Há palavras que emergiram na História para ficar. Simbolizam aspirações humanas universais e comovem gregos e troianos.
Por exemplo, democracia. Jamais conheci — nem tenho a esperança de conhecer — alguém que não seja democrata. Conheço gente de esquerda que afirma que a democracia foi mutilada pela direita, que está no poder. Conheço gente de direita que afirma estar a democracia ameaçada pela esquerda, que quer tomar o poder. Há quem afirme que vivemos numa democracia. Há os que lutam para que se chegue a um estado democrático, pois este não o seria. E quando surge uma revolução, os que sobem ao poder proclamam sempre o início de uma era democrática. E os que caem, choram a morte da democracia.
A palavrinha já tem mais de vinte séculos de idade e ainda não perdeu seu charme. Encanta tanto a Pinochet como a Olof Palme. Isabelita ou Gerald Ford. Brejnev ou Sakharov.
Sem dúvida alguma, os gregos eram insuperáveis na criação de palavras bonitas.
Outra palavra, também linda, surgiu também na Grécia. Mais precisamente na ilha de Lesbos. Pois os historiadores situam, de um modo geral, nos poemas de Safo de Lesbos, a primeira ocorrência na literatura da palavra amor. Safo descreveu, inclusive, uma série de sintomas físicos que diagnosticariam o amor. E os médicos da época apoiavam-se em Safo para definir a doença. Assim narra Plutarco o caso de um jovem enfermo:
— Erasístrato percebeu que a presença de outras mulheres não produzia efeito algum nele; mas quando Estratonice aparecia, só ou em companhia de Seleuco, para vê-lo, Erasístrato observava no jovem todos os sintomas famosos de Safo: sua voz mal se articulava; seu rosto se ruborizava; seus olhos olhavam furtivamente; um suor súbito irrompia através de sua pele; os batimentos de seu coração se faziam irregulares e violentos; e, incapaz de tolerar o excesso de sua própria paixão, ele tombava em estado de desmaio, de prostração, de palidez.
Quando Antíoco — pois assim se chamava o enfermo — recebeu Estratonice como presente de Seleuco, seu pai, desapareceram os sintomas da doença. Que talvez tenha contagiado Seleuco, pois afinal era o marido de Estratonice. Mas isto já é outra estória.
Assim era o amor, em suas origens. A palavra fez carreira, foi louvada e caluniada, definida e estudada. Hoje, é enunciada tanto por Paulo VI como por adolescentes em transportes de ternura. Como também por publicitários em campanhas de Natal.
Mas se a palavra democracia ainda avança robusta, a palavra amor está em franca decadência. Pelo menos para o escritor Alberto Moravia. Que afirma:
— O mito do amor está se desintegrando cada vez mais. Pouco a pouco, a mulher está se transformando, exigindo paridade com o homem, direito ao trabalho, liberdade sexual; o mito do amor está deixando de existir tanto para ela como para o homem. O mito estava anteriormente ligado à mulher que vivia tão-somente em função do homem amado, à virgem, à esposa íntegra e fiel, e tudo isso terminou. Terminou não apenas onde já terminou, mas também nos lugares onde continua existindo. E também a prostituição, que no passado era um elemento de equilíbrio para o matrimônio, está destinada a desaparecer. Curiosamente, seu fim se toma visível justamente no momento em que atingiu sua difusão máxima. Não existe contradição neste fato: foi a maior liberdade sexual, a ruptura com os tabus, que favoreceu sua explosão. Por outro lado, esta mesma liberdade sexual retirará da prostituição qualquer razão de ser, como, aliás, parece que já está ocorrendo nos países escandinavos, da mesma maneira como está acontecendo cada vez mais freqüentemente entre as jovens gerações. A transformação da mulher provocará uma transformação na sociedade.
E aqui se engana o lúcido Moravia. Pois se todos são democratas, o amor não o é. Nem os países escandinavos aboliram a prostituição. Pois, mesmo lá, o sexo pode ser livre, mas nem todos têm namorada.
03 de setembro de 2013
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