"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

segunda-feira, 10 de outubro de 2016

DELEGADO QUE CRIOU A LAVA JATO DIZ QUE O FORO PRIVILEGIADO INCENTIVA CORRUPÇÃO

Anselmo está lançando um livro sobre delação premiada

Em entrevista à Folha, o delegado da Polícia Federal Marcio Anselmo, que conduziu a investigação inicial que prendeu o doleiro Alberto Youssef e criou a Operação Lava Jato, afirmou que é muito difícil haver provas diretas em casos de corrupção e lavagem de dinheiro, mas um conjunto de indícios que é, sim, suficiente para incriminar alguém. “Ninguém vai assinar um recibo da corrupção”, disse.

Na investigação desde os primórdios da Lava Jato, Anselmo é referência em lavagem de dinheiro e cooperação internacional. Doutor em direito internacional pela USP, ele vai lançar um livro sobre delação nesta terça (11).

Responsável pelos inquéritos que investigam o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, ele defendeu que há um “conjunto gigantesco” de provas na operação, protegido por lei, que prevê o uso das chamadas provas indiciárias no processo. Leia os principais pontos da entrevista:

Recibo da corrupção – Ninguém vai assinar um recibo da corrupção. Nunca vai ter uma prova desse tipo. Você tem que formar um conjunto de indícios. Essa é a regra, principalmente em casos de corrupção e lavagem de dinheiro, que são crimes mais difíceis de provar. É diferente de um homicídio, em que você tem o autor, a arma, o cadáver, a perícia. Você não vai ter recibo de alguém dizendo que recebeu R$ 100 mil em vantagens indevidas, referente ao contrato tal. Então, o valor da prova indiciária é muito grande.

Conjunto de elementos – [A prova indiciária] não é a prova direta dos fatos, mas uma série de elementos que te levam a uma determinada conclusão. Por exemplo, no caso do transporte de bens [do ex-presidente Lula]: por que uma empresa vai fazer um pedido, teoricamente de um terceiro, e pagar uma quantia mensal, para guardar o material de outra pessoa? Você estabelece um conjunto de elementos. Em crimes de lavagem de dinheiro, em que há empresas de fachada, você também precisa fazer essa conexão. O sujeito não vai ter uma procuração da empresa, não vai deixar rastro. Isso acontece muito com laranjas.

Provas e convicções – A prova indiciária sempre existiu, desde que existe direito penal. A própria lei autoriza o uso. Não é algo que surgiu na Lava Jato. Aquela frase [“não temos prova, mas temos convicção”] nem sequer foi dita. Fizeram um jogo de palavras para tentar desconstruir. Mas há um conjunto de provas indiciárias gigantesco. Se o imóvel está em nome de laranjas, é óbvio que não vai estar registrado em nome próprio. Isso a gente viu centenas de vezes na Lava Jato.

Novas delações – A colaboração tem que trazer algo novo. Tem que avançar. Não somos contra novas colaborações, mas contra aquelas que não tenham efetividade. Deve haver elementos novos e efetivos para a investigação. Também não dá para pensar que o sujeito que ficou 20 anos praticando crimes vai pegar três anos de prisão domiciliar, numa mansão. Tem que ter o mínimo de pagamento por esses crimes. O custo social e ético disso é muito grande.

‘Espetacularização’ – Sempre se buscou na Lava Jato dar a maior publicidade possível do que tem sido feito, até para que a sociedade possa ter controle. [Na denúncia contra Lula, não foi feito nada além do que havia sido antes. O Ministério Público fez coletiva em todas as denúncias. Entendo isso como transparência. Quando há crimes contra a administração pública, há que ser dado o máximo de transparência.

Prisões cautelares – A prisão do [ex-ministro Guido] Mantega, especificamente, era temporária – basicamente, para preservar prova. Mas a maioria das prisões foi mantida [nas cortes superiores]. Se não fossem necessárias, o STJ e o STF não manteriam. Tem um quadro de destruição de provas, interferência em testemunhas… todo tipo de requisito. As condutas são individualizadas, na decretação da prisão.

Vazamento seletivo – Isso não existe. Qual seria o interesse, se a gente vai perder a efetividade de uma medida? É muito mais útil que a gente consiga o sigilo. Como a Lava Jato é muito grande, você tem interesse de todos os lados. Tem notícias de colaboração que nem sequer existe. Às vezes usam isso para passar recado.

Dez medidas – Eu fui um dos primeiros a assinar, mas é óbvio que algumas [das dez medidas defendidas pelo Ministério Público] merecem discussão. O teste de integridade, da pegadinha do malandro, acho discutível. É o caso do flagrante preparado: não dá para montar uma historinha para o sujeito praticar crime. Mas tem outras medidas plenamente aceitáveis, como executar a pena a partir da segunda instância. A principal medida não está ali: a revisão do foro privilegiado. É o principal motivo da impunidade no Brasil.


10 de outubro de 2016
Estelita Hass Carazzai
Folha

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