O candidato derrotado à presidência do Brasil, Aécio Neves, parece falar em nome de muitos dos seus compatriotas quando diz que o PT e a presidente Dilma Rousseff utilizaram dinheiro roubado para derrotá-lo nas eleições presidenciais ocorridas no país em outubro de 2014.
No mês passado, em uma entrevista concedida a mim, em Lima, perguntei ao senhor Neves — que é presidente do Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB) — se ele atribuía sua derrota nas eleições ao fato de o socialismo proposto pela senhora Rousseff, que é da esquerda linha-dura, possuir maior apelo entre os brasileiros do que o programa do PSDB, que era um pouco mais amigável ao mercado.
Ele negou essa possibilidade. Segundo ele próprio, ele perdeu por causa de um "crime organizado".
O senhor Neves, ex-governador do estado de Minas Gerais, não estava se referindo à máfia. Ele estava falando sobre um esquema de corrupção implantado no núcleo da Petrobras, a empresa estatal de petróleo do país. Promotores afirmam que empreiteiras contratadas pela Petrobras participaram de um esquema de superfaturamento envolvendo a diretoria da empresa e partidos políticos da base aliada do governo (no Brasil, os partidos da base aliada indicam políticos para a diretoria de operações da empresa).
Nesse esquema, as empreiteiras superfaturavam os preços de suas obras, a Petrobras pagava o valor superfaturado para as empreiteiras, e estas, em troca, remetiam uma fatia desse dinheiro superfaturado — cujo valor total, estima-se, chega a 30 bilhões de dólares — para políticos de partidos da base aliada do governo, entre eles o PT, como forma de agradecimento pelo superfaturamento. Isso destruiu o capital da Petrobras.
O PT gastou uma assombrosa quantia de dinheiro na campanha eleitoral para vencer as eleições, e parece estar cada vez mais claro que ele só conseguiu fazer essa gastança por causa dos milhões que recebeu ilegalmente desse esquema de corrupção na Petrobras. Se isso se comprovar verdade, isso foi de fato um crime, e muito bem organizado.
E os escândalos continuam surgindo a uma velocidade arrepiante. É como se a cada fiapo que você puxasse em um cobertor, ele se levantasse e revelasse não somente um, mas vários esquemas ilícitos que estavam escondidos.
E o grande risco é que, mesmo com novos esquemas de corrupção sendo revelados quase que semanalmente, a população brasileira não aprenda a mais importante das lições: sim, a justiça deve punir os corruptos, mas o que realmente gerou toda essa bagunça foi o tamanho do estado brasileiro, cujo poder e gigantismo abrangem todos os setores da economia brasileira.
Com um estado que intervém em todos os setores da economia, e que controla diretamente várias empresas, de nada adianta você apenas trocar indivíduos corruptos por indivíduos "mais honestos". Isso não irá eliminar as causas da corrupção.
No Brasil, empresas estatais são controladas por políticos. Consequentemente, a tentação de utilizar a dinheirama que passa por essas estatais — principalmente nos momentos em que os preços das commodities estão em ascensão e o dinheiro se torna farto — sempre será irrefreável. Esperar que políticos não se aproveitem desses recursos é como imaginar que a raposa gerenciará sensatamente um galinheiro repleto de galinhas gordas.
[Nota do IMB: esse esquema entre estatais e empreiteiras, envolvendo superfaturamento, fraudes em licitações e desvio de recursos das estatais para o pagamento de propina a políticos é tão antigo e tão básico, que é impressionante que apenas agora as pessoas demonstrem surpresa com ele.
Toda a esquisitice já começa em um ponto: por que os políticos disputam acirradamente o comando das estatais? Por que políticos reivindicam a diretoria de operações de uma estatal? Que políticos comandem ministérios, vá lá. Mas a diretoria de operações de estatais é um corpo teoricamente técnico. Por que políticos? Qual a justificativa?
Quem acompanha o jornalismo político já deve ter percebido que os partidos políticos que compõem o governo federal não se engalfinham tanto na disputa de ministérios quanto se engalfinham na disputa para a diretoria de estatais. É óbvio. É nas estatais que está o butim. As obras contratadas por estatais são mais vultosas do que obras contratadas por ministérios. O dinheiro de uma estatal é muito mais farto. E, quanto mais farto, maior a facilidade para se fazer "pequenos" desvios.
Isso, e apenas isso, já é o suficiente para entender por que políticos e sindicalistas são contra a privatização de estatais. Estatais fornecem uma mamata nababesca.
Quando políticos e sindicalistas gritam "o petróleo é nosso", "o minério de ferro é nosso", "a telefonia é nossa", "a Caixa é nossa", eles estão sendo particularmente honestos: aquele pronome possessivo "nosso" se refere exclusivamente a "eles", os únicos que ganham com todo esse arranjo.
Mas a necessidade de privatização das estatais não está apenas no campo ético. Há também argumentos técnicos e econômicos.
