"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

quarta-feira, 25 de julho de 2018

A PREVIDÊNCIA SOCIAL FOI UMA CRIAÇÃO GENIAL - PARA OS POLÍTICOS

Poucas medidas foram tão eficazes em enfraquecer os laços familiares e criar dependência do governo


A instituição da família possui implicações econômicas. Ao longo da história, em todas as sociedades até o advento do Ocidente moderno, os filhos sempre sustentaram seus pais quando os pais se tornavam enfermos.

Isso sempre fez parte do processo da herança. Os pais criam os filhos, mas sabem que poderão se tornar dependentes deles quando envelhecerem. Os pais sempre tiveram um incentivo econômico para fornecer aos filhos um preparo e uma capacidade suficientes o bastante para permitir que eles lhes sustentem na velhice.

Este cálculo sempre foi básico para a civilização, desde os seus primórdios. Filhos supostamente devem ajudar seus pais na velhice. Entre a fase produtiva e a morte, há ameaças. As pessoas envelhecem e ficam menos produtivas. Ocasionalmente, também ficam enfermas. Elas podem se tornar um ônus financeiro para os filhos. E os filhos devem se sacrificar pelos pais quando estiverem nos anos mais produtivos de suas vidas. Eles têm de arcar com o fardo de ter pais que não mais são produtivos. Ao mesmo tempo, eles também têm de treinar os próprios filhos a serem produtivos. Trata-se de uma dupla responsabilidade.

O mundo moderno, começando por volta de 1800, foi continuamente reduzindo este fardo econômico. Primeiro, entre 1780 e 1820, a riqueza per capita começou a crescer. Foi a primeira vez na história que isso ocorreu. E não mais parou de crescer. Segundo, a expectativa de vida também começou a crescer. Consequentemente, à medida que os pais envelheciam, eles não se tornavam enfermos quando seus filhos estavam tendo filhos. Eles poderiam se tornar enfermos aos 70 ou 80 anos de idade; porém, a esta altura, seus filhos já estavam bem avançados no processo de criar a própria família.

Ao redor do mundo, os pais normalmente morriam muito cedo. E eles se tornavam um fardo ainda muito cedo. À medida que a expectativa de vida foi aumentando, ao redor do mundo, homens e mulheres foram se mantendo produtivos por mais tempo. Consequentemente, eles tiveram mais anos para acumular capital com o qual se sustentar na velhice. Deixar uma herança para seus filhos passou a ser algo cada vez mais comum. Já nos anos 1880, as famílias no Ocidente já haviam reduzido, a níveis inauditos, o fardo de ter de sustentar os pais na velhice.

Surge Bismarck

Na década de 1880, Otto von Bismarck era o ministro-presidente da Prússia e chanceler da Império Alemão. Ele era a liderança do movimento político conservador. Os socialistas já começavam a ganhar espaço politicamente. Eles clamavam por pensões bancadas pelo estado (ou seja, pelos pagadores de impostos). Para solapar os socialistas e reduzir seu apelo, Bismarck também passou a defender o mesmo.

Em 1889, ele estabeleceu o primeiro sistema previdenciário estatal do mundo. Os pagamentos começavam aos 70 anos de idade, o qual representava o famoso limite estabelecido por Moisés (Salmos 90:10). Bismarck rotulou esse seu programa previdenciário de "cristianismo prático". E é fato que esse programa estatal de bem-estar social minou as chances políticas dos socialistas.

O princípio era claro: o estado, e não mais a família, passava a ser o responsável legal por cuidar dos idosos, caso estes houvessem exercido trabalho assalariado. Mesmo se os filhos não honrassem suas obrigações para com seus pais, o estado seria fiel. Todo e qualquer trabalhador aposentado poderia, dali em diante, confiar no estado para sustentá-lo.

Esta transferência de responsabilidade para o estado substituiu o personalismo da família pelo impersonalismo do estado. Não mais seriam os laços familiares que garantiriam os cuidados aos pais idosos. Dali em diante, burocratas do estado seriam os responsáveis por gerir e aplicar a lei previdenciária — desde que a papelada e os documentos estivessem em ordem.

O sistema previdenciário surgiu, assim, baseado inteiramente nas leis civis, e não no amor familiar, nos sentimentos, nos costumes ou na culpa. Havia agora um acordo jurídico, e este acordo era público. O estado cuidaria dos idosos. E tal acordo era totalmente passível de ser exigido nos tribunais.

