"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

quinta-feira, 21 de julho de 2016

AUGUSTO NUNES VEJA 21 JUL



O padre que chutava de bico latas milagreiras liquidaria em dois minutos os surtos paranormais de Marilena Chauí

Se a professora de Filosofia que anda tendo visões vivesse numa pequena paróquia do século passado, não escaparia da excomunhão nem do manicômio

Por: Augusto Nunes  

Muitos anos antes da estreia do destrambelhado sexto sentido de Marilena Chauí, Taquaritinga se alvoroçava de tempos em tempos com a notícia que se espalhava feito rastilho pela cidade de 10 mil habitantes: alguém tivera uma visão. Em agosto de 1958, por exemplo, fiquei sabendo num começo da tarde que uma mulher que morava na Vila Sargi acabara de Nossa Senhora refletida numa lata de alumínio esquecida no quintal da casa de chão batido. Cavalgando a Monark com freio no pé que herdara de um dos meus irmãos, cheguei em cinco minutos ao cenário da aparição e consegui infiltrar-me na terceira fileira, espremido entre uma moça de sombrinha e um homem de bigode e chapéu. Era tudo verdade, confirmou a troca de impressões entre os dois.
O homem se disse impressionado com o intenso azul do olhar da santa. A moça observou que o azul do manto era um pouco mais escuro. Achei que seria falta de educação declarar que não estava vendo coisa alguma além do alumínio castigado pelo sol, e já estava pronto para enxergar um terceiro tom de azul quando o padre Lourenço Cavallini estacionou ruidosamente seu Fusca verde-limão a um metro da calçada, desceu do carro sem tirar a chave da ignição e abriu uma picada no meio da multidão com safanões e cotoveladas.
Ao divisar o alvo que perseguia, o impetuoso pastor do rebanho municipal acelerou o ritmo das passadas e, mesmo com os movimentos dificultados pela batina preta, mandou para o espaço com um tremendo bico de esquerda a lata de alumínio com Nossa Senhora e tudo. O que parecia um último chute era um pontapé inicial — a senha para o ato seguinte do espetáculo da santa cólera. A lata ainda voava quando ecoou a ordem baixada pela temida voz de tenor: “Vão trabalhar, seus vagabundos!”, berrou o padre Cavallini.
Não me senti afrontado: eu tinha 8 anos e nessa idade ninguém trabalhava. Mas a plateia que se ia dispersando vagarosamente aumentou a velocidade da retirada, que virou correria com o prosseguimento das chicotadas verbais. O próximo cretino que tentasse aproveitar-se de figuras sagradas seria sumariamente excomungado, avisou a maior autoridade religiosa da paróquia. E sem direito a queixar-se ao bispo, muito menos apresentar recursos à Santa Sé, porque um padre não tem tempo a perder nem paciência a desperdiçar com vigarices de ateus, maçons, espíritas ou carolas imbecis.
É verdade que, passado o susto, os paroquianos que tinham visões continuaram a tê-las, mas ficaram mais cautelosos. Só relatavam o acontecido a parentes próximos e amigos de infância, que juravam manter a história longe dos ouvidos do padre Cavallini. Depois que deixei a cidade onde nasci, não soube de nenhum episódio semelhante ao que testemunhei naquela tarde — até ser confrontado, há 12 anos, com o primeiro dos surtos paranormais protagonizados por Marilena Chauí.
A estreia desse sexto sentido de quinta categoria ocorreu em 2004, no dia em que a professora de Filosofia da USP saiu de uma audiência com o presidente da República como se estivesse saindo de uma crônica de Nelson Rodrigues: varada de luz feito santo de vitral, comunicou aos jornalistas que zanzavam pelas imediações do Palácio do Planalto que, “quando Lula fala, o mundo se ilumina”.
Como apenas Marilena Chauí viu a garganta do deus do PT gerando mais energia que mil Itaipus, e como a solitária espectadora do fenômeno se dispensou de descrições mais precisas, tornou-se impossível confrontar o que viu a professora com os assombros que se materializam no mundo real sempre que Lula desanda numa discurseira. Os plurais saem em desabalada carreira, a gramática se refugia na embaixada portuguesa, a ortografia se asila em velhos dicionários, a regência verbal se esconde no sótão da escola abandonada, o raciocínio lógico providencia um copo de estricnina sem gelo, a razão pede a proteção da ONU para livrar-se de outra sessão de tortura.
No segundo surto, Marilena Chauí foi menos sovina com os interessados nos detalhes do que tinha visto. Como atesta o vídeo, ela revelou publicamente que, da mesma forma que Dilma Rousseff vê um cachorro oculto atrás de toda criança, vira escondido em cada brasileiro da classe média um traidor da nação, um inimigo da pátria ou coisa pior. “Eu odeio a classe média”, decolou a pensadora do PT. “A classe média é o atraso de vida. A classe média é estupidez. É o que tem de reacionário, conservador, ignorante, petulante, arrogante, terrorista. A classe média é uma abominação política, porque ela é fascista, uma abominação ética, porque ela é violenta, e ela é uma abominação cognitiva, porque ela é ignorante”

A terceira manifestação, reproduzida no vídeo abaixo, informa que o caso de Marilena saiu do terreno da galhofa para adentrar o pátio do manicômio. A mulher que tem visões agora enxerga na operação que desmontou o maior esquema corrupto de todos os tempos uma trama internacional destinada a roubar riquezas armazenadas nas profundezas do mar do Brasil. “A Lava Jato não tem nada a ver com a moralização da Petrobras”, delirou Marilena há poucos dias. “É pra tirar de nós o pré-sal”.
Na visão da filósofa de terreiro, o juiz Sérgio Moro é um agente do imperialismo ianque e das seis maiores multinacionais petrolíferas, as “Seis Irmãs”. Depois de alguns anos de cursos e treinamentos no FBI (Marilena aparentemente ignora por que a velha CIA ficou fora dessa), Moro voltou ao Brasil preparado para engaiolar bravos guerreiros do povo brasileiro, atribuir crimes inexistentes a um Lula incorruptível, obrigar empreiteiros, diretores da Petrobras e figurões da política a confessarem delinquências que jamais cometeram, delatar amigos inocentes ou devolver propinas que nunca embolsaram e, com tudo isso e muito mais, precipitar a queda de Dilma Rousseff.
Se tivesse tais visões numa pequena paróquia do século passado, Marilena não escaparia da excomunhão por charlatanice decretada por um padre Cavallini, seguida de pedagógicas temporadas no hospício mais próximo. Como vive num mundinho infestado de fanáticos, daqui a alguns anos a companheira paranormal talvez esteja empoleirada em púlpitos pintados de vermelho, contando as coisas que anda vendo a bandos de devotos da seita lulopetista.
Admita-se: vista de perto, Marilena Chauí tem tudo para fazer bonito no papel de animadora de missa negra.

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