O país tem a ganhar se aproveitar as pressões atuais para racionalizar a exploração de mananciais e adotar a gestão compartilhada dos recursos hídricos
Crises quase sempre trazem no seu rastro alguma imposição de quebra de rotinas, normas ou protocolos. Sair delas implica, também em geral, boas doses de sacrifício. Mas, a depender de como sejam enfrentadas, podem se transformar em agentes de necessárias transformações, se delas se extraírem lições. É o caso, por exemplo, da atual seca na bacia do Rio Paraíba do Sul, que jogou Rio e São Paulo numa guerra pela água.
Seja em razão de problemas climáticos (uma inédita estiagem prolongada no Sudeste), ou em decorrência de pífios planos governamentais de racionalização no uso dos mananciais, ou ainda pela crença, enraizada na população e governantes, de que o Brasil jamais teria problemas com esse bem vital, a região metropolitana de São Paulo está sob risco de desabastecimento. A crise transbordou para o Rio de Janeiro quando o governo paulista decidiu reduzir a vazão de um afluente do Paraíba do Sul, com risco de criar dificuldades no abastecimento a municípios fluminenses. Até acordo entre Rio, São Paulo e Minas, esta semana, o que havia sobressaído era a opção preferencial por penadas políticas, em vez de soluções técnicas. A população ainda espera que respostas de fundo possam emergir da crise.
O que ficou patente nas demandas trazidas à tona pela histórica seca em São Paulo é que o país não trata os recursos hídricos com a seriedade e a responsabilidade que a questão exige. Diferentemente de outros países, no Brasil a água, por abundante em determinadas regiões, não é vista como um bem a merecer cuidados. Em razão disso, há um descaso generalizado com a preservação de rios e matas ciliares, não se adotam políticas eficazes de racionalização — aí incluídas iniciativas de conscientização da população —, e programas de otimização da exploração dos mananciais em geral não costumam ser prioridade nas agendas do poder público. E não se trata de deficiência localizada, restrita à região do Paraíba do Sul: no São Francisco, com pontos críticos de “estresse hídrico", há inúmeros projetos que não saem do papel. E por aí vai. Tampouco, o problema é meramente conjuntural; ao contrário, estiagens têm sido recorrentes no país, como em 2003, quando houve sérias dificuldades de abastecimento no Rio de Janeiro.
O Brasil tem a ganhar se aproveitar as pressões da atual crise, ainda localizada, mas com reflexos em todo o país, pelas consequências na economia de uma região onde há a maior concentração do PIB nacional. Deve-se pelo menos discutir alternativas como a criação de uma instância federal de gestão hídrica compartilhada, com agenda única e perfil técnico — à maneira das Autorithys americanas, com poder de cuidar de conflitos, como os que envolvem Rio e São Paulo, e futuros. Programas de governo precisam contemplar, como prioridade, questões relacionadas ao tema. São lições, impostas pela crise, que podem ajudar o país a aperfeiçoar sua fluida política de águas.
Crises quase sempre trazem no seu rastro alguma imposição de quebra de rotinas, normas ou protocolos. Sair delas implica, também em geral, boas doses de sacrifício. Mas, a depender de como sejam enfrentadas, podem se transformar em agentes de necessárias transformações, se delas se extraírem lições. É o caso, por exemplo, da atual seca na bacia do Rio Paraíba do Sul, que jogou Rio e São Paulo numa guerra pela água.
Seja em razão de problemas climáticos (uma inédita estiagem prolongada no Sudeste), ou em decorrência de pífios planos governamentais de racionalização no uso dos mananciais, ou ainda pela crença, enraizada na população e governantes, de que o Brasil jamais teria problemas com esse bem vital, a região metropolitana de São Paulo está sob risco de desabastecimento. A crise transbordou para o Rio de Janeiro quando o governo paulista decidiu reduzir a vazão de um afluente do Paraíba do Sul, com risco de criar dificuldades no abastecimento a municípios fluminenses. Até acordo entre Rio, São Paulo e Minas, esta semana, o que havia sobressaído era a opção preferencial por penadas políticas, em vez de soluções técnicas. A população ainda espera que respostas de fundo possam emergir da crise.
O que ficou patente nas demandas trazidas à tona pela histórica seca em São Paulo é que o país não trata os recursos hídricos com a seriedade e a responsabilidade que a questão exige. Diferentemente de outros países, no Brasil a água, por abundante em determinadas regiões, não é vista como um bem a merecer cuidados. Em razão disso, há um descaso generalizado com a preservação de rios e matas ciliares, não se adotam políticas eficazes de racionalização — aí incluídas iniciativas de conscientização da população —, e programas de otimização da exploração dos mananciais em geral não costumam ser prioridade nas agendas do poder público. E não se trata de deficiência localizada, restrita à região do Paraíba do Sul: no São Francisco, com pontos críticos de “estresse hídrico", há inúmeros projetos que não saem do papel. E por aí vai. Tampouco, o problema é meramente conjuntural; ao contrário, estiagens têm sido recorrentes no país, como em 2003, quando houve sérias dificuldades de abastecimento no Rio de Janeiro.
O Brasil tem a ganhar se aproveitar as pressões da atual crise, ainda localizada, mas com reflexos em todo o país, pelas consequências na economia de uma região onde há a maior concentração do PIB nacional. Deve-se pelo menos discutir alternativas como a criação de uma instância federal de gestão hídrica compartilhada, com agenda única e perfil técnico — à maneira das Autorithys americanas, com poder de cuidar de conflitos, como os que envolvem Rio e São Paulo, e futuros. Programas de governo precisam contemplar, como prioridade, questões relacionadas ao tema. São lições, impostas pela crise, que podem ajudar o país a aperfeiçoar sua fluida política de águas.
28 de agosto de 2014
Editorial O Globo
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