Uma das principais mazelas da atual política econômica tem sido o empobrecimento de diversos segmentos sociais da população brasileira nos últimos três anos à medida que avança a recessão. Nesse período, a renda per capita da sociedade, em seu conjunto, diminuiu em mais de 10%. Simultaneamente, alguns grupos sociais e muitas famílias vivenciaram um rápido processo de empobrecimento, com diferentes trajetórias.
Em primeiro lugar, é preciso destacar que a pobreza admite uma escala que vai da situação de pobreza relativa até a situação de miséria.
POBREZA E MISÉRIA – No caso de pobreza menos intensa, considera-se que uma família ou um grupo social possa dispor de renda e de capital no nível de atendimento de suas necessidades básicas. Noutro extremo, estão os miseráveis e os despossuídos, que vivem numa situação de pobreza absoluta e de extrema vulnerabilidade social.
A recessão econômica gera a metamorfose do empobrecimento, conforme as perdas e os danos das famílias e dos grupos sociais que venham a ocorrer em termos de capital financeiro (poupança, aplicações financeiras, ações etc.) e não financeiro (casa própria, terra etc.) ou em termos de nível de renda real (salários, juros, lucros, aluguéis). Algumas das trajetórias dessa metamorfose podem ser observadas com frequência maior nesses anos de recessão econômica. Vejamos dois exemplos.
CLASSE MÉDIA – Na trajetória de empobrecimento de famílias e grupos sociais da classe média (funcionários públicos, profissionais liberais, microempresários etc.), a perda inicial pode dar-se pelo desemprego, pelo apelo ao subemprego, pela fragilidade financeira ou pela perda de poder aquisitivo.
A trajetória, nesse caso, tem observado, frequentemente, o seguinte passo a passo: após a primeira queda de renda real, busca-se recompor o padrão de vida por meio da monetização dos ativos financeiros e não financeiros. Esgotada essa alternativa ao longo dos meses, o efeito cremalheira ou a resiliência do padrão de consumo já conquistado induz a diferentes formas de endividamento, o que pode ser fatal no momento seguinte.
Um novo passo ocorre quando se abre mão do padrão de consumo, migrando do plano de saúde particular para o sistema público de atendimento à saúde, do aluguel em residências localizadas em bairros de classe média para moradias em áreas periféricas etc. Nesse passo a passo, acumula-se o desalento, perde-se a autoestima, aumentam o estresse e a tensão emocional.
CLASSE MÉDIA BAIXA – Um segundo caso refere-se a grupos sociais e famílias pertencentes aos chamados “segmentos D e E” da sociedade (em geral, trabalhadores de mão de obra não qualificada ou semiqualificada).
Quando caem para situação de pobreza absoluta, com carência de recursos financeiros e de capital para atender as necessidades básicas de suas famílias diante do desemprego aberto, caminham, então, para a situação dos sem-teto, dos andarilhos, dos socialmente marginalizados e vulneráveis.
Quanto mais a recessão aprofunda-se, com risco de se tornar uma depressão econômica, mais podem-se observar casos dessa pobreza andarilha e sem-teto a mendigar nos grandes centros urbanos das áreas economicamente empobrecidas do país.
POLÍTICAS SOCIAIS – Emerge, então, a importância da preservação das políticas sociais compensatórias num contexto em que as portas de saída estão cerradas para os novos pobres. Trata-se dos benefícios sociais continuados para idosos e pessoas com deficiência física (Loas), do programa Bolsa Família, da Previdência.
É um processo de redistribuição ou transferência de pouco dos que têm muito que acaba representando muito para os que têm pouco.
14 de agosto de 2017
(Paulo Haddad foi ministro do Planejamento e da Fazenda no governo Itamar Franco)
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