Quem olha o panorama brasileiro sob a ótica da ética não deixa de ficar desolado e entristecido. Um presidente não é apenas portador do poder supremo de um país. O cargo possui uma carga ética. Ele deve testemunhar os valores que quer que seu povo viva. Aqui temos o contrário: um presidente tido por corrupto não só por acusação de políticos, mas por investigação séria da Polícia Federal e de outros órgãos, como o Ministério Público.
Mas, devido à desmesurada vaidade do cargo e à total falta de respeito ao país, ele se mantém à base de corrupção feita à luz do dia, comprando votos de deputados e oferecendo outras benesses. E os deputados, gaiamente, se deixam corromper, aproveitando a ocasião para conquistar funções e outros benefícios. A República apodreceu de vez. Temos que refundar o Brasil sobre outras bases.
HÁ ESPERANÇA – A despeito disso tudo, não deixamos a esperança morrer, embora, nesse momento, no dizer de Rubem Alves, trate-se de uma “esperança agonizante”. Mas ela ressuscitará dessa agonia e nos resgatará um sentido de viver. Se perdermos o sentido da vida, o próximo passo poderá ser o completo cinismo e, no termo, o suicídio.
A despeito da desesperança e da existência do absurdo diante do qual a própria razão se rende, acreditamos ainda na bondade fundamental da vida. O homem comum se levanta, perde precioso tempo de vida nos ônibus superlotados, vai ao trabalho, luta pela família, se preocupa com a educação de seus filhos, sonha com um Brasil melhor, é capaz de gestos generosos e, em casos extremos, arrisca a vida para salvar um inocente. O que se esconde atrás desses gestos cotidianos e banais? Esconde-se a confiança de que, apesar de tudo, vale a pena viver porque a vida, em sua profundidade, é boa e foi feita para ser levada com coragem, a qual produz autoestima e sentido de valor.
UMA VIDA ÉTICA – Há aqui uma sacralidade que não vem sob o signo religioso, mas sob a perspectiva do ético, do viver corretamente. O sociólogo austríaco-norte-americano Peter Berger escreveu um livro brilhante, relativizando a tese de Max Weber sobre a secularização completa da vida moderna, com o título “Um Rumor de Anjos: A Sociedade Moderna e a Redescoberta do Sobrenatural” (Vozes, 1973). Aí descreve inúmeros sinais que mostram o sagrado da vida e o sentido que ela sempre guarda, a despeito de todo caos e dos contrassensos históricos.
Trabalho apenas um exemplo que me vem à mente, banal e entendido por todas as mães que acalentam seus filhos. Um deles acorda sobressaltado: teve um pesadelo, percebe a escuridão, sente-se só e é tomado pelo medo. Grita pela mãe. Esta se levanta, toma o filho no colo e, no gesto primordial da magna mater, cerca-o de carinho e de beijos, fala-lhe coisas doces e sussurra:
“Meu filhinho, não tenhas medo; sua mãe está aqui. Está tudo bem e está tudo em ordem, meu querido”. O menino deixa de soluçar. Reconquista a confiança da noite e um pouco mais e mais um pouco, adormece.
EXISTE ORDEM – Essa cena tão comum esconde algo radical que se manifesta na pergunta: será que a mãe não está enganando a criança? O mundo não está em ordem, nem tudo está bem. Contudo, estamos certos: a mãe não está enganando seu filhinho. Seu gesto revela que, não obstante a desordem, impera uma ordem mais fundamental. O conhecido pensador Eric Voegelin, em “Order and History” (1956), mostrou magistralmente que todo ser humano possui uma tendência essencial para a ordem.
A tendência para a ordem implica a convicção de que a vida possui sentido. Que, no fundo da realidade, não vigora a mentira, mas a confiança, o consolo e o derradeiro aconchego.
Assim, cremos que, acabado o tempo da grande desolação por causa da corrupção que destrói a ordem, voltaremos a celebrar e desfrutar o sentido bom da existência.
11 de novembro de 2017
Leonardo Boff
O Tempo
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