Banco foi condenado por tentar empurrar "venda casada" a cliente; processo cita agressão verbal de Gilberto Occhi, que foi até o local de trabalho de correntista para constrangê-la a aceitar pacote
Reportagem da revista Época:
Na noite de segunda-feira da semana passada, a maquiadora Sheila Góis, moradora de Aracaju, em Sergipe, repetia maquinalmente, como tantos brasileiros, seu ritual diário de lavar a louça após o jantar. O hábito envolve deixar a TV ligada no Jornal Nacional, de modo a se distrair com as notícias do dia.
Quando Sheila ainda acabava de retirar a louça da sala, ouviu, a caminho da cozinha, que a presidente Dilma Rousseff dera posse a seis ministros naquele dia, em mais uma daquelas tediosas cerimônias no Palácio do Planalto.
Escutou que um deles, Gilberto Occhi, assumiria o Ministério das Cidades. Sheila estacou, perplexa. Largou o prato que segurava e correu para a frente da televisão.
“Não é possível que esse homem tenha virado ministro. Estou decepcionada com a presidente e com nojo da política”, disse ao marido. A 280 quilômetros dali, em Maceió, Alagoas, o empresário Márcio Coelho também assistia ao Jornal Nacional. Ao saber da mesma notícia, tomou um susto. E se revoltou. “Entregaram o ouro para os bandidos”, pensou, segundo disse a ÉPOCA.
Tanto Sheila quanto Márcio conheceram Occhi quando ele era apenas um burocrata da Caixa Econômica Federal no Nordeste. Ambos acusam Occhi – que ingressou na Caixa no início dos anos 1980 – de obrigá-los a contratar serviços bancários para que pudessem conseguir um financiamento.
O nome dessa prática condenável é “venda casada”. Até dois anos atrás, ela era crime. Na semana passada, ÉPOCA conversou com os dois e teve acesso a documentos do Ministério Público, da Justiça Federal e de uma representação feita na Polícia Federal em Alagoas em junho de 2010. Eles apontam irregularidades cometidas por Occhi em sua passagem nos cargos de superintendente da Caixa em Sergipe e Alagoas.
Apesar de ser documentos públicos, os órgãos de inteligência do governo federal, como a Agência Brasileira de Inteligência (Abin), não puseram freio à indicação de Occhi para comandar um ministério com orçamento anual de R$ 15 bilhões.
Occhi faz parte de uma leva de ministros desconhecidos, nomeados por Dilma para desarticular o Blocão, a aliança formada por congressistas rebelados contra o governo.
Na terça-feira passada, durante a solenidade de transmissão do cargo, Occhi resolveu elogiar o presidente do PP, padrinho de sua ascensão ao ministério, o senador Ciro Nogueira (PI). “Acredito na seriedade com que ele conduz a presidência do PP e vejo seu espírito de liderança”, disse. “Nosso objetivo é nobre: é fazer com que as políticas cheguem àquelas pessoas que mais precisam.”
Não foi o que aconteceu com a maquiadora Sheila. Segundo ela, na tarde do dia 28 de dezembro de 2005, Occhi, então superintendente da Caixa Econômica Federal em Sergipe, e sua mulher, Cristina Piedade, então gerente de uma agência da Caixa em Aracaju, foram ao local de trabalho de Sheila, uma loja num shopping. Lá chegando, se apresentaram e disseram a ela, em tom ríspido, na frente de outros empregados e clientes, que o financiamento imobiliário que Sheila contraíra menos de dois meses antes seria cancelado e ela perderia seu apartamento se suspendesse o cheque especial, o cartão de crédito e um seguro.
A visita inesperada aconteceu após Sheila ter feito uma queixa à ouvidoria do banco de que um gerente a obrigara a contratar outros serviços quando, na verdade, ela queria apenas o financiamento de R$ 20.317,70, no prazo de 15 anos.
“Fiquei espantada com a presença do sujeito mais importante da Caixa em Sergipe bem ali no meu trabalho. Achei que tinha ido lá resolver meu problema. Nada disso. Ele e a mulher foram me insultar e ameaçar”, disse a ÉPOCA. Sheila afirma ter sido despejada do apartamento em 2009. No momento do despejo, carregava, no colo, Levi, seu único filho. “Occhi disse que eu perderia o apartamento, e perdi mesmo”, afirma.
Inconformada com o tratamento que recebera de Occhi e Cristina, Sheila processou a Caixa em 2007 por danos e por ter sido vítima da venda casada. Em 2011, o Tribunal Regional Federal da 5ª região lhe deu razão.
O desembargador Francisco Dias condenou a Caixa a pagar uma indenização de R$ 10 mil a ela. A Caixa acatou a decisão da Justiça e depositou a quantia na conta de Sheila. Dois meses depois, um procurador da República em Sergipe, Ruy Mello, denunciou criminalmente Occhi e Cristina. A Justiça Federal transformou-os em réus.
Por uma daquelas situações que ocorrem aos montes no Brasil, o processo foi arquivado em abril do ano passado. É que uma lei de 2012 deixou de tratar a venda casada como crime. “Quando fiz a denúncia, a venda casada era crime. Depois deixou de ser”, afirmou Mello a ÉPOCA. Pela legislação antiga, se Occhi tivesse sido condenado, poderia ter recebido pena de até cinco anos de prisão ou pagamento de multa.
Ao ver as cenas da posse de Occhi, o empresário Márcio, do ramo de hotelaria, lembrou-se de uma tarde do começo de 2010, quando Occhi, então superintendente da Caixa em Alagoas, e Cristina Piedade, então gerente de uma agência bancária em Maceió, foram a seu hotel.
De acordo com Márcio, o casal esteve lá para condicionar a aprovação de um financiamento imobiliário à contratação de um plano de previdência privada de R$ 100 mil.
Na ocasião, Márcio concedeu uma entrevista ao jornal Gazeta de Alagoas, em que afirmou: “Sinto-me extorquido, estou muito chateado e resolvi tirar da Caixa as minhas contas e dos meus funcionários”.
Em junho de 2010, Márcio entrou com uma representação criminal contra Occhi na Polícia Federal. Seus advogados não sabem se a PF abriu uma investigação após a denúncia. Márcio disse ter sofrido represálias depois do processo, mas não as especificou.
Por meio da assessoria de imprensa, a Caixa disse que não recorreu da decisão do TRF por uma impossibilidade legal e porque houve uma redução “substancial” no valor da indenização. Informou também que Cristina, mulher de Occhi, não está mais no banco – ela se aposentou em abril de 2010.
Por meio de sua assessoria de imprensa, o ministro Occhi negou ter ido ao local de trabalho de Sheila Góis. Disse que ele e sua mulher foram abordados por Sheila quando estavam no shopping. Afirmou que a Justiça arquivou a ação do Ministério Público por considerá-la “atípica”.
22 de março de 2014Disse que a retomada do imóvel de qualquer cliente da Caixa decorre exclusivamente por inadimplência ou descumprimento formal. Quanto à acusação de Márcio, Occhi disse que não é verdadeira, tanto que o MPF concluiu não haver provas para sustentar a denúncia. Afirmou, ainda, ser da rotina bancária do superintendente visitar clientes.
in implicante
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