“Nobel dos números” para brasileiro é quase uma ironia em um país que patina no ensino das ciências matemáticas
Ganhar o maior prêmio mundial de matemática não é uma crônica anunciada para os brasileiros. Não se trata do nosso forte, embora bem pudesse ser. É fato que, em meio aos nossos 190 milhões em ação, milhares nasceram fadados à exatidão dos números e são muitos os que talam os cotovelos para resolver os problemas mais cabeludos, fazendo a sua parte. Mas nesse quesito o país joga mais contra do que a favor, e paga um preço alto por isso, não é de hoje.
Mesmo assim, contra tudo e contra todos, o carioca Artur Ávila, 35 anos, levou o “Nobel da Matemática”, a Medalha Fields da União Internacional de Matemática (IMU), entregue desde 1936, de quatro em quatro anos, para até quatro pesquisadores. A contribuição de Ávila: seus estudos de “teoria do caos” e as pesquisas de “sistemas dinâmicos” – espécie de problemas abertos, em geral bastante divertidos, calcados em conexões inusitadas de causa e efeito. Deve-se lembrar que Artur ajudou a resolver três dos 15 problemas matemáticos do século 21, levantados por Barry Simon, o que por si só o faz merecedor de uma parada militar.
Ponha-se na conta da perplexidade o caráter marginal dessa área do conhecimento no país. É deixada na sombra mesmo em meio às demais ciências, o que as torna, sem distinção, carentes de incentivo público e de exemplos palpáveis para os mais jovens. Cientistas e pesquisadores – por motivos que pedem uma tese – não são propriamente populares por aqui, ao contrário das luzes dedicadas a astros de futebol e estrelas de televisão. Logo, não causa espanto que tão poucos adolescentes e jovens marquem um xis na opção “cientista” quando decidem o que “querem ser”. E, à invisibilidade científica, some-se um dilema ainda maior: o pouco alcance da própria matemática, pródiga em não fazer discípulos. É uma disciplina maltratada no sistema público de ensino. Estima-se que o déficit de professores na área de exatas esteja próximo de 170 mil profissionais, o que redunda no fato de que neste exato momento um brasileirinho está voltando para casa por falta de professor de... Matemática.
Daí o caráter anestésico provocado pela premiação de Artur. Ele é visto como um ponto fora da curva, uma daquelas exceções à regra que não servem de refresco para nossos problemas sociais e educacionais. Outras vozes, rápidas, hão de apontar a genialidade do rapaz – conceito enganoso que faz acreditar que, se o pesquisador tivesse nascido nos interiores e frequentado uma escola deficitária, chegaria aonde chegou de qualquer maneira. A teoria do gênio não se sustenta, como se sabe. Nem a argumentação de que Artur estudou em superescolas do Rio de Janeiro, e daí vem todo o seu êxito. Ajudou, claro. Mas é bem mais produtivo entender o que o levou tão longe. No meio desse caminho contaram os bons colégios, o incentivo dos pais, mas principalmente ter se engajado no sistema internacional de estudos de matemática. Artur ganhou olimpíadas do gênero, garimpou seu lugar em instituições importantes, trabalhou junto com semelhantes do mundo inteiro. É gênio, mas também preparado e parte de uma comunidade científica.
Nossa propalada síndrome de vira-lata bem podia se chamar síndrome de lanterninha, em especial quando se trata de desempenho escolar e científico. O assento garantido nas últimas posições é confirmado a cada dois anos, desde o início da década passada, quando o país passou a amargar as piores posições no teste internacional Pisa, que avalia leitura, matemática e ciências entre estudantes de 15 anos. Ele serve de régua para medir o quanto enroscamos as pernas em questões básicas: nossas escolas têm grande mérito teórico, pensamento pedagógico arrojado, mas se atropelam em metodologia de ensino e avaliação. O resultado é que milhares de crianças e adolescentes frequentam aulas, mas não aprendem. Outros jovens como Artur nos escapam.
Modos de reverter esse quadro existem aos montes – basta lembrar as escolas inglesas, onde o científico e o artístico caminham pari passu: os pátios escolares estão cheios de alunos, mas também de olheiros, em busca de talentos para o balé, para a música, mas também para os laboratórios avançados de toda e qualquer ciência. O Brasil precisa acordar – ou melhor: nós precisamos acordar o Brasil a esse respeito. Quem sabe a medalha de Artur sirva para isso. Ele é uma das nossas glórias: trabalha no Centre National de la Recherche Scientifique, em Paris, mas também no Instituto Nacional de Matemática Pura e Aplicada (Impa), no Rio de Janeiro, um centro avançado capaz de tantos feitos, embora nem sempre nos demos conta disso. Essa história começa no nosso quintal – eis o fato.
