Diante da decisão tomada na semana passada pelo Presidente do Senado, Eunício Oliveira, de que nenhuma PEC (Proposta de Emenda à Constituição) tramitará no Senado enquanto durar a intervenção federal na área de segurança do Estado do Rio de Janeiro, ficam definitivamente abortadas as chances de aprovação da reforma da Previdência neste ano. Será mais uma herança maldita que Temer deixará para seu sucessor, que terá de enfrentar o grande desafio de evitar a insolvência do Tesouro.
Logo depois, o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, anunciou uma agenda com até 15 projetos prioritários (propostas essenciais e outras menos relevantes) na área econômica, os quais serão votados no Legislativo ainda em 2018, antes das eleições presidenciais, a fim de preencher o vácuo deixado pelo fim da reforma.
Aliás, esta me parece ser mais uma bóia de salvação que Temer jogou ao mar para mostrar que não haverá interrupção na agenda econômica e, também, para não demonstrar claramente que se tornou totalmente refém da sua aposta.
Não se discute o mérito de várias das medidas, porém é desalentadora a sensação de que apenas com o ocasional fracasso de uma reforma extremamente importante para o País o governo tente dar um destaque singular a elas. Ainda não vejo como substituir a economia a ser feita num ajuste do sistema previdenciário.
Pressuponho também que não será uma tarefa das mais fáceis para o novo inquilino do Planalto ao assumir os destinos da Nação, levantar de imediato a bandeira da Previdência, conservando a sua amplitude desejável, a depender, talvez, do índice de renovação do Congresso e, especialmente, do perfil dos novos parlamentares eleitos.
A grande realidade é que a reforma não traria de imediato um impacto positivo, ou melhor, ela, no primeiro instante, não apresentaria um alívio significativo no rombo orçamentário existente, mas, sem dúvida, seria um relevante indício na reversão da trajetória do desequilíbrio que as contas públicas vêm apresentando, há quatro anos.
Entretanto, pode-se afirmar também, que o visível descontrole das finanças públicas é um desdobramento da profunda e prolongada recessão que estamos acabando de atravessar, que resultou na queda vertiginosa da arrecadação de impostos nos últimos anos, acompanhando o nível declinante da nossa atividade econômica.
Sem uma robusta mudança no regime do INSS (Instituto Nacional do Seguro Social), igualmente com as aposentadorias de servidores que chegam aproximadamente a 45% das despesas da União, dificilmente o governo deverá cumprir o teto dos gastos aprovado em final de 2016. Esta emenda modificou a Constituição, limitando as despesas de tal forma que elas só podem crescer o equivalente à variação da inflação durante os próximos vinte anos.
Para se ter uma pequena noção, neste exercício, elas só poderão atingir R$ 1,34 trilhão - o total de 2017, acrescido da inflação acumulada em doze meses, que compreende o período de julho de 2016 a junho de 2017. Portanto, isso deixa evidenciado que, mesmo que venham a entrar mais recursos do que o previsto no caixa do governo, ele jamais poderá ser gasto acima do limite previsto.
Como é evidente, a reforma da Previdência definitivamente “subiu no telhado”; por isso, o governo volta-se para cortar gastos de R$ 14 bilhões no orçamento de 2019. Este montante representa justamente o quanto era esperado de economia para as contas públicas, no ano que vem, com a mudança das regras da aposentadoria.
Essa é a primeira mais grave conseqüência da retirada da reforma da pauta da Câmara por conta da intervenção federal no Rio de Janeiro. A estimativa é que somente neste ano, o governo deixe de economizar R$ 5 bilhões. No entanto, a diferença é que a equipe econômica já não contava com esse valor nos recursos do Orçamento. Alguns programas e políticas públicas terão que ser afetados, podendo, em alguns casos, haver a unificação deles.
Segundo projeções realizadas pelo IFI (Instituto Fiscal Independente – órgão público vinculado ao Senado Federal, responsável por calcular e analisar as variáveis das finanças públicas), diante do crescimento constante dos gastos públicos, o teto poderá ser estourado já no próximo ano, ou, no mais tardar, em 2020. Grande parte das despesas obrigatórias da União é corrigida anualmente, e elas avançam acompanhando o ritmo do aumento da inflação ou, no caso dos salários de servidores, por exemplo, quando são negociados seus reajustes.
