"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

segunda-feira, 5 de setembro de 2016

UMA EMERGÊNCIA COM FALSOS ATORES

O prefeito contava uma piada — velha, diga-se de passagem — para fazer média com um mafioso dono de uma empresa de ônibus da Zona Oeste quando Jorge, o esbaforido assessor, abriu de repente a porta do gabinete para espanto geral.

— Prefeito, com licença...

— Que foi, Jorge? Que cara é essa?

— Desculpe interromper, mas é que... aconteceu uma emergência.

— Putz grila, Jorge. O que desabou agora?

— Não caiu nada, senhor prefeito. Graças a Deus!

— Ufa! Então fala logo de uma vez, que eu vou pra Angra com as crianças ainda hoje.

— Não vai, não.

— Como é que é?

— É que acabaram de invadir a casa do senhor lá, prefeito.

— Quem invadiu?

— Os sem-terra.

— Peraí, Jorge. Os sem-terra invadiram uma casa num condomínio em Angra? O MST não faz isso!

— É que esses não são do MST, prefeito.

— E são de onde?

— Esses são o MSTCT.

— MSTCT?!? Que que é isso?

— Movimento dos Sem Terra Com Terra. É um braço deles, mas menos à esquerda da esquerda. Eles têm mais recursos, senhor.

— Sem Terra Com Terra?!? Pede meu helicóptero que eu vou lá agora acabar com essa palhaçada pessoalmente.

— Não vai, não.

— Como não?

— Bloquearam o heliponto e a saída aqui fora.

— Quem bloqueou? 

— Os estudantes.

— Que estudantes?

— Que não estudam. Os estudantes profissionais!

— E desde quando existe esse troço de estudante profissional?

— Desde que enchemos as universidades públicas com essa molecadinha de escola particular.

— Então expulsa todo mundo.

— Não adianta. Tá cheio de imprensa lá fora apoiando o movimento.

— A mídia tá do lado deles?

— Só a independente mesmo. Aquela que dependia de propaganda do governo. Esses jornalistas que não estão em nenhum jornal estão putos. E os intelectuais também.

— Que intelectuais?

— Os que não estão pensando direito, prefeito.

— Cansei. Sabe o que eu vou fazer? Vou ligar pro Major Gouveia tirar geral na marra.

— Não vai, não.

— Ai, minha caceta! Que foi agora?

— A Polícia entrou em greve.

— E quem convocou?

— Os sindicalistas que não trabalham.

— E isso é legal?

— Os legalistas que defendem ilegalidades disseram que é.

— Mas o que aconteceu pra essa gente se mobilizar? O que eles querem?

— Estão pedindo justamente o fim da Polícia Militar. Vê se pode!

— Por que estão pedindo isso?

— Porque um soldado prendeu num ecopacifista que estava atirando rojões na PM e queimando pneus.

— Mas PM nem é assunto do município, pô! Eu sou prefeito. Quem pode fazer alguma coisa é o governador.

— Que governador, prefeito?

— Como qual governador, Jorge?

— O que não governa?


05 de setembro de 2016
Antonio Tabet, O Globo

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