Em primeiro lugar, em qualquer empresa que tenha como seu maior acionista o Tesouro nacional, a rede de incentivos funciona de maneiras um tanto distintas. Eventuais maus negócios e seus subsequentes prejuízos ou descapitalizações serão prontamente cobertos pela viúva — ou seja, por nós, pagadores de impostos, ainda que de modos rocambolescos e indiretos.
Os problemas de haver empresas nas mãos do estado são óbvios demais: além de o arranjo gerar muito dinheiro para políticos, burocratas, empreiteiras ligadas a políticos, sindicatos e demais apaniguados, uma empresa ser gerida pelo governo significa apenas que ela opera sem precisar se sujeitar ao mecanismo de lucros e prejuízos.
Todos os déficits operacionais serão cobertos pelo Tesouro, que vai utilizar o dinheiro confiscado via impostos dos desafortunados cidadãos. Uma estatal não precisa de incentivos, pois não sofre concorrência financeira — seus fundos, oriundos do Tesouro, em tese são infinitos.
Por que se esforçar para ser eficiente se você sabe que, se algo der errado, o Tesouro irá fazer aportes?
O interesse do consumidor — e até mesmo de seus acionistas, caso a estatal tenha capital aberto — é a última variável a ser considerada.]
Se a senhora Rousseff está sendo honesta ou não quando diz que não sabia de nada sobre esse esquema de corrupção na Petrobras, é o de menos. Seu maior problema, como o senhor Neves deixou implícito, é que as acusações colocaram em cheque a legitimidade de sua apertada vitória nas eleições (por uma margem de aproximadamente 3%). Enquanto seu partido luta para rebater as acusações, e alguns de seus mais importantes membros estão sendo presos, a senhora Rousseff já está sem moral para governar.
No dia 15 de março, um número estimado em 1,5 milhão de brasileiros foi à ruas, em todo o país, para protestar contra o governo. Uma recente pesquisa do Datafolha mostra que 60% da população consideram o governo da senhora Rousseff "ruim" ou "péssimo".
Se a economia estivesse pujante, a reação pública a essas revelações de corrupção poderia ser diferente. Só que essa crise política não poderia ter vindo em pior momento para o bolso dos brasileiros. A inflação de preços acumulada em 12 meses está em 8,13%, a moeda se desvalorizou acentuadamente no mercado mundial, a economia ficou parada em 2014, e estima-se que, em 2015, ela encolherá mais de 1%.
A senhora Rousseff nomeou para o Ministério da Fazenda o economista Joaquim Levy, formado em Chicago e com boa reputação no mercado financeiro. Até o momento, seu plano de governo se resume a um retorno à disciplina fiscal. Só que ele precisará da ajuda dos aliados do PT — dentre eles o poderoso Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB) — no Congresso. Por ora, eles têm se mostrado relutantes; e, quando aceitam ajudar, a senhora Rousseff tem de arcar com o custo político do ajuste. Logo, mesmo que o senhor Levy seja bem-sucedido em ajustar as contas do governo, a popularidade da senhora Rousseff pode não se recuperar.
Os escândalos de corrupção tendem a se arrastar por causa de seu tamanho e complexidade. No mês passado, o tesoureiro do PT, João Vaccari, foi acusado de solicitar as "doações" das empreiteiras — com o dinheiro da Petrobras — para o partido. Em um depoimento perante um comitê há duas semanas, o senhor Vaccari negou qualquer transgressão. [Nota do IMB: e hoje ele foi preso].
Um dos principais problemas para a Petrobras foi o fato de o governo ter proibido a participação de empresas estrangeiras nos processos de licitação. Isso incentivou um cartel das empreiteiras nacionais, todas elas protegidas pelo governo. O Ministério Público já acusou três ex-presidentes da Petrobras [José Eduardo Dutra, Sergio Gabrielli e Maria das Graças Foster] e mais vários outros presidentes de grandes empreiteiras brasileiras [Camargo Corrêa, OAS, Odebrecht, UTC, Queiroz Galvão, Engevix, Mendes Júnior, Galvão Engenharia e IESA Óleo & Gás] pelo crime de corrupção e lavagem de dinheiro. Há também quase 50 políticos pertencentes a vários partidos sob investigação.
Os protestos contra a corrupção são um indicador da vitalidade da sociedade civil brasileira. A independência do judiciário também é uma boa notícia. O pequeno time de promotores é bem treinado. Um trabalho investigativo de alta qualidade vem sendo feito não obstante os poderosos indivíduos envolvidos. Em um país que vem sofrendo para acabar com a impunidade, isso é um grande feito.
Mas não é o bastante. A questão premente ainda segue intocada: quando a classe política se envolve na gerência de empresas, a corrupção se torna institucionalizada. Punir os escroques é necessário, mas ainda insuficiente. O grande problema a ser atacado, e que é a causa de tudo, é o fato de o governo ser o dono de empresas.
18 de abril de 2015
Mary Anastasia O’Grady é editora do The Wall Street Journal e faz a cobertura de eventos da América Latina.
Fonte: Instituto ludwig von Mises Brasil
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