"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

segunda-feira, 30 de setembro de 2013

"UMA LINDA MULHER"

A pergunta que mata de medo as mulheres é: afinal, o que quer o homem numa mulher?
 
Recentemente participei de um debate sobre a trilogia "Cinquenta Tons".
 
Muitas críticas: típico best-seller que identifica um drama universal (o amor) e propõe uma solução "easy" (seja sadomasô light e o casamento virá); a srta. Steele (a heroína) não está a altura de Lady Chatterley (de D.H. Lawrence) nem das irmãs Justine e Juliette (do Marquês de Sade) nem da personagem de "História de O" (de Anne Desclos, sob o pseudônimo Pauline Réage), porque a srta. Steele se vende por um MacBook Pro, enquanto as outras são para valer. Tudo verdade.
 
O maior pecado de "Cinquenta Tons" é que ele vende uma fantasia: o homem ideal. Christian Grey é rico, bonito, inteligente, viril, experiente. Mas o fato é que as mulheres desejam mesmo homens fortes, viris, sensíveis até a página três, ricos não só de grana. Enfim, "Cinquenta Tons" vende porque fala para todas as mulheres, bobas, ignorantes, cultas ou críticas. Mas, como virou moda mentir, ninguém confessa.
 
Dias depois do debate, revi um filme idiota americano (como "Cinquenta Tons"), em que um milionário fodão (interpretado por Richard Gere) contrata uma garota de programa (Julia Roberts, ah! Se todas fossem iguais a você, Julia, que maravilha viver...) e acabam se apaixonando. Claro, o filme é "Uma Linda Mulher". A fórmula clara da gata borralheira do sexo que vira a esposa Cinderela.
 
Mas o longa é muito mais do que isso. Diante da crítica histérica de que é mais um filme machista (que sono...), vale notar que ele faz a pergunta que mata de medo as mulheres: afinal, o que quer o homem numa mulher?
 
Dirão as apressadas que o homem quer que a mulher traga uma cerveja e venha pelada. Errado: melhor de calcinha e salto alto. Seria a superficialidade masculina o último bastião da ideologia "dominante"? Bastião este que agrada a todas as mulheres porque as acalma: os homens só querem uma bunda!
 
O filme toca num tema atávico que deixa mesmo as meninas "críticas" de cabelo em pé: seria a garota de programa a mulher ideal?
 
O personagem de Gere é fodão. Ele sabe o que os fodões sabem: o mundo é repetitivo, e as pessoas são previsíveis. Querem dinheiro, reconhecimento e "serviços", e fazem qualquer coisa para conseguir, embora neguem.
 
Se, no fundo, todos estão à venda por "um programa" de sucesso, melhor sair com alguém mais honesto: a garota de programa é a mulher menos cara do mundo. Ela "só" quer dinheiro, e isso às vezes é uma bênção. Ela é a mulher ideal porque é a única diante da qual o homem relaxa.
 
Afinal, o que quer o homem numa mulher? Num dado momento do filme, Gere diz à bela Roberts: "As pessoas são previsíveis, mas você me surpreendeu" (não vou contar detalhes).
 
Não devemos menosprezar essa fala e o que acontece depois, o apaixonar-se pela garota de programa. Gere sabe o que diz: as pessoas são mesmo previsíveis. Mas hoje a moda é dizer que são todas "únicas".
 
La Roberts encanta o fodão porque ela não é óbvia, e a mulher óbvia só quer fodões.
 
Graças a ela, ele rompe o ciclo da desconfiança causada pela obviedade das mulheres, e graças a ele, ela se cansa de ser puta, porque a puta não é uma mulher de verdade.
 
Os homens sentem que as mulheres querem deles apenas sucesso (em todos os sentidos). Mas hoje virou moda dizer que isso não é verdade. Ficou pior porque continua sendo verdade, mas, quando o cara sente isso, ele deve se sentir um machista porque sabe disso.
 
O homem quer uma mulher para quem ele não tenha que ser o sr. Grey, mas a mulher não perdoa um homem fraco. A garota de programa perdoa porque "só" quer dinheiro.
 
A fraqueza masculina aniquila o desejo da mulher. Mas, como essa mulher ideal não existe (assim como o sr. Grey), o ideal acaba ficando colado ao corpo irreal da namorada "paga".
 
Mesmo sabendo que sr. Grey (um fodão) não existe, as mulheres não suportam homens que não se pareçam com ele, e esta é a verdade suprema de "Cinquenta Tons".
 
Por fim: uma amiga minha, psicóloga, me disse que muitos dos seus pacientes vêm ao consultório falar de como suas mães (fálicas) destroem seus pais (fracos).
 
São essas mulheres fálicas, segundo ela, que à noite gemem de solidão sonhando com o sr. Grey.
 
Óbvio?

30 de setembro de 2013
Luiz Felipe Pondé, Folha de São Paulo

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