"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

terça-feira, 14 de agosto de 2018

DESAFIO PARA O PRÓXIMO PRESIDENTE

Desde que foi criado o Copom (Comitê de Política Monetária) em 1996, a Selic (taxa básica da economia) encontra-se no seu patamar mais baixo de 6,5% ao ano, após ter sido decapitada pela metade nos últimos dois anos. Este é um fato altamente relevante, embora o Brasil ainda continue sendo um dos países campeões internacionais dos juros elevados.

É evidente que o indivíduo comum ainda está distante de ter essa agradável sensação. Cada vez que alguém analisa uma tabela de juros cobrados por alguma instituição financeira, desejando financiar a compra de algum bem ou para concessão de um empréstimo, percebe imediatamente a necessidade de acelerar e aprofundar a queda dos juros na vida real. Por exemplo: em junho passado, segundo relatório divulgado pelo Banco Central (BC), a taxa média das operações realizadas na denominada carteira livre alcançou 38,5% ao ano, seis vezes a Selic atual. Nas linhas específicas destinadas a pessoas físicas, a média foi de 53,2% e, no cheque especial, superou 300%.

A prática nos leva à uma situação dificílima. Trata-se de combater o famoso spread bancário, que nada mais é do que a diferença entre a remuneração que o banco paga ao aplicador e o quanto a instituição cobra para emprestar o mesmo dinheiro. O seu comportamento explica o porquê de os juros manterem-se elevadíssimos para o consumidor. De acordo com alguns analistas, é bem possível que nas operações de crédito com recursos livres ele esteja, hoje, em torno de 34%.

Os presidenciáveis e seus “gurus” responsáveis pela elaboração dos programas econômicos têm que estar preparados para a discussão sobre os “famigerados” juros altos quando a campanha realmente esquentar. Não vejo como se esquivar dela. Os candidatos mais chegados ao atual governo não podem se limitar exclusivamente a vender aos eleitores a inusitada redução da Selic. Terão que provar como esta verdadeira conquista irá beneficiar a sociedade brasileira - consumidores, empreendedores e, principalmente, o expressivo empresariado das micro e pequenas empresas, que representam, comprovadamente, a grande força da economia brasileira.

Outra questão importante: na ponta dos empréstimos, os mais críticos, não têm o direito de utilizar um discurso populista contra a ambição descomunal dos bancos e, nem tampouco, da sua cumplicidade com o governo. Têm que, acima de tudo, se posicionar diante do eleitorado com propostas extremamente criativas e realmente consistentes. Inicialmente, o grande entrave está na falta de alternativas sólidas para mudar este quadro no curto prazo.

Lembro-me daquela proposta do programa do PT de tributar progressivamente os bancos numa correlação direta com o spread, que foi rejeitada pelos mercados. Há muito tempo persiste o consenso de que a concentração bancária é a principal causa dos spreads nas alturas.

Provavelmente, se houvesse mais concorrência no setor bancário, a situação seria bem diferente. Após as fusões e aquisições dos últimos anos e, de acordo com o último Relatório de Economia Bancária (REB) do BC, pouco mais de 80% dos ativos estão nas mãos de cinco bancos (Itaú Unibanco, Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal, Bradesco e Santander), a maior proporção entre os países emergentes e uma das maiores concentrações do sistema bancário do planeta. No crédito pessoal, estas mesmas instituições dominam mais de 75% das operações. É relevante abrir o mercado para contar com mais players, mais participantes da iniciativa privada, trazer mais investimento para o Brasil. A falta de competição é um incentivo à menor eficiência.

Acontece que também existem vários argumentos envolvendo a “falta de garantia” para os credores, abrindo, dessa forma, um caminho natural para a plena adoção do Cadastro Positivo. Esta é uma boa opção para o consumidor, que terá que fornecer o histórico dos seus pagamentos para que os bancos e instituições financeiras liberem um crédito mais adequado ao seu perfil. São exigidas muitas informações para melhor definir o risco de cada tomador, o que reduz a inadimplência e a necessidade de cobrar juros altos tanto de bons como de maus pagadores. Sem elas, existe a cobrança de juros elevados de todos que pleiteiam o crédito.

No primeiro desgoverno de Dilma, os bancos públicos reduziram os juros. A “iluminada” presidente, querendo baratear o crédito, usou as estatais, mas os bancos privados não seguiram o mesmo caminho e os públicos acabaram posteriormente elevando os juros. Ela criou um ambiente completamente artificial que fortaleceu, ainda mais, o fundamento de que não é na “marra” que os juros são derrubados.

Caso o próximo mandatário esteja decidido em manter o monumental descompasso existente entre os juros básicos e os juros na ponta, este será mais outro grande obstáculo para que nossa economia possa sair dessa letargia em que se encontra instalada.

Porém, se o País não procurar equilibrar suas contas, impedindo que seus gastos continuem superando suas receitas, fatalmente o resultado é cada vez mais dívida. Quanto mais o país se endivida, maiores serão os juros cobrados por quem empresta e, consequentemente, o risco de inadimplência aumenta consideravelmente. Isso reduz a confiança de quem investe no Brasil e faz com que as taxas de juros subam, propagando-se por toda a economia. Sem a reforma da Previdência, assistiremos ao colapso fiscal e a conquista de juros civilizados fica apenas no âmbito do sonho e na esperança de que um dia isso poderá acontecer, com grande possibilidade da Selic voltar a subir no próximo governo.

Não resta dúvida de que os bancos, mais cedo ou mais tarde, terão que se ajustar para enfrentar a concorrência. As “fintechs” (empresas que utilizam tecnologias para atuarem no setor financeiro) avançam no mercado e juntamente com as cooperativas de crédito estão demostrando que é possível diminuir as taxas, apesar de que não consigam ainda gerar pressão competitiva sobre as grandes instituições.

Pelo que tenho visto neste início de campanha, a concentração bancária é um tema que se destaca logo no debate sobre o crédito entre os presidenciáveis, por ter um notável apelo popular. O diagnóstico deles é muito simples e praticamente unânime: não existe concorrência suficiente.

Aliás, na semana passada, a decisão do BC sobre a operação realizada entre o Itaú Unibanco e a XP Investimentos é uma reação perfeita à crescente pressão da sociedade sobre a concentração bancária, visando estimular a competição no mercado financeiro. A saída para os bancos é terem uma gestão notadamente empreendedora, inovadora, buscando caminhos que lhes tragam diferenciais competitivos que possam mantê-los no mercado e que não sejam o de simplesmente comprar a concorrência.

O futuro presidente terá que ser determinado, dotado de uma razoável musculatura política para agir com pragmatismo, sabendo dominar essencialmente todos os instrumentos a fim de promover as mudanças necessárias que venham a impulsionar a retomada do crescimento econômico, obviamente abdicando de preconceito ideológico.


14 de agosto de 2018
Arthur Jorge Costa Pinto é Administrador, com MBA em Finanças pela UNIFACS (Universidade Salvador).

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