Ao disparar uma saraivada de farpas contra sua ex-ministra do Meio Ambiente Marina Silva, que aderiu a Eduardo Campos, ex-aliado e agora adversário eleitoral de sua favorita, Dilma Rousseff, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva revela um aspecto inusitado da disputa pela Presidência no ano que vem. A um ano da abertura das urnas, a campanha já tem um aspecto completamente diferente de eleições anteriores, com três candidatos declarados a presidente - Dilma, o tucano Aécio Neves e o governador de Pernambuco - e dois ocultos: o próprio Lula e a ex-senadora e fundadora de seu Partido dos Trabalhadores (PT).
A intensa atividade de Lula na campanha contraria frontalmente as lições que deu ao professor Fernando Henrique Cardoso, depois que o substituiu no governo. Disse, então: "Ele dá palpite o tempo inteiro e não se comporta como um ex-presidente deve se comportar". Àquela ocasião, Lula e seu partido já tinham trocado o objetivo de "mudar tudo o que está aí", quando chegassem ao poder, pela tática realista de "fazer o diabo para ficar no poder" e decretado, com isso, "às favas com os escrúpulos". E exigiu que Fernando Henrique não fizesse a oposição que Lula fez quando o seu adversário estava no poder. Por um motivo que lhe parecia indiscutível: "Nós estamos fazendo o governo que ele não quis fazer. Eu estou fazendo o Brasil que ele não conseguiu fazer".
Mas seria perda de tempo cobrar coerência de um líder político populista que, assim que lhe foi conveniente, adotou como lema de vida e postura um verso famoso cantado por Raul Seixas: "Eu prefiro ser essa metamorfose ambulante do que ter aquela velha opinião formada sobre tudo". Da mesma forma, ingênuo seria estranhar a virulência com que o ex-presidente passou a tratar dois antigos companheiros de estrada - o neto de Miguel Arraes e a herdeira da luta ambientalista de Chico Mendes. Na práxis do PT e de Lula eles são inimigos a combater e vencer.
A realidade é que o projeto do PT e de Lula é levar Dilma à vitória, se possível no primeiro turno. E isso tem parecido mais difícil depois que os índices de popularidade da presidente despencaram com as manifestações nas ruas em junho, nas quais ficou patente a insatisfação popular com os serviços públicos. Na queda, a fragilidade da candidata à reeleição se revelou por inteiro: dificuldade de se expressar, inabilidade ao se comunicar e incapacidade de seduzir. Mestre nessas artes, Lula, o rei dos palanques, foi chamado para salvar a pátria.
Marina atacou a política econômica de Dilma, dizendo que a marca do atual governo "tem sido o retrocesso. Não gostaria que a presidente tivesse essa marca. Ela cumpriu o seu papel, mas o modelo se esgotou, não tem mais para onde ir". E, já que a presidente não encontrou resposta para este repto, Lula respondeu por ela, na festa de aniversário do Bolsa Família, caça-votos prioritário das três gestões federais petistas: "Ela (Marina) deveria parar de aceitar com facilidade as lições que estão lhe dando". Fez, com isso, uma referência indireta à ligação de Marina com o economista André Lara Resende, um dos criadores do Plano Real, principal causa das vitórias que Fernando Henrique lhe impôs nos pleitos de 2002 e 2006.
Depois, num almoço com Dilma e ministros no Palácio da Alvorada, Lula não escondeu que assumiu com entusiasmo a tarefa de poupar a pupila de ter de responder às críticas dos adversários, reservando-se esse papel. "Depois de desencarnar por quase três anos, estou voltando à atividade política. Me aguardem em Pernambuco." Deixou claro com isso que o neto de seu velho aliado Miguel Arraes não perde por esperar.
Mostrando que a falta de modéstia não é mesmo seu maior defeito, Lula insinuou que o candidato de Campos a prefeito do Recife só ganhou a eleição porque ele não subiu no palanque do pretendente petista. E deixou claro que a missão de escudo de Dilma que ora cumpre pode ser um treino para a própria campanha no futuro: "Se me encherem o saco, em 2018 estou de volta". Ou seja, o lobo perdeu o pelo, mas não perdeu a manha.
01 de novembro de 2013
Editorial do Estadão
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