O presidente da Câmara, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN) convocará uma sessão extraordinária para a noite desta terça-feira. O primeiro item da pauta de votações será uma proposta de emenda à Constituição que estava engavetada havia sete anos. Prevê a extinção de todas as modalidades de voto secreto existentes no parlamento –inclusive para as cassações de mandatos.
“Já decidi”, disse Henrique ao blog na noite passada. “Vou comunicar aos líderes que votaremos à noite a PEC que libera o voto aberto para tudo. Pautarei de qualquer maneira. Quem quiser se posicionar contra, que se apresente. Temos que dar uma resposta. Estou na Câmara há mais de 40 anos. Já vivi muita coisa. Mas nunca testemunhei um dano maior à imagem da Casa do que esse provocado pela decisão de quarta-feira passada.”
Henrique se referia à sessão em que a Câmara manteve o mandato do deputado-presidiário Natan Donadon (ex-PMDB-RO), condenado pelo STF a 13 anos de cadeia por peculato e formação de quadrilha. Nesta segunda-feira (2), o vexame foi potencializado por liminar (decisão provisória) expedida pelo ministro Luis Roberto Barroso, do Supremo, anulando a sessão em que a Câmara suicidou-se para salvar o mandato de Donadon.
Emendas à constituição precisam passar por dois turnos de votação. Essa proposta que o presidente da Câmara desengavetou já foi aprovada em primeiro turno. Deu-se há sete anos, no dia 5 de setembro de 2006. A Câmara arrostava nessa época um monumental desgaste. Sob a sombra do voto secreto, os deputados tinham acabado de absolver o 11º colega mensaleiro. Corria na web a imagem da então deputada Angela Guadagnin (PT-SP) executando em plenário os passos de uma coreografia tóxica: a dança da pizza.
Na bica de um reencontro com as urnas, que se daria em eleições marcadas para dali a um mês, os deputados de 2006 produziram uma votação apoteótica. A PEC do voto aberto foi aprovada por 383 a zero. Houve quatro abstenções. De repente, o fim da era das sombras convertera-se numa densa unanimidade. Logo se descobriria que era lorota. Passadas as eleições, a votação em segundo turno jamais aconteceu.
Presidia a Câmara nesse ocasião Aldo Rebelo (PCdoB-SP), hoje ministro dos Esportes. Ao comentar o resultado da votação em primeiro turno, disse que se tratava de “uma vitória da democracia e da população brasileira”. Deixou a presidência sem conseguir realizar a votação em segundo turno. Sobreveio a presidência do deputado Arlindo Chinaglia (PT-SP). E nada. Depois, passou a dar as cartas Michel Temer (PMDB-SP). Necas. A seguir, assumiu o comando da Câmara o companheiro Marco Maia (PT-RS). Nem sinal da PEC do voto aberto.
Por que tanta resistência? Alegou-se que a emenda votada em 2006, de autoria do então deputado paulista Antonio Fleury Filho, era abrangente demais. O voto secreto é utilizado no Congresso em várias votações. Por exemplo: processos de cassação de mandatos, eleição dos presidentes da Câmara e do Senado, escolha de autoridades como presidente e diretores do Banco Central e de agências reguladoras, indicação de ministros do STF e do TCU, além da análise de vetos presidenciais.
A desculpa mais frequente envolve os vetos presidenciais. Sustenta-se que, numa votação aberta, o parlamentar que ajudasse a derrubar um veto ficaria sujeito às retaliações do presidente de plantão. Henrique Alves recorda que uma emenda constitucional aprovada em primeiro turno não pode receber artigos novos no segundo turno. Mas a supressão de pedaços do texto é prevista no regimento.
“Se alguém quiser suprimir alguma coisa da proposta, poderá propor em plenário”, afirma o presidente da Câmara. “O que não dá é para continuar adiando essa decisão.” Há na Câmara uma emenda mais restritiva. Acaba com o voto secreto apenas nos casos de cassação de mandato. Henrique pretendia votar essa proposta. Foi impedido por um boicote não declarado.
De autoria do senador Alvaro Dias (PSDB-PR), a emenda que trata apenas do voto para a cassação de mandatos já foi aprovada no Senado. Na Câmara, precisa passar por uma comissão especial antes de chegar ao plenário. Alguns líderes partidários esquivaram-se de indicar os membros da tal comissão. Decorridos dois meses de corpo mole, Henrique valeu-se de uma prerrogativa regimental para indicar, ele próprio, os líderes e os vice-líderes dos partidos.
A comissão se instalou há cerca de três semanas. Depois disso, porém, não conseguiu realizar sessões. Sempre falta quórum. “Decidi não esperar mais”, disse Henrique Alves. “Sei que vou desagradar a muita gente, mas a Câmara precisa dar uma resposta. Eu e os outros deputados passaremos. O que fica é a instituição. Por isso levarei à pauta a PEC já aprovada em primeiro turno.”
Nesse caso, o presidente da Câmara não depende senão de si mesmo. A emenda está pronta para ganhar o plenário há sete anos. Para felicidade da plateia, a proposta que acaba com o voto secreto será decidida em votação aberta. Quer dizer: quem quiser votar contra terá de mostrar a cara às lentes da TV Câmara.
03 de setembro de 2013
Josias de Souza - UOL
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