Este programa foi copiado em todo o Ocidente. Ele se tornou praticamente universal.

Impraticável no longo prazo

Trabalhadores pagam impostos ao longo da vida. Ao se aposentarem, recebem uma pensão do governo.

Mas há um grande problema nesta contabilidade: os impostos pagos são legalmente distintos das pensões coletadas. O dinheiro não é o mesmo. Não há um 'contrato de anuidade' que seja legalmente executável. O dinheiro que o trabalhador paga para o sistema previdenciário é imediatamente gasto pelo governo.

O dinheiro não é investido pelo governo em um fundo no qual ele fica rendendo juros. Esse dinheiro é diretamente repassado a uma pessoa que já está aposentada. É também utilizado para bancar vários outras despesas correntes do governo.

Trata-se de um sistema de repartição direta: o trabalhador de hoje paga a aposentadoria de um aposentado para que, no futuro, quando esse trabalhador se aposentar, outro trabalhador que estiver entrando no mercado de trabalho pague sua aposentadoria. Não há investimento nenhum. Há apenas repasses de uma fatia da população para outra.

Vale a pena repetir: todo o dinheiro que o trabalhador hoje direciona para o sistema previdenciário — a título de garantir sua aposentadoria futura — é imediatamente gasto pelo governo. Não há nenhuma poupança.

Consequentemente, todos os governos nacionais prometeram enormes benesses futuras aos aposentados. Mas o dinheiro para isso não existe hoje. Ele terá de ser totalmente coletado no futuro.

Mas isso só será possível se: 1) o número de trabalhadores pagando impostos for muito maior que o número de aposentados; 2) as pessoas que estiverem trabalhando se aposentarem cada vez mais tarde, de modo que elas paguem impostos por mais tempo; e 3) os aposentados não terem uma expectativa de vida muito alta.

Ou seja, na prática, todo o esquema será inteiramente dependente da demografia. Por isso, diz-se que a previdência social é programa cujos passivos não têm como ser financiados. São passivos sem fundo. São passivos a descoberto. Simplesmente não há como o governo cumprir todas essas obrigações no futuro. (Para detalhes específicos sobre o Brasil, veja este artigo).

Por isso, a previdência social será o programa que levará os governos à falência. Isso ocorrerá para todos antes do fim do século XXI. A maioria já estará falida antes de 2050.

O estado é um falso herdeiro. Ele assumiu a responsabilidade legal associada ao legado familiar. Ao longo da história, os filhos e seus cônjuges sempre estiveram prontos para arcar com a responsabilidade de bancar seus pais idosos. Os pais sabiam que seu sustento era retirado do orçamento de seus filhos. Eles também sabiam que seus filhos herdariam os imóveis e as terras da família. Ou seja, era uma relação que envolvia uma troca de favores, um compensação, um retorno.

Porém, à medida que o estado foi continuamente assumindo a função econômica dos herdeiros biológicos, os pais passaram a utilizar a política como forma de conseguir um maior suporte financeiro em sua aposentadoria. E este suporte financeiro passou a ser extraído do bolso comum de toda a nação.

Consequentemente, virtudes como a poupança, a frugalidade e a visão de longo prazo perderam a importância. Não mais fazia sentido levar uma vida financeiramente comedida visando à aposentadoria futura. Dado que a sua aposentadoria já estava garantida pelo estado, e seria bancada por terceiros desconhecidos, não mais fazia sentido acumular capital para, no futuro, viver à base deste capital acumulado. A sua aposentadoria passou a ser um passivo para terceiros desconhecidos, os pagadores de impostos. Não é mais responsabilidade sua nem de seus familiares.

E por que os pagadores de impostos — os terceiros desconhecidos — aceitam este arranjo? Simples: porque eles, no futuro, também esperam estar no lado recebedor do esquema. A maioria imagina que aos 62 anos de idade já poderá começar a receber suas pensões mensais. A maioria espera poder viver duas décadas com esta fonte de renda. Tais pessoas esperam não ter de ir morar com seus filhos, genros e noras. Os filhos e os genros e noras também esperam que isso não ocorra.

No Ocidente, a obrigação moral de honrar pai e mãe foi rompida pelos programas de previdência compulsória. O laço pessoal da aliança familiar foi rompido. Os mais velhos trocaram a segurança dos laços familiares pelas promessas dos políticos. Só que nenhum destes políticos estará na vida pública quando a crise fiscal se abater.

