"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

terça-feira, 16 de janeiro de 2018

NO CÉU, ENTRE MILHARES DE LIVROS, CHEGA-SE AO PARAÍSO


Fred Bass e sua filha, no sebo “Strand”, em NY
Não consigo passar em frente a um sebo sem entrar. Já me vi apressado a caminho de compromissos em cidades que não a minha e, ao vislumbrar uma porta anunciando livros usados, algo me compeliu a entrar, indiferente ao fato de que chegaria atrasado. Aconteceu certa vez em Curitiba. Estava indo para uma entrevista quando vi, no outro lado da rua, o sebo Fígaro. Entrei -e me esqueci da entrevista. Depois dessa, aprendi. Sempre que vou a Curitiba, já saio do avião direto para o Fígaro.
Em São Paulo, dedico uma tarde inteira aos sebos da praça João Mendes e adjacências. Em Belo Horizonte, faço o mesmo no edifício Maleta. Conheço os sebos de Porto Alegre, Salvador, Natal. Nos do Rio, não me dou apenas com os gatos – sou íntimo até dos ácaros e, a alguns, chamo pelo nome. E não há sebo desprezível. O menor sebo que conheci era quase um buraco na parede, no Flamengo. Nas três primeiras vezes em que o visitei encontrei três preciosidades.
MAIOR DO MUNDO – Há um famoso sebo em Nova York, o Strand, na esquina de Broadway e Rua 12, que se anuncia como tendo “18 milhas de livros” -28,96 km de prateleiras, do chão ao teto. Quando entrei nele pela primeira vez, em 1972, disse para mim mesmo a frase que nunca abandonei: “Quando morrer, não quero ir para o céu. Quero vir para este sebo”. Com os anos, adaptei-a a muitos outros sebos, principalmente brasileiros, até que acabei por generalizar: não quero ir para este ou aquele sebo, mas para os sebos – todos.
Fred Bass, que herdou o Strand de seu pai nos anos 1950, quando a loja era uma portinha, e a transformou no maior sebo do mundo, morreu na semana passada, aos 89 anos. Depois de uma vida inteira entre estantes, Bass acabara de se aposentar. A morte é a aposentadoria, só que mais radical.
Pelo menos, Fred Bass já passara a vida no céu.

16 de janeiro de 2018
Ruy Castro
Folha

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