o PT, algo que serviria tanto ao Brasil quanto ao PT, que só na planície será capaz de entender as virtudes do pluralismo político.
Por outro lado, cultivar a ideia da supressão do PT revela o impulso autoritário de amputar nossa história.
Vaccari é caso de polícia; o PT, não. A estrela fica.
19 de abril de 2015
Demétrio Magnoli, Folha de SP
NOTA AO PÉ DO TEXTO
Um texto estranho, desusado, inusitado. Confesso que não consigo distinguir o PT, o partido, de sua cúpula, de seus quadros mais destacados, e principalmente de sua "estrela" maior, o sindicalista Lula, hoje milionário, esquecido da Ética que assinalou a fundação do partido, da luta contra o regime militar, e segundo consta de sua "biografia", uma figura nascida das mãos do general Golbery do Couto e Silva.
Nascido para controlar as greves do ABC... Para tramar às ocultas com empresários entregando "companheiros"... Hoje, abandonando-os a própria sorte.
O partido é, e representa, a ideologia de seus mentores, intelectuais de esquerda, dirigentes que deveriam pautar suas ações pela orientação de um programa partidário.
O que seria então, um partido, senão a expressão de sua liderança, de seu programa, de sua ideologia? Diga-se de paisagem, que visto por esse ângulo, o Brasil não tem partidos. Tem associações de interesses, ambição de poder.
Mas não foi isso que aconteceu, quando o PT alcançou o estrelato.
Não estavam preparados para governar, senão apenas para perpetuar-se no poder. Lambuzaram-se na ganância, locupletaram-se, privatizaram o país e o usaram a seu bel prazer, esquecidos de que havia uma nação confiante nas promessas de transformação. Como diz o velho ditado, "quem nunca comeu melado, quando come se lambuza". E aconteceu mais ou menos isso...
Vinculado ao Foro de São Paulo, o partido cumpriu as diretrizes básicas idealizadas pelo Forum, cujo objetivo muito claro, dado suas estreitas relações com paises e organizações extremistas de esquerda, articulava transformar o país no modelo autoritário bolivariano.
Mas o Brasil não é um país linear. O Brasil, além de ser um país continental, é complexo em suas relações com o poder central. Uma federação de feições próprias, flutuante, que se move através de regras pouco convencionais.
Não entendo que o partido não seja expressamente a sua cúpula dirigente, norteadora das ações. Seus militantes não participam de decisões. Seus militantes apenas seguem o pastor, como bom rebanho. Cegos, obedientes, prontos para o sacrifício. Para dizer numa palavra tudo, seus militantes acreditam em suas lideranças, e não acreditam nos escândalos e corrupções denunciados toda semana. Julgam que não passam de calúnias políticas, de arranjos para destruir o partido, o partido totêmico que alimenta sonhos ocultos e esperanças.
Convenções partidárias não expressam sentimentos da militância. Nada ou nenhuma ação de natureza política expressa ou permite a convergência de interesses coletivos ou de seus membros, que divirjam da orientação central da liderança mor. Simulação de uma espécie de "democracia", velha falácia que embala e ilude fanáticos e cegos.
A "estrela fica"? Talvez fique, talvez não... Certo, porém, é que se resistir a ser cadente, carregará em sua história, a permanente mancha dos tempos em que abusou, embalada pela ambição de um guia despreparado, apenas "carismático", sem atribuições de qualquer graça divina, mas em seu sentido pejorativo, identificado como manipulação, habilidade de enganar, linguagem popular, imitando e fazendo valer a figura do "homem do povo" redesenhado com a ascensão ao poder, com discurseiras. firulas, calões e baboseiras, que o diferenciam da figura tradicional do político arrumadinho, bem preparado, excelente discurso, mas que ao cabo e ao fim, mentem tanto quanto...
O retrato do oportunismo, que inaugurou uma nova dimensão do discurso e da criminalidade política. Mas de um novo oportunismo, nascido da ambição ressentida, do ódio classista, do "narcisismo" torto.
Criminalizar seus quadros, distinguindo-os do partido, parece-me difícil, diria meio esquizofrênico.
A "estrela fica"? Pouco importa... Agora, com seu brilho já em extinção, será apenas uma referência do mau uso do poder, uma referência da enorme arte de corromper, uma referência do mal e da perversidade política, uma referência que aglutinou à sua volta, o que havia de pior em recursos humanos.
m.americo
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