Alguns economistas ligados ao IFI têm demonstrado uma justa preocupação caso o teto dos gastos for desrespeitado, o que forçosamente fará com que sejam deflagrados os “gatilhos” assegurados na lei, congelando praticamente a estrutura da máquina pública, impedindo novas contratações, realização de concursos públicos, criação de cargos e ampliação dos benefícios e auxílios. Efetivamente, esses “gatilhos” não deixam de ser também instrumentos eficazes para conter o avanço das despesas, embora exista a possibilidade de eles causarem uma instabilidade política, fomentando dessa forma, um arriscado efeito colateral.
O impasse com o teto de gastos vai além da Previdência. A impressão que se tem é que a reforma, mesmo na sua versão inicial, bem mais sólida do que essa última que estava sendo encaminhada ao Congresso, seria um pouco difícil de ser cumprida, sendo que o impacto positivo de uma eventual mudança seria de forma gradual. Não tenho dúvidas de que, em algum momento adiante, o governo teria que revisar as demais rubricas, como salários, subsídios e outros benefícios. Existe agora uma boa oportunidade para ser melhor avaliado o custo-benefício das políticas atualmente adotadas, com o objetivo de decidir o que vale a pena ser mantido.
Aproximadamente há um mês, a agência de classificação de risco Standard & Poor’s rebaixou a nota de crédito do Brasil para o indecente BB- (negativo), deixando-nos na mesma condição da Tunísia, Costa Rica, Honduras, República Dominicana, Guatemala e outros.
Na última sexta-feira, a agência de classificação de risco Fitch igualmente rebaixou o rating do Brasil para BB- (negativo), o que fica justificado pela fragilidade progressiva da nossa situação fiscal, o grande e crescente endividamento e o que chamou de “importante retrocesso” na agenda de reformas após o governo do presidente Michel Temer ter desistido de votar a reforma da Previdência.
Certamente, nos próximos dias, teremos a confirmação da Moody’s, outra grande agência reconhecida mundialmente. Com isso, continuamos três degraus abaixo do nível mínimo do grau de investimento (investiment grade) que classifica os países como bons pagadores. O impacto da notícia foi praticamente nulo no mercado financeiro, já que, mesmo com o rebaixamento, a Bolsa brasileira bateu o 4º recorde nominal seguido, fechando acima de 87.000 pontos pela primeira vez. Logo, a reação do mercado já estava precificada.
Tenho a impressão de que com as reformas fora do radar, a disputa presidencial será o principal condutor dos mercados domésticos e a previsão à frente é de intenso vaivém. Creio que movimento tende a ganhar força somente a partir de abril, quando acreditamos que já estarão praticamente definidos os principais candidatos. Pode ser que até lá, os ativos locais procurem ingressar provisoriamente na zona de acomodação, tentando aferir as chances de um nome com viés reformista e liberal ser aclamado em outubro para os próximos quatro ou, quem, sabe, oito anos.
Considero que Temer cometeu um erro estratégico quando assumiu o governo após o impedimento de Dilma. O País exalava certo otimismo quanto à possibilidade de ele fazer uma boa administração e, durante sua breve lua-de-mel com os brasileiros, ele deveria ter aproveitado e alterado a ordem, enviando inicialmente ao Congresso a reforma da Previdência, com grandes chances naquele mágico momento de ser aprovada, mesmo sofrendo algumas mutilações com relação à original. Imediatamente depois, trataria da PEC do teto dos gastos, bem menos polêmica, sem maiores dificuldades de aprovação, como realmente aconteceu.
Até o fim deste exercício, o governo terá que buscar uma solução para o descumprimento da “regra do ouro” (artigo 167 da Constituição Federal, inciso III),previsto para 2019, que não permite,sob hipótese alguma,que o Brasil se endivide por meio do pagamento de despesas correntes (custeio da máquina pública – despesa com salários dos servidores, benefícios da Previdência e custos de prestação de serviços públicos). O endividamento só é admitido quando o recurso é destinado a investimentos em capital produtivo ou ao refinanciamento da dívida, ou seja, emitir dívida nova para pagar dívidas vincendas. Essa regra cumpre um importante papel moral: impede que a geração presente tome decisões de gastos públicos que serão pagos pela geração futura.
Sem poder alterar a Constituição, este será mais um desafio na mesa para o próximo presidente que terá que se sentar na cadeira, apoiado por uma forte coalizão comprometida com as reformas e, principalmente, com a ética.
