Quem está nesse grupo também se apossa de dados para justificar as suas escolhas. Dentre eles estão dados do Mapa da Violência 2015. Nele diz que o Estatuto do Desarmamento foi responsável por salvar a vida de mais de 160 mil pessoas.
No entanto, uma análise desses dados pode permitir outras conclusões.
O especialista em segurança Bene Barbosa, presidente da ONG Movimento Viva Brasil, publicou um artigo — em 2015, mas que continua atual — no seu site com uma análise do caso. De acordo com ele:
“A partir dos dados obtidos nas fontes oficiais que, repito, são as mesmas utilizadas para a confecção do Mapa da Violência, não chegamos à mesma conclusão veiculada pela imprensa pelos motivos abaixo elencados:
1. Desde 1996 há uma tendência de elevação na violência (traduzida pela crescente taxa de homicídios por 100.000 habitantes), em paralelo à tendência de elevação da taxa de homicídios por armas de fogo (também em eventos por 100.000 habitantes).
2. Entre 1999 e 2004 há um desvio desta curva que sugere uma incidência anormal de homicídios por arma de fogo. É preciso examinar com mais profundidade (“quebrar” os dados e contextualizar com os demais fatores que interferem nos índices) para determinar causas prováveis.
3. No entanto, como todo “surto”, este também mostrou sua tendência do retorno à média. Neste caso, não exatamente à média, mas à tendência histórica.
4. A partir de 2005, a curva retoma o crescimento anterior, até 2011, quando vemos nova inflexão para cima (2012). Não há dados disponíveis nos sistemas consultados para avaliar este novo fenômeno, mas o foco prioritário desta análise é o primeiro.
5. Em hipótese alguma, observa-se queda da taxa de homicídios após o advento do desarmamento, que, se existisse, se mostraria como uma queda progressiva da violência a partir de 2004 e assim se manteria até hoje, uma vez que o mesmo se encontra em plena vigência e como já dissemos, a partir de 2005 os homicídios voltaram a crescer.
6. É falsa, portanto, a afirmação de que mortes foram prevenidas pelo advento do desarmamento – em primeiro lugar porque a curva de incidência iniciou seu retorno à média antes dos efeitos do desarmamento, mas principalmente porque a projeção da curva não pode ser feita a partir de um período de “surto”, mas sim do período endêmico da série histórica.
7. Outro dado relevante para a análise é que a curva da taxa de homicídios é, durante toda a série histórica, paralela à curva de homicídios por arma de fogo. Se tivesse havido uma inflexão para baixo da curva da taxa de homicídios a partir de 2004 (quando efetivamente se iniciou o recolhimento de armas de fogo), poderíamos depreender que o desarmamento provocou uma redução gradual e constante da violência. Tivesse havido manutenção da curva de homicídios, mas redução da curva de homicídios por arma de fogo, poderíamos depreender que a violência se manteve, mas mudou de método. A conclusão aqui é que o desarmamento foi ineficaz, seja para reduzir a violência, seja para mudar a participação das armas de fogo nestes eventos.
8. Por fim, o crescimento constante da participação das armas de fogo nos homicídios (de 59% em 1996 para 71% em 2012) mostra que não só o poder público impediu o uso legítimo de armas de fogo pelo cidadão, mas falhou na redução da disponibilidade destas armas para os criminosos.
Após essa mais aprofundada análise, concluímos que nenhum estudo sério no mundo projeta taxas de homicídios como ferramenta de medição de eficácia de políticas de segurança pública. A queda pontual dos homicídios com utilização de armas foi acompanhada na mesma proporção pela queda dos homicídios com a utilização de outros instrumentos ficando assim comprovado que não existe relação com as restrições trazidas pelo estatuto do desarmamento.”
