Poucas invenções tiveram tanto potencial revolucionário quanto a internet. Comparada em importância à criação da roda ou da imprensa, a rede mundial de computadores concretizou de fato o conceito de aldeia global. Graças às supervias da informação, fronteiras perderam a razão de ser. Melhor: deixaram de existir. A troca, o compartilhamento e o fluxo contínuo de dados atravessam os cinco continentes em tempo real.
Com pouco mais de duas décadas de existência, a internet permitiu a efetiva globalização, sonho que antecedeu os grandes descobrimentos. Hoje, um terço da população da Terra tem acesso à rede, que segue a marcha ascendente e livre. São cerca de 2,5 bilhões de pessoas. No Brasil, mais da metade dos brasileiros estão conectados - 102 milhões de adultos e crianças segundo o Ibope. Estar fora criou os termos exclusão digital e analfabetismo digital, equivalentes no mundo moderno ao desconhecimento da leitura e da escrita.
É natural que a novidade, ao lado do deslumbramento decorrente das infinitas portas que escancara, tenha originado preocupações. Conhecida como terra sem lei, é o universo em que se pode tudo. A total liberdade no uso da rede - conhecida por neutralidade - é valor do qual ninguém abdica. Significa inexistir a possibilidade de tratamentos diferenciados para estes ou aqueles internautas. Ali todos são iguais. Não há espaço para mais iguais sejam eles quem forem.
O Marco Civil da Internet, Projeto de Lei do Poder Executivo em tramitação na Câmara há três anos, está com a votação prevista para esta semana. Trata-se de uma das proposições mais importantes dos últimos anos. Sem exagero, pode-se afirmar que é a Constituição da web. Define direitos e deveres dos cidadãos e das empresas na rede mundial. O texto é fruto do esforço de diferentes setores da sociedade que, depois de longo debate que começou em 2009, chegaram ao consenso do que seria ideal.
Emendas de plenário, porém, introduziram desvios que põem em risco o ambiente essencialmente democrático da era digital. O relator, Alessandro Molon, em consonância com a natureza da internet, assegurou o grau zero de discriminação - o fluxo da informação não sofreria interrupção decorrente de origem, destino, conteúdo, volume ou outra razão qualquer. Gigantes da telefonia e da radiodifusão lutam por diferenciar usuários segundo o volume de dados transmitidos.
Ocorre que frases com redação duvidosa podem abrir brechas para interferências do governo. São, no jargão legislativo, vocábulos ou períodos submarinos. Introduzidos sub-repticiamente no texto original, possibilitam interpretações elásticas. Segundo a inclinação do dono do poder, prestam-se a dar boas-vindas à censura.
17 de março de 2014
Editorial Correio Braziliens
Com pouco mais de duas décadas de existência, a internet permitiu a efetiva globalização, sonho que antecedeu os grandes descobrimentos. Hoje, um terço da população da Terra tem acesso à rede, que segue a marcha ascendente e livre. São cerca de 2,5 bilhões de pessoas. No Brasil, mais da metade dos brasileiros estão conectados - 102 milhões de adultos e crianças segundo o Ibope. Estar fora criou os termos exclusão digital e analfabetismo digital, equivalentes no mundo moderno ao desconhecimento da leitura e da escrita.
É natural que a novidade, ao lado do deslumbramento decorrente das infinitas portas que escancara, tenha originado preocupações. Conhecida como terra sem lei, é o universo em que se pode tudo. A total liberdade no uso da rede - conhecida por neutralidade - é valor do qual ninguém abdica. Significa inexistir a possibilidade de tratamentos diferenciados para estes ou aqueles internautas. Ali todos são iguais. Não há espaço para mais iguais sejam eles quem forem.
O Marco Civil da Internet, Projeto de Lei do Poder Executivo em tramitação na Câmara há três anos, está com a votação prevista para esta semana. Trata-se de uma das proposições mais importantes dos últimos anos. Sem exagero, pode-se afirmar que é a Constituição da web. Define direitos e deveres dos cidadãos e das empresas na rede mundial. O texto é fruto do esforço de diferentes setores da sociedade que, depois de longo debate que começou em 2009, chegaram ao consenso do que seria ideal.
Emendas de plenário, porém, introduziram desvios que põem em risco o ambiente essencialmente democrático da era digital. O relator, Alessandro Molon, em consonância com a natureza da internet, assegurou o grau zero de discriminação - o fluxo da informação não sofreria interrupção decorrente de origem, destino, conteúdo, volume ou outra razão qualquer. Gigantes da telefonia e da radiodifusão lutam por diferenciar usuários segundo o volume de dados transmitidos.
Ocorre que frases com redação duvidosa podem abrir brechas para interferências do governo. São, no jargão legislativo, vocábulos ou períodos submarinos. Introduzidos sub-repticiamente no texto original, possibilitam interpretações elásticas. Segundo a inclinação do dono do poder, prestam-se a dar boas-vindas à censura.
17 de março de 2014
Editorial Correio Braziliens
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