Os filhos dos aposentados ainda imaginam que, ao se aposentarem, terão a mesma vida financeira de seus pais, que recebem subsídios do governo. Só que os impostos necessários para sustentar os pais aposentados estão consumindo o capital do país. Isso irá reduzir o crescimento econômico futuro. Consequentemente, irá reduzir o fluxo de renda no futuro, inclusive os impostos necessários para bancar a própria previdência. O capital da nação está sendo consumido. Este será o maior legado de todos.

Politicamente, as pessoas que estão recebendo as pensões irão resistir a toda e qualquer redução nas pensões. "Nós pagamos a previdência social! Temos o direito de receber o dinheiro de volta! Por lei!". Tal pressão política garante a continuidade — e a expansão — do programa. Essas pessoas votam. Políticos temem sua fúria na próxima eleição. Simultaneamente, os trabalhadores que hojem pagam impostos também resistem a qualquer mudança. Eles querem passar a ser recebedores de dinheiro no futuro. Igualmente, eles não querem se tornar responsáveis por bancar seus pais caso o governo saia de cena.

Ninguém olha para a realidade fiscal e suas consequências inevitáveis: a falência futura. Os passivos sem fundo não serão honrados.

E por que todos ignoram isso? Porque as pessoas são inerentemente imediatistas. Elas não olham para o futuro distante. Pensam apenas no curto prazo. Há uma tendência a ignorar notícias ruins sobre o futuro mais distante. Elas também são otimistas em relação ao estado. Elas gostam de ouvir notícias boas sobre o futuro próximo, como a de que a previdência é sustentável. Elas querem que o programa previdenciário estatal continue.

Conclusão

Em vários países, o programa se chama Seguridade Social. Mas o programa não é social; é político. E o programa não é seguro; ele depende da política.

A criação da previdência social estatal solapou a estrutura familiar do Ocidente. Os pais esperam menos de seus filhos. Os filhos esperam gastar menos com a velhice de seus pais. A ampla aceitação da moralidade das pensões distribuídas pelo governo com o dinheiro dos outros aboliu todo o sentimento de obrigação e culpa dos filhos para com os pais.

Mais: os filhos alegremente defendem — e votam por — mais programas assistenciais para os mais velhos. Eles também querem receber o seu no futuro. Mas eles não contabilizam o custo destas operações futuras para seus respectivos governos. Eles não entendem que os passivos a descoberto do programa levarão a um calote geral em todas as promessas assistenciais.

O programa estatal de previdência compulsória criado por Bismarck em 1889 criou um precedente para o Ocidente. Outros países copiaram. Isso levou a uma séria fiscalmente insustentável de programas previdenciários estatais no Ocidente. As promessas dos políticos, em algum momento, irão se revelar desconectadas da realidade fiscal. Haverá calotes universais em vários programas assistenciais. Isso irá solapar a confiança nos governos. Irá também acabar com a legitimidade deles perante os eleitores.

"Mas vocês prometeram!", dirão os desesperados sem aposentadoria. "Desculpe, calculamos mal", dirão os políticos em resposta.

No final, os filhos voltarão a ter de sustentar os pais. Só que eles não estão preparando seu orçamento para isso.

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Nota do Editor

Se você tem menos de 35 anos, não conte com o INSS para a sua aposentadoria. E isso nada tem a ver com a "competência da gestão" do programa. Mesmo que a Previdência fosse gerida por anjos probos, sagazes e imaculados, e não houvesse um único centavo desviado ou malversado, ainda assim ela seria insustentável no longo prazo.

E por causa da demografia.

No Brasil, em 2013, havia 5,5 pessoas com idade entra 20 e 59 anos para cada pessoa com mais de 60 anos. Em 2060, a se manter o ritmo projetado de crescimento demográfico, teremos 1,43 pessoa com idade entre 20 a 59 anos para cada pessoa com mais de 60 anos. (Veja o gráfico aqui).

Ou seja, a menos que a idade mínima de aposentadoria seja continuamente elevada, não haverá nem sequer duas pessoas trabalhando e pagando INSS para sustentar um aposentado.

Para a previdência continuar solvente, a mão-de-obra jovem do futuro terá de ser ou muito numerosa (uma impossibilidade biológica, por causa das atuais taxas de fecundidade) ou excessivamente tributada (algo que não é duradouro).

Conclusão: comece imediatamente a poupar e a investir. Não conte com nenhuma solução mágica criada por políticos.


25 de julho de 2018
Gary North

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