Em seu livro Mentiram para mim sobre o Desarmamento, o advogado Bene Barbosa ao falar sobre esses dados disse que:
“Em 2004, ano em que o Estatuto do Desarmamento entrou em vigor, o Brasil vivenciou o número assustador de 48.374 homicídios, de acordo com o Mapa da Violência 2006. Nesse ano a população brasileira, de acordo com o IBGE, era de 180 milhões de habitantes, o que nos dá um índice de 26,9 homicídios para cada 100 mil habitantes. Nos dez anos anteriores, de 1994 a 2003, o número de homicídios já havia saltado de 32.603 para 51.043, um aumento acima de 56%, três vezes mais do que o aumento populacional do mesmo período, de 18,4%. Ou seja, a taxa de homicídios em 1994, que já não era baixa (21,4 para cada 100 mil habitantes), evidenciava um problema sério de segurança pública, e que viria a piorar muito até os dias de hoje.
O Mapa da Violência, que é a base de informação usada pela maioria das organizações pró-desarmamento, e considerado o trabalho mais completo sobre as mortes violentas do Brasil, contém muitos dados úteis, mas também muitas inconsistências. Por exemplo, ao pegarmos o documento de 1998, o primeiro da série, encontraremos números de homicídio bastante diferentes do documento de 2006, no tocante aos dados de 1994, 1995 e 1996. Além disso, é fácil perceber algumas interpretações de dados forçadas e desprovidas de embasamento estatístico, sempre pendendo para a defesa de ações de desarmamento. O documento de 2006 afirma, na página 25, que o número de homicídios sofreu um crescimento assustadoramente regular até o ano de 2003, com incrementos bem elevados, em torno de 5,1% ao ano. Já em 2004, a tendência histórica reverte-se de forma significativa. O número de homicídios cai 5,2% em relação a 2003, fato que, como veremos mais adiante, pode ser atribuído às políticas de desarmamento desenvolvidas nesse ano.
Houve realmente uma redução no número total de homicídios entre 2003 e 2004, mas para creditar essa diminuição ao Estatuto do Desarmamento o autor do Mapa da Violência deveria ter apresentado um embasamento estatístico mínimo. Mas quem lê a última linha da citação acima e lê o restante do documento à procura desse “veremos mais adiante” só consegue encontrar, na página 155, a seguinte explicação: No primeiro ano de vigência do Estatuto do Desarmamento, e já implantada a campanha de recolhimento das armas de fogo em mãos da população, vemos os índices de homicídio caírem de forma significativa. Comparando com o ano anterior à vigência do Estatuto – 2003 – o número de homicídios em 2004 caiu acima de 5%.
Ou seja, o autor não apresenta uma justificativa estatística que prove sua hipótese. Ele apenas acredita que um estatuto que foi aprovado no dia 22 de dezembro de 2003, e que foi regulamentado apenas em 1 de julho de 2004, foi o responsável pela diminuição dos homicídios. Bom, se esse foi o caso, essa diminuição deveria ter continuado, invertendo a tendência de alta para uma tendência de baixa. Não foi o que aconteceu: em 2005 o número de homicídios tem uma pequena queda, em 2006 ele sobe acima do que fora em 2004, em 2007 cai de novo, para então voltar a subir sem parar.
Fica claro pelos números dos anos seguintes que o Estatuto do Desarmamento não reverteu a tendência de alta nos homicídios. Como já vimos nos capítulos anteriores, as medidas de desarmamento da população não foram acompanhadas por reformas essenciais dos aparatos judiciário, penitenciário e policial, e as quedas no número de homicídios em 2004 e 2005 não possuem correlação estatística com as entregas voluntárias de armas que foram feitas no período, mesmo quando tomadas em nível estadual. Por exemplo, em estados como Sergipe e Ceará, onde foram entregues 16.560 e 24.543 armas respectivamente, entre 1998 e 2008, a criminalidade aumentou em 226,1% e 115,8%. Já no Rio de Janeiro foram entregues 44.065 armas, e o índice caiu 28,7%. Um outro dado interessante: segundo a edição de 2010 dos Indicadores de Desenvolvimento Sustentável no Brasil, elaborado pelo IBGE, embora o Nordeste seja a região brasileira com o menor número de armas legais, é a que apresenta a maior taxa 72 de homicídios (29,6 por 100 mil habitantes). Em compensação, a Região Sul, que conta com a maior quantidade de armas legais do Brasil, apresenta a menor taxa de homicídios (21,4 por 100 mil habitantes).”
21 de janeiro de 2019
Texto escrito pelo colaborador Pedro Augusto
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