Práticas internacionalmente consagradas apontam para inflação como objetivo a ser perseguido
A autonomia do Banco Central retornou à ribalta como parte da “Agenda 15”, um conjunto de medidas que o governo pretende tornar prioritárias agora que a reforma previdenciária foi definitivamente legada à próxima administração.
Nesse contexto voltou ao debate um possível mandato duplo para o BC, contemplando não apenas a meta para a inflação mas também outra para desemprego. Trata-se de uma péssima ideia, apesar da aparente nobreza de propósito.
A destacar, em primeiro lugar, a diferença entre independência e autonomia no caso do BC. Embora ambas requeiram a fixação de mandatos para os dirigentes da instituição (tipicamente alternados com mandatos presidenciais), um BC independente pode escolher seus próprios objetivos, enquanto no segundo caso a liberdade da instituição se limita à decisão sobre os meios para atingir objetivos determinados pelo Executivo.
Assim, por exemplo, o BC independente poderia determinar qual sua meta para a inflação, bem como tomar as decisões de política monetária que acredita corretas; no caso da autonomia, o executivo fixa a meta, e o BC, à luz disso, determina a trajetória de taxas de juros coerente com o objetivo. A discussão no Brasil aponta para o segundo arranjo.
Imagine agora um Banco Central autônomo a quem o executivo determina dois objetivos: uma meta para a inflação e outra para a taxa de desemprego, ainda que o BC tenha apenas um instrumento: a política monetária (a taxa Selic).
O problema é que há uma troca de curto prazo entre a inflação e desemprego, embora esta não persista no longo prazo. Caso o Banco Central busque uma taxa de desemprego menor do que a coerente com a inflação na meta, acabará fazendo com que esta se acelere.
A aceleração inesperada pode reduzir salários reais e induzir empresas a contratar mais, reduzindo o desemprego, mas, à medida que a expectativa de inflação mais elevada se incorpora às demandas salariais, esse efeito desaparece e, no fim da história, teremos apenas inflação mais alta, sem ganho persistente de desemprego.
Pelo contrário, quando o BC tiver que trazer a inflação de volta à meta, haverá aumento de desemprego até que a inflação e as expectativas convirjam, como bem ilustrado pela nossa experiência recente.
Por outro lado, se o Banco Central optar apenas pela meta de inflação, sua diretoria terá de lidar permanentemente com a ameaça de sanções por ignorar a outra perna do mandato. Não é difícil concluir que, sob tal cenário, a autonomia do Banco Central ficaria comprometida.
Pode-se, claro, apontar para o arranjo institucional do Fed (Federal Reserve), cujo mandato abarca inflação, desemprego e taxas de juros (um triplo mandato) como contraexemplo.
Trata-se, porém, de um erro, porque o Fed é independente: apesar do mandato triplo, é ele que determina seus objetivos. Em particular, há objetivo numérico apenas para a inflação, não para o desemprego nem para taxas de juros, como expresso aqui.
As práticas internacionalmente consagradas apontam para a inflação como o objetivo do Banco Central. Em que pese a preferência nacional pelas jabuticabas, ao menos nesse caso poderíamos tentar aprender com os erros dos outros, já que com os nossos não parecemos aprender jamais.
28 de fevereiro de 2018
Alexandre Schwartsman, Folha de SP
A autonomia do Banco Central retornou à ribalta como parte da “Agenda 15”, um conjunto de medidas que o governo pretende tornar prioritárias agora que a reforma previdenciária foi definitivamente legada à próxima administração.
Nesse contexto voltou ao debate um possível mandato duplo para o BC, contemplando não apenas a meta para a inflação mas também outra para desemprego. Trata-se de uma péssima ideia, apesar da aparente nobreza de propósito.
A destacar, em primeiro lugar, a diferença entre independência e autonomia no caso do BC. Embora ambas requeiram a fixação de mandatos para os dirigentes da instituição (tipicamente alternados com mandatos presidenciais), um BC independente pode escolher seus próprios objetivos, enquanto no segundo caso a liberdade da instituição se limita à decisão sobre os meios para atingir objetivos determinados pelo Executivo.
Assim, por exemplo, o BC independente poderia determinar qual sua meta para a inflação, bem como tomar as decisões de política monetária que acredita corretas; no caso da autonomia, o executivo fixa a meta, e o BC, à luz disso, determina a trajetória de taxas de juros coerente com o objetivo. A discussão no Brasil aponta para o segundo arranjo.
Imagine agora um Banco Central autônomo a quem o executivo determina dois objetivos: uma meta para a inflação e outra para a taxa de desemprego, ainda que o BC tenha apenas um instrumento: a política monetária (a taxa Selic).
O problema é que há uma troca de curto prazo entre a inflação e desemprego, embora esta não persista no longo prazo. Caso o Banco Central busque uma taxa de desemprego menor do que a coerente com a inflação na meta, acabará fazendo com que esta se acelere.
A aceleração inesperada pode reduzir salários reais e induzir empresas a contratar mais, reduzindo o desemprego, mas, à medida que a expectativa de inflação mais elevada se incorpora às demandas salariais, esse efeito desaparece e, no fim da história, teremos apenas inflação mais alta, sem ganho persistente de desemprego.
Pelo contrário, quando o BC tiver que trazer a inflação de volta à meta, haverá aumento de desemprego até que a inflação e as expectativas convirjam, como bem ilustrado pela nossa experiência recente.
Por outro lado, se o Banco Central optar apenas pela meta de inflação, sua diretoria terá de lidar permanentemente com a ameaça de sanções por ignorar a outra perna do mandato. Não é difícil concluir que, sob tal cenário, a autonomia do Banco Central ficaria comprometida.
Pode-se, claro, apontar para o arranjo institucional do Fed (Federal Reserve), cujo mandato abarca inflação, desemprego e taxas de juros (um triplo mandato) como contraexemplo.
Trata-se, porém, de um erro, porque o Fed é independente: apesar do mandato triplo, é ele que determina seus objetivos. Em particular, há objetivo numérico apenas para a inflação, não para o desemprego nem para taxas de juros, como expresso aqui.
As práticas internacionalmente consagradas apontam para a inflação como o objetivo do Banco Central. Em que pese a preferência nacional pelas jabuticabas, ao menos nesse caso poderíamos tentar aprender com os erros dos outros, já que com os nossos não parecemos aprender jamais.
28 de fevereiro de 2018
Alexandre Schwartsman, Folha de SP
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