28 de fevereiro de 2018
Arthur Jorge Costa Pinto é Administrador, com MBA em Finanças pela UNIFACS (Universidade Salvador)
Logo depois, o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, anunciou uma agenda com até 15 projetos prioritários (propostas essenciais e outras menos relevantes) na área econômica, os quais serão votados no Legislativo ainda em 2018, antes das eleições presidenciais, a fim de preencher o vácuo deixado pelo fim da reforma.
Aliás, esta me parece ser mais uma bóia de salvação que Temer jogou ao mar para mostrar que não haverá interrupção na agenda econômica e, também, para não demonstrar claramente que se tornou totalmente refém da sua aposta.
Não se discute o mérito de várias das medidas, porém é desalentadora a sensação de que apenas com o ocasional fracasso de uma reforma extremamente importante para o País o governo tente dar um destaque singular a elas. Ainda não vejo como substituir a economia a ser feita num ajuste do sistema previdenciário.
Pressuponho também que não será uma tarefa das mais fáceis para o novo inquilino do Planalto ao assumir os destinos da Nação, levantar de imediato a bandeira da Previdência, conservando a sua amplitude desejável, a depender, talvez, do índice de renovação do Congresso e, especialmente, do perfil dos novos parlamentares eleitos.
A grande realidade é que a reforma não traria de imediato um impacto positivo, ou melhor, ela, no primeiro instante, não apresentaria um alívio significativo no rombo orçamentário existente, mas, sem dúvida, seria um relevante indício na reversão da trajetória do desequilíbrio que as contas públicas vêm apresentando, há quatro anos.
Entretanto, pode-se afirmar também, que o visível descontrole das finanças públicas é um desdobramento da profunda e prolongada recessão que estamos acabando de atravessar, que resultou na queda vertiginosa da arrecadação de impostos nos últimos anos, acompanhando o nível declinante da nossa atividade econômica.
Sem uma robusta mudança no regime do INSS (Instituto Nacional do Seguro Social), igualmente com as aposentadorias de servidores que chegam aproximadamente a 45% das despesas da União, dificilmente o governo deverá cumprir o teto dos gastos aprovado em final de 2016. Esta emenda modificou a Constituição, limitando as despesas de tal forma que elas só podem crescer o equivalente à variação da inflação durante os próximos vinte anos.
Para se ter uma pequena noção, neste exercício, elas só poderão atingir R$ 1,34 trilhão - o total de 2017, acrescido da inflação acumulada em doze meses, que compreende o período de julho de 2016 a junho de 2017. Portanto, isso deixa evidenciado que, mesmo que venham a entrar mais recursos do que o previsto no caixa do governo, ele jamais poderá ser gasto acima do limite previsto.
Como é evidente, a reforma da Previdência definitivamente “subiu no telhado”; por isso, o governo volta-se para cortar gastos de R$ 14 bilhões no orçamento de 2019. Este montante representa justamente o quanto era esperado de economia para as contas públicas, no ano que vem, com a mudança das regras da aposentadoria.
Essa é a primeira mais grave conseqüência da retirada da reforma da pauta da Câmara por conta da intervenção federal no Rio de Janeiro. A estimativa é que somente neste ano, o governo deixe de economizar R$ 5 bilhões. No entanto, a diferença é que a equipe econômica já não contava com esse valor nos recursos do Orçamento. Alguns programas e políticas públicas terão que ser afetados, podendo, em alguns casos, haver a unificação deles.
Segundo projeções realizadas pelo IFI (Instituto Fiscal Independente – órgão público vinculado ao Senado Federal, responsável por calcular e analisar as variáveis das finanças públicas), diante do crescimento constante dos gastos públicos, o teto poderá ser estourado já no próximo ano, ou, no mais tardar, em 2020. Grande parte das despesas obrigatórias da União é corrigida anualmente, e elas avançam acompanhando o ritmo do aumento da inflação ou, no caso dos salários de servidores, por exemplo, quando são negociados seus reajustes.
