"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

sábado, 25 de outubro de 2014

CONTRABANDO LEGISLATIVO

 


Deputados e senadores, em especial os mais vividos, sabem o quanto pode ser custosa, em termos políticos, a defesa de um projeto de lei que afronte o interesse público. Sempre que podem, portanto, valem-se de expedientes sorrateiros para tentar encobrir seus propósitos inconfessáveis.

Poucos instrumentos legislativos prestam-se mais a esse tipo de embuste do que as medidas provisórias --cujo abuso pelo Executivo, aliás, já representa uma distorção.

Editada em sua versão original pela Presidência da República, essa peça normativa responde, cada vez mais apenas na teoria, a demandas urgentes e relevantes, tendo por isso tramitação prioritária.

Nessa prioridade inúmeros congressistas enxergam uma oportunidade. Aproveitando-se da inércia de uma medida provisória qualquer, nela embutem as mais diversas propostas, desde aquelas que não alcançariam consenso em uma das Casas até as que jamais mereceriam o apoio da população.

O exemplo mais recente da anomalia está na medida provisória 651, assinada pela Presidência em 9 de julho. Quando chegou ao Congresso, tinha 51 artigos e tratava do Refis, programa que reduz juros e parcela dívidas tributárias. Ao ser aprovada pela Câmara na semana passada, contava 114 artigos e versava sobre tudo e mais um pouco.

Nesse contrabando entrou um dispositivo malicioso. Por sugestão do senador Gim Argello (PTB-DF), o deputado Newton Lima (PT-SP) incluiu no texto regra que anistia parte das dívidas de condenados por desvio de recursos públicos.

Se a lei passar assim como está, gestores e empresas que tenham cometido irregularidades poderão ganhar o benefício de pagar o que devem com exclusão de juros e multas, em parcelas que podem se prolongar por até 15 anos.

Não é pouco o que está em jogo. Somente em 2013, a Advocacia-Geral da União, responsável por cobrar dívidas após condenação judicial ou administrativa, iniciou 2.109 processos com vistas a receber pouco mais de R$ 1 bilhão.

De acordo com o próprio Newton Lima, a emenda não prosperará. Ainda que a medida provisória ganhe o aval do Senado, o que parece provável, o trecho indecoroso será vetado pela presidente Dilma Rousseff (PT), afirma. Pode ser. Mas convém vigiar de perto.

25 de outubro de 2014

Editorial Folha de SP

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