Ganhar o maior prêmio mundial de matemática não é uma crônica anunciada para os brasileiros. Não se trata do nosso forte, embora bem pudesse ser. É fato que, em meio aos nossos 190 milhões em ação, milhares nasceram fadados à exatidão dos números e são muitos os que talam os cotovelos para resolver os problemas mais cabeludos, fazendo a sua parte. Mas nesse quesito o país joga mais contra do que a favor, e paga um preço alto por isso, não é de hoje.
Mesmo assim, contra tudo e contra todos, o carioca Artur Ávila, 35 anos, levou o “Nobel da Matemática”, a Medalha Fields da União Internacional de Matemática (IMU), entregue desde 1936, de quatro em quatro anos, para até quatro pesquisadores. A contribuição de Ávila: seus estudos de “teoria do caos” e as pesquisas de “sistemas dinâmicos” – espécie de problemas abertos, em geral bastante divertidos, calcados em conexões inusitadas de causa e efeito. Deve-se lembrar que Artur ajudou a resolver três dos 15 problemas matemáticos do século 21, levantados por Barry Simon, o que por si só o faz merecedor de uma parada militar.
Ponha-se na conta da perplexidade o caráter marginal dessa área do conhecimento no país. É deixada na sombra mesmo em meio às demais ciências, o que as torna, sem distinção, carentes de incentivo público e de exemplos palpáveis para os mais jovens. Cientistas e pesquisadores – por motivos que pedem uma tese – não são propriamente populares por aqui, ao contrário das luzes dedicadas a astros de futebol e estrelas de televisão. Logo, não causa espanto que tão poucos adolescentes e jovens marquem um xis na opção “cientista” quando decidem o que “querem ser”. E, à invisibilidade científica, some-se um dilema ainda maior: o pouco alcance da própria matemática, pródiga em não fazer discípulos. É uma disciplina maltratada no sistema público de ensino. Estima-se que o déficit de professores na área de exatas esteja próximo de 170 mil profissionais, o que redunda no fato de que neste exato momento um brasileirinho está voltando para casa por falta de professor de... Matemática.
Daí o caráter anestésico provocado pela premiação de Artur. Ele é visto como um ponto fora da curva, uma daquelas exceções à regra que não servem de refresco para nossos problemas sociais e educacionais. Outras vozes, rápidas, hão de apontar a genialidade do rapaz – conceito enganoso que faz acreditar que, se o pesquisador tivesse nascido nos interiores e frequentado uma escola deficitária, chegaria aonde chegou de qualquer maneira. A teoria do gênio não se sustenta, como se sabe. Nem a argumentação de que Artur estudou em superescolas do Rio de Janeiro, e daí vem todo o seu êxito. Ajudou, claro. Mas é bem mais produtivo entender o que o levou tão longe. No meio desse caminho contaram os bons colégios, o incentivo dos pais, mas principalmente ter se engajado no sistema internacional de estudos de matemática. Artur ganhou olimpíadas do gênero, garimpou seu lugar em instituições importantes, trabalhou junto com semelhantes do mundo inteiro. É gênio, mas também preparado e parte de uma comunidade científica.
Nossa propalada síndrome de vira-lata bem podia se chamar síndrome de lanterninha, em especial quando se trata de desempenho escolar e científico. O assento garantido nas últimas posições é confirmado a cada dois anos, desde o início da década passada, quando o país passou a amargar as piores posições no teste internacional Pisa, que avalia leitura, matemática e ciências entre estudantes de 15 anos. Ele serve de régua para medir o quanto enroscamos as pernas em questões básicas: nossas escolas têm grande mérito teórico, pensamento pedagógico arrojado, mas se atropelam em metodologia de ensino e avaliação. O resultado é que milhares de crianças e adolescentes frequentam aulas, mas não aprendem. Outros jovens como Artur nos escapam.
Modos de reverter esse quadro existem aos montes – basta lembrar as escolas inglesas, onde o científico e o artístico caminham pari passu: os pátios escolares estão cheios de alunos, mas também de olheiros, em busca de talentos para o balé, para a música, mas também para os laboratórios avançados de toda e qualquer ciência. O Brasil precisa acordar – ou melhor: nós precisamos acordar o Brasil a esse respeito. Quem sabe a medalha de Artur sirva para isso. Ele é uma das nossas glórias: trabalha no Centre National de la Recherche Scientifique, em Paris, mas também no Instituto Nacional de Matemática Pura e Aplicada (Impa), no Rio de Janeiro, um centro avançado capaz de tantos feitos, embora nem sempre nos demos conta disso. Essa história começa no nosso quintal – eis o fato.
28 de agosto de 2014
Editorial Gazeta do Povo, PR
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