Quem viveu a hiperinflação há de refrescar a memória com um sorriso de descrença ao ler as palavras "pacto" e "choque", recorrentes entre a derrocada econômica da ditadura e o Real, 1981-94. Mas um pacto com choque parece a alternativa restante para abreviar a recessão e criar condições de reforma ordenada da economia. A ideia, porém, deve ter tanto sucesso quanto as congêneres dos 1980.
Não há alternativa para abreviar e atenuar a crise além de um plano de: 1) corte imediato de gastos (o possível agora é pouco); 2) limitação maior de despesas até o próximo governo (com mudanças legais); 3) alta imediata de impostos ruins (o possível agora) e, a seguir, de um imposto melhor (de renda). O problema está óbvio.
Difícil imaginar tal plano sem a mediação de líderes políticos, um acordo a respeito do talho no "social" e do imposto sobre os mais ricos ("classe média" e daí para cima). Cortes e impostos serão chocantes, para nem falar das medidas acessórias.
Dá pé? Ora temos um comitê de banqueiros e empresários toureando Dilma Rousseff de modo a evitar crise financeira aguda. Esse arranjo, de um ridículo bananeiro, prova que não há lideranças nem para intermediar a política cotidiana.
As lideranças políticas são pequenas, oportunistas vulgares ou correm risco de cadeia; estão muito desarticuladas de forças sociais. No mais, difícil que façam um pacto para apenas entregar a rapadura a Dilma Rousseff. Porém, ainda que a presidente perca a cadeira para o Boneco X ou Y, o problema de fundo permanecerá.
Com o país dividido, permeado de ideias econômicas idiotas e politicamente acéfalo, um acordo parece difícil. Assim, uns acreditam em "baixar a repressão", esfolar o povo miúdo. Para outros, a ruína salva, apenas o desastre vai nos abrir os olhos. Para os místicos, Dilma ainda terá noção do que se passa, verá a luz. Isto posto, o risco é o de rastejarmos com paliativos ao longo de outra década perdida, como nos 1980-90.
"Pacto social" era então um acordo entre "trabalhadores e empresários", um acerto de moderação de salários e lucros, "política de rendas" negociada, o núcleo de tentativas idealizadas ou sonháticas de evitar durezas de medidas normais de controle da inflação. Não se chegava a acordo, se tentado; o governo era um descalabro, nem mesmo se sabia o quanto gastava, entre outras selvagerias. A inércia era a solução provisória: o povo era esfolado em prestações.
Sem pactos ou poderes capazes de lidar com os problemas políticos e sociais da economia, de tempos em tempos vinha o "choque". Tratava-se de tentativa entre autoritária e doidivanas de dar um tiro certeiro na crise, em geral controlando preços relevantes (câmbio, salário, tabelamentos), talvez combinada a impostos sobre grupo politicamente mais frágil e, no limite, a calotes.
O choque era acompanhado de cartas de intenções de reformas, planos que se esfarelavam em meses, pois sem apoio político. O fracasso ressuscitava a ideia de pacto. Etc. Assim vivemos, entre vagas de inverdade e de loucura, parafraseando Mário Faustino (o poeta, 1930-62): blá-blá-blá de pactos seguidos de choques em 1983, 1986, 1987, 1990, para ficar nas hecatombes de década e meia de ruína.
10 de setembro de 2015
Vinicius Torres Freire, Folha de São Paulo
Não há alternativa para abreviar e atenuar a crise além de um plano de: 1) corte imediato de gastos (o possível agora é pouco); 2) limitação maior de despesas até o próximo governo (com mudanças legais); 3) alta imediata de impostos ruins (o possível agora) e, a seguir, de um imposto melhor (de renda). O problema está óbvio.
Difícil imaginar tal plano sem a mediação de líderes políticos, um acordo a respeito do talho no "social" e do imposto sobre os mais ricos ("classe média" e daí para cima). Cortes e impostos serão chocantes, para nem falar das medidas acessórias.
Dá pé? Ora temos um comitê de banqueiros e empresários toureando Dilma Rousseff de modo a evitar crise financeira aguda. Esse arranjo, de um ridículo bananeiro, prova que não há lideranças nem para intermediar a política cotidiana.
As lideranças políticas são pequenas, oportunistas vulgares ou correm risco de cadeia; estão muito desarticuladas de forças sociais. No mais, difícil que façam um pacto para apenas entregar a rapadura a Dilma Rousseff. Porém, ainda que a presidente perca a cadeira para o Boneco X ou Y, o problema de fundo permanecerá.
Com o país dividido, permeado de ideias econômicas idiotas e politicamente acéfalo, um acordo parece difícil. Assim, uns acreditam em "baixar a repressão", esfolar o povo miúdo. Para outros, a ruína salva, apenas o desastre vai nos abrir os olhos. Para os místicos, Dilma ainda terá noção do que se passa, verá a luz. Isto posto, o risco é o de rastejarmos com paliativos ao longo de outra década perdida, como nos 1980-90.
"Pacto social" era então um acordo entre "trabalhadores e empresários", um acerto de moderação de salários e lucros, "política de rendas" negociada, o núcleo de tentativas idealizadas ou sonháticas de evitar durezas de medidas normais de controle da inflação. Não se chegava a acordo, se tentado; o governo era um descalabro, nem mesmo se sabia o quanto gastava, entre outras selvagerias. A inércia era a solução provisória: o povo era esfolado em prestações.
Sem pactos ou poderes capazes de lidar com os problemas políticos e sociais da economia, de tempos em tempos vinha o "choque". Tratava-se de tentativa entre autoritária e doidivanas de dar um tiro certeiro na crise, em geral controlando preços relevantes (câmbio, salário, tabelamentos), talvez combinada a impostos sobre grupo politicamente mais frágil e, no limite, a calotes.
O choque era acompanhado de cartas de intenções de reformas, planos que se esfarelavam em meses, pois sem apoio político. O fracasso ressuscitava a ideia de pacto. Etc. Assim vivemos, entre vagas de inverdade e de loucura, parafraseando Mário Faustino (o poeta, 1930-62): blá-blá-blá de pactos seguidos de choques em 1983, 1986, 1987, 1990, para ficar nas hecatombes de década e meia de ruína.
10 de setembro de 2015
Vinicius Torres Freire, Folha de São Paulo
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