Alguns economistas ligados ao IFI têm demonstrado uma justa preocupação caso o teto dos gastos for desrespeitado, o que forçosamente fará com que sejam deflagrados os “gatilhos” assegurados na lei, congelando praticamente a estrutura da máquina pública, impedindo novas contratações, realização de concursos públicos, criação de cargos e ampliação dos benefícios e auxílios. Efetivamente, esses “gatilhos” não deixam de ser também instrumentos eficazes para conter o avanço das despesas, embora exista a possibilidade de eles causarem uma instabilidade política, fomentando dessa forma, um arriscado efeito colateral.
O impasse com o teto de gastos vai além da Previdência. A impressão que se tem é que a reforma, mesmo na sua versão inicial, bem mais sólida do que essa última que estava sendo encaminhada ao Congresso, seria um pouco difícil de ser cumprida, sendo que o impacto positivo de uma eventual mudança seria de forma gradual. Não tenho dúvidas de que, em algum momento adiante, o governo teria que revisar as demais rubricas, como salários, subsídios e outros benefícios. Existe agora uma boa oportunidade para ser melhor avaliado o custo-benefício das políticas atualmente adotadas, com o objetivo de decidir o que vale a pena ser mantido.
Aproximadamente há um mês, a agência de classificação de risco Standard & Poor’s rebaixou a nota de crédito do Brasil para o indecente BB- (negativo), deixando-nos na mesma condição da Tunísia, Costa Rica, Honduras, República Dominicana, Guatemala e outros.
Na última sexta-feira, a agência de classificação de risco Fitch igualmente rebaixou o rating do Brasil para BB- (negativo), o que fica justificado pela fragilidade progressiva da nossa situação fiscal, o grande e crescente endividamento e o que chamou de “importante retrocesso” na agenda de reformas após o governo do presidente Michel Temer ter desistido de votar a reforma da Previdência.
Certamente, nos próximos dias, teremos a confirmação da Moody’s, outra grande agência reconhecida mundialmente. Com isso, continuamos três degraus abaixo do nível mínimo do grau de investimento (investiment grade) que classifica os países como bons pagadores. O impacto da notícia foi praticamente nulo no mercado financeiro, já que, mesmo com o rebaixamento, a Bolsa brasileira bateu o 4º recorde nominal seguido, fechando acima de 87.000 pontos pela primeira vez. Logo, a reação do mercado já estava precificada.
Tenho a impressão de que com as reformas fora do radar, a disputa presidencial será o principal condutor dos mercados domésticos e a previsão à frente é de intenso vaivém. Creio que movimento tende a ganhar força somente a partir de abril, quando acreditamos que já estarão praticamente definidos os principais candidatos. Pode ser que até lá, os ativos locais procurem ingressar provisoriamente na zona de acomodação, tentando aferir as chances de um nome com viés reformista e liberal ser aclamado em outubro para os próximos quatro ou, quem, sabe, oito anos.
Considero que Temer cometeu um erro estratégico quando assumiu o governo após o impedimento de Dilma. O País exalava certo otimismo quanto à possibilidade de ele fazer uma boa administração e, durante sua breve lua-de-mel com os brasileiros, ele deveria ter aproveitado e alterado a ordem, enviando inicialmente ao Congresso a reforma da Previdência, com grandes chances naquele mágico momento de ser aprovada, mesmo sofrendo algumas mutilações com relação à original. Imediatamente depois, trataria da PEC do teto dos gastos, bem menos polêmica, sem maiores dificuldades de aprovação, como realmente aconteceu.
Até o fim deste exercício, o governo terá que buscar uma solução para o descumprimento da “regra do ouro” (artigo 167 da Constituição Federal, inciso III),previsto para 2019, que não permite,sob hipótese alguma,que o Brasil se endivide por meio do pagamento de despesas correntes (custeio da máquina pública – despesa com salários dos servidores, benefícios da Previdência e custos de prestação de serviços públicos). O endividamento só é admitido quando o recurso é destinado a investimentos em capital produtivo ou ao refinanciamento da dívida, ou seja, emitir dívida nova para pagar dívidas vincendas. Essa regra cumpre um importante papel moral: impede que a geração presente tome decisões de gastos públicos que serão pagos pela geração futura.
Sem poder alterar a Constituição, este será mais um desafio na mesa para o próximo presidente que terá que se sentar na cadeira, apoiado por uma forte coalizão comprometida com as reformas e, principalmente, com a ética.
28 de fevereiro de 2018
Arthur Jorge Costa Pinto é Administrador, com MBA em Finanças pela UNIFACS (Universidade Salvador)
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